Por Manoel Brandão Neto – psicólogo
Durante nossa formação, aprendemos nas diversas escolas e teorias da psicologia o uso de metáforas que diversos psicólogos, médicos, filósofos (dentre outros que contribuíram para a psicologia) o uso de metáforas para dar significado aos seus publicados, estudos e questionamentos da psique humana.
Tais proposições emprestam da mitologia mundial diversos contos com o intuito de abrilhantar e até mesmo justificar suas publicações. As ricas mitologias de influência global, elucidam o pensamento filosófico universal, fonte onde a psicologia bebe desde então. Etimologicamente o termo psicologia é formado dos radicais: logus refere-se a estudo ou discurso, e psyche (figura mitológica grega) alma ou espírito.
Mas, e se emprestássemos das lendas brasileiras, do folclore e da mitologia brasilis algumas destas proposições para justificar influentes teorias da nossa psicologia? Bom, o intuito aqui não é propor nenhuma teorização, elencar defeitos, salientar críticas, muito menos psicologizar conceitos, mas apenas trazer à luz do bel-prazer da leitura um comparativo entre mitologias, dando mais visibilidade à nossa cultura regional, brasileira, uma vez que, por exemplo, em algumas localidades (principalmente na região norte), pouquíssimas pessoas sabem da lenda de Édipo, no entanto, maciçamente, sabem da figura lendária de Jaci, deusa da Lua, onde, ambos deuses possuem estórias semelhantes no imaginário popular.
Sigmund Freud ao publicar em 1899 seu livro “A interpretação dos sonhos“, marcou a literatura mundial. No livro, o austríaco propõe a utilização do termo “complexo de Édipo“, baseando-se na tragédia grega Édipo Rei escrita por Sófocles (496 – 406 a.C.), uma trilogia em partes que relata a vida de Édipo. O termo foi criado para descrever a relação entre pais e filhos, no caso, a paixão do filho pela mãe (Édipo) e da filha pelo pai (Electra); todo o cerne se constitui como fenômeno universal psicológico para a construção da personalidade humana.
Nas lendas amazônicas (ou mitologia brasileira), Lua (Jaci) se enamorava das mais belas índias da tribo e sempre as levava para enfeitar os céus da galáxia. Naiá, a mais bela de sua tribo era apaixonada por Jaci e esperava ansiosamente pelo grande encontro. Os mais experientes da tribo alertavam a bela índia de que, caso fosse levada por Jaci, deixaria a forma humana para sempre – e mesmo assim, Naiá platonicamente era apaixonada por sua deusa, mãe, mulher, Jaci.
Ao esperar por Jaci durante certa noite, se jogou no rio em busca de sua deusa, desaparecendo para sempre. Jaci, apaixonada por sua linda e bela índia, a transformou em uma vitória-régia, símbolo de seu amor pela índia, a única diferente de todas as índias as quais ela (Jaci) havia transformado em estrela.
Percebam que em ambas as lendas há a figura maior (da mãe), o apego e o amor platônico pela figura materna, e no final, a morte, a tragédia, nos trazendo a reflexão da constituição de personalidade a partir das relações familiares, constructos de personalidade e composição de comportamento a partir destas relações.
Na obra “Ser e Tempo” de 1927, o filósofo alemão Martin Heidegger se apropria de uma lenda. Um sábio perspicaz do norte do Egito chamado Higino (I a.C.), com sua inteligência e inquietação para conhecer os mistérios das espécies vivas e das coisas do mundo como um todo, reelaborou a fábula-mito do cuidado – que é de origem grega – nos termos da cultura romana, segundo Boff (1999).
Heidegger conta que a criação é formada por um corpo de argila moldada pelo cuidado, e esta pediu a Júpiter para soprar um espírito sobre a obra criada. Júpiter (que deu o espírito), a Terra (que deu a argila) e o Cuidado (quem decidiu criar) disputavam qual nome a criação receberia. Saturno foi o intermediador da discussão e decidiu: após a morte, o corpo voltaria para a Terra, pois dela surgiu; o espírito voltaria para Júpiter, pois dele veio; e este ser, enquanto vivo, ficaria sob responsabilidade do Cuidado, e finalizou Saturno, chamando-o de Homem.
Na lenda amazônica, um casal de índios Maués vivia junto há muitos anos e não tinha filhos. Um dia, pediram a Tupã (deus do trovão) pra dar-lhes uma criança. Tupã atendeu o desejo do casal e nasceu-lhes um lindo menino, que cresceu cheio de graça e beleza, e se tornou querido de toda a tribo.
No entanto Jurupari, o deus da escuridão e do mal, sentia muita inveja do menino e decidiu matá-lo. Certo dia, quando o menino foi colher frutas na floresta, Jurupari mandou uma serpente venenosa e matou o menino. Neste momento, fortes trovões ecoaram por toda a aldeia, e relâmpagos luziam no céu em protesto.
A mãe, chorando em desespero ao encontrar seu filho morto, entendeu que os trovões eram uma mensagem de Tupã. Em sua crença, Tupã dizia-lhe que deveria plantar os olhos da criança e que deles nasceria uma nova planta, dando saborosos frutos, que fortaleceria os jovens e revigoraria os velhos. Os índios então plantaram os olhos do menino morto e regavam todos os dias.
Dali a um tempo, naquele lugar nasceu o Guaraná, cujos frutos negros envoltos por uma orla branca de sementes rubras, são muitos semelhantes aos olhos humanos, uma forma de Tupã perpetuar o cuidado dele para/com a criança e assim, dando conforto aos pais que perderam a criança.
Percebam que ambas as lendas falam de criação, personificação humana, deuses brigando pelo controle humano, morte, espírito e ressignificado simbólico, fazendo alusão aos nossos desejos, o “ser-no-mundo”, nossas trajetórias, desejos, sonhos, concretude do abstrato para o real, angústias que devem ser escutadas e o empoderamento de nós mesmos “por nós mesmos” na busca pela saúde mental.
REFERÊNCIAS
BOFF. Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
FREUD, Sigmund. The Interpretation of Dreams (A interpretação dos sonhos). Chapter V “The Material and Sources of Dreams” (New York: Avon Books) p. 296.
NOGUEIRA, Guilherme; MOREIRA, Larissa. O cuidado do terapeuta na clínica fenomenológica. 121 – caderno de texto – IV – Anais – Congresso de Fenomenologia do Centro-oeste, Goiânia, 2011.
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