Por Flora Paul para o Buzzfeed
Conheci Rachel, Mônica, Phoebe, Joey, Chandler e Ross em algum dia de agosto ou setembro de 1998. Eu tinha 10 anos, quatro pinos na canela esquerda para fixar minha tíbia quebrada e muito tempo livre, dedicado principalmente a zapear canais da tv a cabo.
A Sony (sim, novinhos, ainda era na Sony!) reprisava as primeiras temporadas de “Friends” de manhã e de tarde e eu assistia nos dois horários. Na terça à noite passavam os capítulos novos – Ross tinha acabado de dizer o nome da Rachel no casamento com a Emily –, mas eu não assistia os atuais porque ainda dormia cedo.
Logicamente passei a pensar em como seria ser adulta como eles, dividir apartamento com amigos, ter empregos legais, dramas interessantes, jogar conversa fora em um café em Nova York – enquanto eu apenas tentava superar os anos mal diagramados de puberdade e sonhava em ter o cabelo da Rachel.
Ainda levaria uns anos para eu pensar sobre a influência deles na minha saúde mental, mas, com certeza, assistir a pessoas que me faziam rir e que eu gostaria de ser e ter como amigos me ajudou a não pensar muito em questões do meu dia a dia, tipo ter sido atropelada, o que levou aqueles pinos à minha canela em primeiro lugar.
Como acontece nas raras relações que duram duas décadas, “Friends” esteve lá para me confortar e consolar quando precisei. Obviamente não acho que os seis personagens são meus amigos, mas sempre pude contar com a companhia deles. E a cada vez que revi a série – enquanto passava da pré para a adolescência para a o começo da vida adulta para este momento prestes a fazer 30 anos – entendi mais algumas nuances sobre crescer que antes talvez passassem despercebidas.
De alguma forma, “Friends” fez parte do meu amadurecimento – dos momentos bons, dos momentos de tédio, dos momentos tristes.
Warner Bros.
Eles estavam lá quando precisei deles durante minha adolescência, com os primeiros dramas amorosos, tretas entre amigos, desafios como entrar na faculdade e frustrações como não crescer na velocidade em que gostaria. Eles me distraíam da chatice de ser adolescente, me faziam imaginar qual tiradinha dariam se estivessem na minha pele e, mesmo que não fosse de forma muito consciente, me ajudavam a focar em quem eu queria me tornar.
Eles também estavam lá quando adentrei meus vinte e poucos anos e aprendi a ir ajustando minhas expectativas sobre a vida adulta.
Quando passei a dividir apartamento com um amigo que se formou comigo na faculdade e uma das minhas melhores amigas morava no andar de cima, muito “Friends” da minha parte. Mas também passei a entender como os personagens sofriam em empregos instáveis, chefes difíceis, grana curta. Passei a entender como pode ser um saco sair com pessoas que não têm nada a ver com a gente, ou que têm, mas que não têm o menor interesse em nós ou em nos respeitar – o universal drama do “estávamos dando um tempo” ou não.
Passei a entender como amigos são importantes e nos dão colo e apoio em momentos difíceis quando escolhemos viver longe dos pais. E bom, quando tudo dava errado com emprego, chefe, dinheiro, date e até com os amigos, “Friends” estava lá comigo nos fins de noite bem menos espetaculares do que eu esperava da vida adulta.
Acima de tudo, eles estiveram lá quando, pouco depois de completar 29 anos, uma sensação estranha que eu não entendia há algum tempo se transformou em uma crise; quando não conseguia mais me conectar com o mundo em que eu vivia; quando levantar da cama, mesmo só para ir até o sofá, já era um desafio. Talvez pareça um pouco nebuloso, e realmente foi.
No sofá, assistir temporada após temporada de “Friends” me ajudava a não pensar ou sentir nada além da familiaridade de tê-los por perto. Assisti maratonas. Assisti dando play no primeiro episódio da série assim que acabava o último. Assisti para conseguir me acalmar e dormir. Assisti para não me sentir sozinha quando não conseguia mais conversar com outras pessoas.
Assistir o seriado me ajudou a conseguir suportar mais algumas horas, alguns dias, alguns fins de semana. Assisti até, com o apoio da minha terapeuta, conseguir procurar ajuda médica e, então, ser diagnosticada com depressão.
Mesmo com o amparo das duas profissionais mais acolhedoras que existem, ainda assisti “Friends” mais um pouco, chorando com os raros capítulos de chorar, como o pedido de casamento de Chandler e Monica, o nascimento da Emma e a separação da Phoebe e do Mike; e entendendo que eu ainda tinha a capacidade de rir e achar coisas engraçadas nos vários outros episódios.
Assisti até conseguir me interessar por outras opções na Netflix, até conseguir me abrir com pessoas próximas, até conseguir fazer, as poucos e com esforço, pequenas coisas do dia a dia. Assisti até não querer – nem precisar – assistir tanto. Hoje, em tratamento há alguns meses, a última vez em que assisti foi só para deixar alguma coisa levinha passando na TV enquanto jantava.
Não faço ideia de qual vai ser minha próxima fase assistindo “Friends”, mas nada como ter a segurança de que a série sempre vai estar disponível para me fazer rir um pouquinho, para fazer com que eu me sinta amparada, para me ajudar a não pensar em nada ou (é um pouco clichê, mas) para lembrar do que já vivi enquanto assistia “Friends”.
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