Por Arnaldo Cheixas
Muitas dúvidas surgem sobre como escolher um bom profissional quando se quer começar um trabalho de psicoterapia. E também sobre como saber se o trabalho está caminhando bem. Elaborei este pequeno roteiro para ajudar quem não sabe por onde começar.
Qual a diferença entre psicólogo, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta?
O psicólogo fez graduação em psicologia e pode atuar em áreas distintas: psicologia escolar, psicologia social, psicologia jurídica, psicologia organizacional e psicologia clínica, sendo esta última a responsável por tratar das angústias humanas no nível individual (ou no máximo de pequenos grupos: casal, família ou grupos pequenos com a mesma demanda – abuso de substâncias químicas, depressão, etc.). O psicólogo clínico ajuda o paciente (ou cliente ou analisando) a ampliar sua consciência acerca de si mesmo bem como propõe mudanças no modo como o paciente se comporta diante de determinadas situações. A psicologia trata do comportamento e dos fenômenos subjetivos a partir das relações entre o ambiente e o comportamento propriamente dito (casos da terapia analítico-comportamental e da terapia cognitivo-comportamental) ou de modelos de mente (caso das teorias psicanalíticas como a de Freud). A terapia conduzida pelo psicólogo é baseada na palavra, na consciência e na modificação do comportamento. São exclusivas do psicólogo a avaliação neuropsicológica e a aplicação de testes psicométricos.
O psiquiatra fez graduação em medicina e residência em psiquiatria. A base de trabalho do psiquiatra é a avaliação do funcionamento mental do paciente a partir de referenciais adotados como norma. Para isso, ele lança mão do diagnóstico de patologias (definidas como o que está fora da norma) a partir da queixa do paciente bem como do eventual uso de medicamentos que interferem no modo como o cérebro funciona.
O psicanalista é um profissional com curso superior (normalmente em psicologia ou medicina) que vivenciou um processo de formação em psicanálise posterior à graduação. A psicanálise é voltada principalmente para o autoconhecimento e sua forma de trabalho é menos interventiva do que em outras abordagens clínicas. Um psicólogo clínico pode basear seu trabalho em uma teoria psicanalítica (p.e. Freud, Jung ou Lacan) sem ser necessariamente um psicanalista, que é quem passou pela formação depois da graduação especificamente com esse objetivo.
O psicoterapeuta é qualquer profissional que conduza uma psicoterapia, que é um nome genérico para qualquer tipo de terapêutica dirigida para o psiquismo/comportamento humano. Em qualquer dos casos, o objetivo é grosseiramente trabalhar questões relacionadas aos produtos do funcionamento do cérebro, mas partindo de aspectos diferentes. Interessante registrar que tanto o psicólogo clínico como o psiquiatra podem ser considerados psicoterapeutas… desde que atuem como tal.
Antes de iniciar a terapia:
Indicação. Embora não seja um critério suficiente e nem necessariamente condição para a escolha, uma das formas mais eficazes para selecionar um bom psicólogo é a indicação feita por alguém de sua confiança… seja o médico, um ex-paciente daquele profissional ou um familiar seu. De modo geral a indicação diminui drasticamente a probabilidade de você chegar num profissional ruim.
Localização. Leve em conta a facilidade que você terá para chegar no endereço do profissional porque a terapia normalmente tem frequência semanal e, se você encontrar dificuldades para chegar no consultório de seu terapeuta, é provável que você não dê conta de sustentar a terapia por muito tempo.
Alternativas. Levante em princípio mais de um nome e os considere como alternativas mesmo depois da sessão inicial com sua primeira opção, caso ela lhe deixe em dúvida. De fato, até mesmo o contato inicial com o profissional ou com sua secretaria antes do primeiro atendimento já lhe dará elementos para sustentar sua escolha. Basicamente você precisa se sentir bem neste contato inicial.
Competência. O grau de competência do profissional tem um tanto de subjetividade mas alguns elementos objetivos podem ser úteis. Vale a pena buscar pelo nome do profissional na internet e acessar principalmente seu currículo na Plataforma Lattes que, embora não seja obrigatória para nenhum psicólogo, fornece as informações essenciais sobre sua formação acadêmica. Caso o psicólogo pesquisado possua website, avalie a qualidade dos conteúdos por ele divulgados.
Abordagem teórica. Não é essencial que você saiba em qual linha teórica quer fazer terapia e nem mesmo as diferenças entre elas, tanto porque isso pode ser conversado na primeira sessão com a ajuda do profissional quanto porque às vezes é mais importante a afinidade que você sentirá com o terapeuta na primeira sessão. Esse tópico é relevante apenas nos casos em que a pessoa já tem uma posição construída ou naqueles nos quais o encaminhamento feito por outro profissional já especifica o tipo de intervenção e isso já foi previamente discutido com você. Portanto, se você quer fazer psicoterapia e não conhece as diferentes linhas teóricas, simplesmente não dê tanto valor a isso. Tire suas dúvidas com o profissional e confie na sua própria percepção depois da sessão inicial.
Registro profissional. É essencial que o profissional que lhe irá atender esteja devidamente registrado em seu conselho de classe. Os psicólogos que trabalham no Brasil têm seu trabalho regulamentado e fiscalizado em nível nacional pelo Conselho Federal de Psicologia e a consulta sobre todos os profissionais pode ser feita aqui. Você também pode complementar sua consulta visitando o website do Conselho Regional de Psicologia do seu estado.
Histórico. Por meio das ferramentas de busca na internet e do relato de quem eventualmente conheça o profissional que lhe foi indicado, procure estabelecer uma avaliação sobre a seriedade do psicólogo e cheque a ausência de seu envolvimento em situações que representem faltas éticas. A simples menção ao profissional em um site de reclamação não quer dizer necessariamente que ele não seja um bom profissional, mas vale a pena levar esta informação em conta.
Honorários. O valor da sessão de psicoterapia varia com grande intervalo ente os profissionais mas há dois aspectos importantes para se considerar a esse respeito. O primeiro deles é: desconfie de profissionais que cobrem muito barato (consulte a lista de referência de honorários do Conselho Federal). Por fim, é importante você se certificar de que o pagamento dos honorários caberá em seu orçamento; isso só será possível definir depois da primeira sessão mas é bom já saber de antemão como esse gasto entrará em seu orçamento a fim de evitar uma desistência por não conseguir pagar pelo serviço. Vale lembrar que os planos de saúde são obrigados a fornecer ao menos doze sessões por ano a seus segurados.
Na primeira sessão:
- O consultório. Um bom consultório não precisa ter móveis caros, nem estar em um imóvel considerado chique e muito menos precisa ser modelo de decoração. Mas é importante que seja limpo, confortável e minimamente organizado. Problemas com o espaço físico podem ser indicativos de problemas com a qualidade do próprio trabalho clínico. Preste atenção também no quanto a estrutura física garante um ambiente sigiloso e seguro para a interação psicoterapêutica.
- Você não precisa considerar que o psicólogo poderia ser seu amigo não fosse seu terapeuta mas é importante que você sinta algum grau de afinidade, o suficiente para estabelecer uma boa comunicação entre vocês.
- Mais importante do que a afinidade, a empatia na primeira sessão é um bom sinal de que a comunicação entre você e o terapeuta existe. Perceber que ele sabe do que você está falando indica que ele fará o mesmo na continuidade do vínculo.
- Clareza na exposição do modo como trabalha. Um bom psicólogo deve ser capaz de explicar como trabalha de forma clara, simples e objetiva logo na primeira sessão. Sair da primeira sessão com dúvidas não esclarecidas é sinal de alerta que deve ser solucionado no máximo na segunda sessão.
- Essencial no trabalho clínico por respeito a você, aos demais pacientes, à natureza da psicoterapia e a si próprio, a pontualidade do psicoterapeuta se correlaciona bem com sua ética e com sua competência profissional.
No decorrer do processo:
- Ética. É difícil propor critérios para ajudar você a avaliar se o seu psicólogo é ou não ético sem um texto longo mas, considerando a proposta aqui de estratégias simples, eu diria que um bom critério é a discrição. Um psicólogo discreto provavelmente é um psicólogo ético. Um psicólogo indiscreto, pelo contrário, pode cometer faltas éticas com mais facilidade.
- Interesse na sua demanda. Embora seja natural que, depois de algum tempo de psicoterapia, haja espaço para alguns momentos de relaxamento na interação entre psicólogo e paciente, é importante que o profissional jamais permita um rebaixamento de sua atenção para as demandas do paciente, sejam aquelas do início da terapia, sejam as que surgem no decorrer do processo. Achar que o psicólogo virou seu amigo pode significar que o enquadramento terapêutico se perdeu e a psicoterapia já não tem mais sentido naquele vínculo.
- Abertura a críticas. Um psicólogo aberto a críticas é um profissional que se mantém em evolução e crescimento profissional. Admitir que não conhece algo de vez em quando, ao contrário do que possa parecer (incompetência), é sinal de uma postura voltada para a aprendizagem, para a reciclagem e, no fim das contas, para o constante crescimento, o que é uma importante competência profissional para os psicólogos.
- Da mesma forma que é importante na primeira sessão, a pontualidade deve se manter ao longo de todo o processo de psicoterapia. Um psicoterapeuta renomado que não cuida da pontualidade deixou de ser psicoterapeuta, ao menos para os pacientes atuais, ainda que continue renomado.
- Disponibilidade para contato fora da sessão de terapia. Alguns casos de psicoterapia exigem algum contato fora do contexto da sessão (dependência química, risco de suicídio, espectro autista etc.) com o próprio paciente e/ou com familiares – situações nas quais o formato desse contato é previamente combinado entre paciente e terapeuta – mas, de modo geral, um terapeuta indiscriminadamente disponível fora da sessão está contribuindo com isso para o fracasso do próprio trabalho.
Sinais de alerta que devem lhe fazer considerar interromper (ou nem começar) a psicoterapia:
- Promessa de soluções fáceis ou revolucionárias. Psicólogos que divulgam soluções revolucionárias para demandas psicoterapêuticas estão, antes de mais nada, mentindo. O avanço científico normalmente é paulatino, dado em pequenos passos e extremamente cauteloso. Além disso, é raro que alguém dê vários passos de uma vez sem que os demais especialistas da área estejam a par do que está acontecendo. Uma solução mágica quase sempre é caso de charlatanismo e só se presta a promover seu proponente.
- Exagero na exposição de sua vida pessoal. Naturalmente em alguns momentos da psicoterapia pode ser útil o terapeuta fornecer ao paciente um exemplo de sua própria vida como um recurso para auxiliar na jornada do paciente, mas essas inserções precisam ser cuidadosamente contextualizadas e devem ser necessariamente raras na psicoterapia.
- Pedir favores. Já ouvi histórias de terapeutas que pediram carona ao paciente, ajuda em uma repartição pública, ingressos VIP para espetáculos e até dinheiro emprestado. Estas são faltas graves sobre as quais cabe inclusive denúncia ao Conselho Regional de Psicologia. Não aceite jamais ser abordado por seu psicólogo dessa forma.
- Assédio. Qualquer tipo de assédio (sexual, moral ou físico) por parte do terapeuta, por mais sutil que seja é, além de falta grave, crime. Interrompa a terapia e o denuncie.
As diretrizes desse pequeno roteiro são suficientes para lhe ajudar a escolher um bom psicólogo.
Imagem de capa: Shutterstock/VGstockstudio
TEXTO ORIGINAL DE VEJA SP