O mundo é um palco.
Você já deve ter ouvido essa expressão tão popular.
Repetida em rodas de conversas, ela traduz a visão de senso comum sobre como expressamos nossa personalidade nos papeis sociais que assumimos.
Quando falamos em papeis, nos referimos ao conjunto de expectativas sociais que os grupos nos atribuem, quanto a condutas que precisamos ter para adequação às necessidades grupais.
O impacto dos papeis na sociabilidade tem sido objeto constante no estudo de psicólogos e cientistas sociais. E a razão disso é que assumir papéis define nossa história na dramaturgia humana.
Erving Goffman, cientista social canadense, deu grande peso às implicações psicológicas e sociais da forma como desempenhamos papeis. Ele chamava os papeis de ‘máscaras expressivas ou representações sociais’ que assumimos para nos transformarmos em seres sociais. Segundo Goffman, apenas em momentos íntimos é que caem as máscaras expressivas do cotidiano.
Papeis e aceitação social são fenômenos quase inseparáveis. Os grupos esperam atuações distintas de seus membros e consideram notáveis, as que mais correspondem às maiores expectativas quanto aos papeis valorizados.
Por tais razões, dizemos que há certa pressão para nos conformarmos às expectativas sociais. Esse caráter de obrigatoriedade é tão evidente que, não raro, na busca de aprovação social, adotamos comportamento e aparência discrepantes de nossa identidade.
E a pressão não é acidental, pois é assumindo papeis que ultrapassamos nossa feição subjetiva intrínseca e nos projetamos na realidade. Eles nos permitem entrar no jogo social sob suas diferentes formas.
Cada um na sua rica subjetividade representa papeis de forma singular, pela expressão de sua personalidade. Esse aspecto permite que nas trocas grupais, nos identifiquemos com os grupos aos quais pertencemos, sem perder nossa essência.
A palavra personalidade é originada do termo ‘persona’. Expressão que dava nome às máscaras usadas no teatro grego do período clássico.
As máscaras escondiam o rosto do ator para distanciá-lo de sua real identidade e permitir que ele assumisse o papel com maior fidelidade. No caso, o uso da máscara revelava o papel, mas disfarçava a identidade.
Mas e quando isso ocorre na vida social, ou seja, e quando para nos firmarmos como atores sociais, temos de adotar papeis que mascaram o que de fato somos?
Esse ponto constitui uma das principais questões humanas: até que ponto, as máscaras expressivas revelam nossa identidade ou a falseiam em troca de prestígio social?
Realmente, para corresponder às expectativas como ator social definido, não raro, revestimo-nos de aparência e condutas incongruentes com nossos valores e desejos.
Para fazer frente a tal dilema, é preciso estar consciente para não mergulhar no egocentrismo solitário e nem submeter-se à massificação esmagadora embutida nas armaduras simbólicas que a cultura de massa impõe.
Falsear a própria identidade é tornar-se uma não-pessoa. É assumir máscaras vazias que são mordaças da subjetividade. ‘Personas’ que, longe de adornarem o que somos, são como fachadas ocas que não nos refletem como atores únicos da dramaturgia humana.
É inegável que precisamos desempenhar papeis. Eles são como moedas sociais para as trocas humanas. Mas, é necessária a consciência do preço a pagar e de quanto essas moedas são autênticas ou são mentiras sociais que nos tornam impostores de nós mesmos; dinheiro falsificado comprando um pouco de aceitação e prestígio social.
O que nos torna personalidades coerentes é assumir papéis de forma refletida e responsável, zelando pela integridade do que nos torna personalidade singular e sujeito social lúcido.
Enfim, no teatro da vida, a questão não é aprisionar-se obstinadamente em si mesmo é ser um ator honesto na dramaturgia que nos torna humanos.
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