O filósofo italiano Antônio Gramsci é amplamente conhecido por mostrar como a cultura influencia importantes mudanças na sociedade. Depois de passar oito anos na prisão por causa de sua luta contra o fascismo na Itália, Gramsci morreu no ano de 1937, aos 46 anos de idade, extremamente doente.
Sua vida inteira, porém, foi sempre constituída de lutas. Quando jovem, estudou letras na Universidade de Turim e, a partir daí, começou a se interessar por política. Tornou-se jornalista e escritor notável. Suas ideias o levaram a fundar o primeiro partido comunista da Itália, pelo qual foi eleito em 1924.
Gramsci viu seu país cair nas mãos de Mussolini e, justamente, por sua oposição ao ditador foi detido em 1926. Durante os anos como prisioneiro político, ele compôs sua principal obra: os Cadernos do Cárcere. Neles, Gramsci condensou a maior parte de suas ideias, que abrangem desde a teoria política até conceitos sobre filosfia e educação.
Muito além de palavras como hegemonia cultural e revolução passiva, o filósofo apresentou conceitos que, mesmo tendo sido elaboradas no início do século 19, nos ajudam a entender como a sociedade funciona e, principalmente, como podemos mudá-la.
Conheça um pouco das ideias de Gramsci nesse guia que a GALILEU preparou com a ajuda do professor de teoria política da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marco Aurélio Nogueira, que também colaborou com a tradução dos Cadernos do Cárcere aqui no Brasil. O Dicionário Gramsciano, organizado por Guido Liguori e Pasquale Voza, publicado pela Boitempo Editorial, também serviu como base.[
A Hegemonia Cultural
“Hegemonia” é uma palavra grega que, em resumo, significa “dominação”. No início, o termo era utilizado apenas no sentido militar, para designar a dominação feita à força de um povo sobre outro. Com Gramsci, porém, a coisa muda de figura e adquire um caráter muito mais amplo.
A hegemonia cultural ocorre quando um grupo ou um conjunto de grupos da sociedade organizados em associações ou partidos conseguem exercer influência o suficiente sobre outras pessoas a ponto de direcioná-las. A natureza dessa influência, porém, não é nem um pouco física, mas sim de ordem moral e intelectual.
Não pense, no entanto, em “polícia do pensamento” ou “ministério da verdade”. Apesar das ideias de repressão imaginadas por George Orwell, em seu livro 1984, serem exemplos de extrema dominação cultural, elas não representam em nada as ideias de Gramsci. Para o filósofo, a conquista da dominação deve ser feita no sentido do consentimento e da busca do convencimento, não da manipulação.
Gramsci foi um combativo e intransigente antifascista. Não admitia que a vida das massas pudesse ser controlada, como pretendia o regime de Mussolini com o propósito de realizar uma grande transformação na natureza humana e na vida associada. Para o filósofo marxista, trata-se precisamente do contrário, ou seja, de estimular as pessoas a viverem criativamente e a agirem como protagonistas.
“Sua marca distinta é a de ter insistido bastante no fato de que a boa política — a política democrática e aberta à participação social — é aquela que consegue criar uma ponte de interlocução com o povo e até com os adversários. Que é preciso dar elementos de caráter intelectual e cultural para que as pessoas formem de maneira autônoma as suas próprias convicções”, explica Marco Aurélio.
Todos os homens são intelectuais, mas nem todos exercem essa função
Gramsci considera que a filosofia, a arte, a poesia, a linguagem, a política e toda atividade produzida no âmbito da mente humana são, diferentemente do que muitos pensam, práticas as quais qualquer um pode se dedicar. Afinal, todos nós pensamos e, portanto, somos capazes de desenvolver ideias.
A diferença é que algumas pessoas tem a função específica de trabalhar com ideias, elaborando-as e produzindo-as. Esse ofício, porém, não está limitado apenas a professores, escritores ou artistas, mas também envolve médicos, engenheiros ou qualquer outra profissão em que a racionalização seja necessária.
Como explica Marco Aurélio, essas pessoas são as responsáveis diretas por produzirem e disseminarem a informação e, consequentemente, têm impacto direto em qualquer disputa por hegemonia cultural que esteja acontecendo dentro de uma sociedade.
Gramsci joga luz, portanto, sobre a importância dos “produtores de conteúdo” possuírem consciência das mensagens que transmitem para o mundo. São elas, afinal, que permitem as mudanças que desejamos que ocorram.
Linguagem é poder
Se todos os homens são intelectuais, sua principal ferramenta é, portanto, a língua. É com ela que ele é capaz de transmitir suas ideias e sentimentos para o mundo. A linguagem não é só essencial para fazer-se entender perante o mundo como, mais importante ainda, é fundamental para que tenhamos capacidade de nos entender.
É por isso que, para Gramsci, um léxico claro e preciso era uma das maiores armas na luta pela hegemonia cultural. Linguista de formação, o filósofo dedicou grande parte das páginas de seus Cadernos do Cárcere para produzir e desenvolver um vocabulário certeiro das áreas da política, economia e filosofia.
“Uma das preocupações de Gramsci é fazer com a que a linguagem filosófica, política, econômica, seja traduzida para o meio comum e para os diversos ambientes sociais. Para ele, é preciso fazer uma adaptação, fazer uma tradução para que as pessoas que não são especialistas possam se apropriar dos conceitos e das perspectivas teóricas”, explica Marco Aurélio.
Para entender melhor as ideias do autor, Marco Aurélio recomenda a leitura dos livros Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político, de Carlos Nelson Coutinho, e Modernidades Alternativas de Giuseppe Vacca. Além dele, o Dicionário Gramsciano compila todos os verbetes já utilizados pelo filósofo.
(*Com supervisão de Nathan Fernandes)
TEXTO ORIGINAL DE REVISTA GALILEU
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