Em junho de 2012, fui para a Universidade de Harvard frequentar um curso intensivo (How to deal with difficult conversations) que faz parte do Program on Negotiation at Harvard Law School. Os professores – Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen – são os autores do ótimo livro Conversas Difíceis (Ed. Campus, edição atualizada em 2011). Éramos um grupo de 44 pessoas de vários países e o curso, muito bem organizado, com dinâmicas profundas e práticas, propiciou conhecimentos significativos para todos nós.
Eventualmente, todos nós nos deparamos com situações de tensão, mal-estar, conflitos com pessoas da família, colegas de trabalho, vizinhos, amigos. Conversar sobre o que está gerando tanto desconforto é difícil para a maioria das pessoas. O grande desafio é: o que podemos fazer para transformar conversas difíceis em diálogos eficazes?
Alguns exemplos: Você desconfia que uma colega de trabalho deixou “vazar” para seu chefe um e-mail em que você fala mal dele, mas não sabe se deve conversar com ela sobre isso; você já presenciou algumas explosões de irritação de um vizinho seu, mas teme reclamar ao vê-lo estacionar mal o carro, “invadindo” a sua vaga na garagem; você está entediada com seu namorado “bonzinho”, mas não consegue conversar sobre seu desejo de terminar o relacionamento.
Para entender a estrutura de uma conversa difícil é preciso tentar perceber a distância que separa o dito do não dito. Em outras palavras, precisamos entender o que os outros estão sentindo e pensando mas não estão conseguindo dizer.
Os autores afirmam que as conversas difíceis giram em torno de três “diálogos” que ocorrem simultaneamente: o diálogo do “O que aconteceu?”, que revela a diferença das interpretações que cada pessoa faz dos mesmos fatos, gerando a necessidade de julgar quem está certo e quem está errado ou de quem é a culpa pelo que aconteceu; o diálogo dos sentimentos que mostra o conflito de decidir se o que está sendo sentido é válido ou não e se deve ou não ser explicitado; o diálogo da identidade que revela o impacto da conversa difícil sobre nossa autoimagem (“Sou incompetente? Egoísta? Intempestivo”?)
Nas conversas difíceis, costumamos cometer erros típicos em cada um desses “diálogos”. No diálogo sobre “O que aconteceu?” um dos erros típicos é induzido pela tentação de definir “quem tem razão”: lutamos para vencer a disputa “eu estou certo, você está errado”. No entanto, os mesmos fatos são percebidos de modos diferentes e, para encarar conversas difíceis é preciso confrontar percepções, interpretações e valores das pessoas envolvidas. Como cada um interpretou e julgou os mesmos fatos? Com isso, nos libertamos da necessidade de provar que estamos certos e conseguimos nos abrir para a curiosidade de entender como cada um percebe o mundo.
Outro erro comum nesse diálogo é achar que sabemos quais as intenções dos outros (“Você escondeu meus cigarros porque quer me controlar!”) e, em decorrência disso, chegamos a conclusões infundadas que dificultam a conversa. Por fim, o erro de procurar o culpado pelo que aconteceu estimula comportamentos de defesa, justificativas e acusações, que torna a conversa pesada e ineficaz. Aparentemente, é mais fácil apontar o dedo acusador do que admitir que o problema surgiu e cresceu a partir do que ambas as partes fizeram ou deixaram de fazer. Então, quando temos coragem de sair da posição de procurar o culpado para ver como cada um contribuiu para o que aconteceu, há muito mais probabilidade de entender melhor a situação e buscar uma saída em conjunto, inclusive para evitar que o problema se repita.
No “diálogo dos sentimentos” é comum a tentativa de bloquear a expressão dos sentimentos mais intensos ou “difíceis” em decorrência do medo de ficarmos vulneráveis ou de abalar ainda mais a relação. No entanto, as conversas difíceis não apenas envolvem sentimentos intensos mas, são, fundamentalmente, sobre sentimentos importantes. Quando lidamos mal com os sentimentos envolvidos, a comunicação fica bloqueada. Quando conseguimos abordar os sentimentos “difíceis” melhoramos a qualidade do relacionamento. Muitas pessoas acham complicado compreender os sentimentos, falar sobre eles e administrá-los. Mas esta é uma habilidade que pode ser aprendida.
O “diálogo da identidade” envolve, comumente, uma ameaça interna: ” Como o que aconteceu abala minha autoimagem? “Será que eu não sou tão bom quanto gostaria de me ver e de ser visto?” “Que impacto isso terá no meu futuro” ? Em síntese, é o que eu digo para mim sobre mim mesmo. Quando nos sentimos ameaçados, perdemos temporariamente o equilíbrio e nossa autoconfiança fica prejudicada. Por conta disso, tendemos a evitar as conversas difíceis, em vez de tentar transformar a fonte de ansiedade em fonte de força para fazermos revisões sobre nós mesmos.
Enfrentar os desafios das conversas difíceis nos permite desenvolver habilidades para perceber a complexidade de percepções, sentimentos e intenções e o que tudo isso significa para a autoimagem de cada pessoa; quando nos interessamos em compreender o ponto de vista dos outros, compartilhando sentimentos e percepções, descobriremos oportunidades de trabalhar o problema em conjunto. Saindo da “certeza” para a “curiosidade”, conseguiremos transformar as conversas difíceis em diálogos de aprendizado.
Em síntese, nas conversas difíceis, é inútil querer mudar o outro ou controlar suas reações. É útil: entender o ponto de vista do outro, expressar o nosso, analisar como vemos a mesma situação de modos diferentes e procurar resolver o problema em conjunto.
Imagem de capa: Shutterstock/Antonio Guillem