Por Ronaldo Lemos
Há pouco tempo, um caro amigo escreveu um dos melhores posts que li recentemente no Facebook. Ele alegava que a relação com os millennials (principalmente quem nasceu entre 1990 e 2000) requer alguns cuidados para membros de gerações anteriores.
Entre vários exemplos, ele conta a história de um millennial (do qual ele é chefe) que decidiu tirar férias sem avisar. Precisando de uma providência urgente no trabalho, ele mandou um e-mail para o subordinado e recebeu uma daquelas mensagens automáticas que avisam que a pessoa se autoliberou de ler qualquer mensagem (como se isso fosse possível no mundo de hoje). Curiosamente, a mensagem dizia: “Estarei ausente até o dia tal, com acesso limitado a e-mails. Em caso de urgência favor entrar em contato com [meu chefe]”, e logo a seguir dava o e-mail do meu amigo para que ele cuidasse de todas as pendências do millennial em repouso.
Essa anedota verídica dá dicas sobre um pouco do que acontece com as pessoas que cresceram hiperconectadas. O primeiro ponto a ser destacado é que ser millennial pressupõe algum tipo de afluência econômica. Afinal de contas, para os mais de 4 bilhões de pessoas do planeta que ainda não possuem água, eletricidade, saneamento ou educação, é bem difícil ser millennial, até porque conexão à internet é algo raro para essa parcela majoritária do planeta.
Os Esquisitões
No entanto, para a parcela de habitantes hiperconectada do planeta, tornar-se millennial está virando condição natural. Talvez a característica que melhor defina o millennial seja uma palavra em inglês de difícil tradução: awkwardness. O adjetivo awkward pode ser traduzido como algo entre “desajustado” e “embaraçoso”, e indica uma vontade de fugir do convívio direto, quando ele não é mediado por algum tipo de mídia.
Faz sentido. O território preferido de muitos millennials é o seu próprio mundo: o “eu comigo mesmo”. Mundo este que propicia diversão infinita e personalizada, com múltiplas opções de séries para serem assistidas (de preferência na cama, de luz apagada, com um computador sobre a barriga ou um celular na mão). Múltiplas listas de músicas que não são ouvidas por ninguém mais. E feeds de informação personalizados em todas as redes sociais, com ídolos e crushes que habitam apenas o mundo privado de cada millennial e de quase ninguém mais. Com tanta customização, fica mesmo difícil se relacionar com os outros, até por falta de referências comuns.
A prática da awkwardness é consagrada inclusive na cultura popular, em séries como The Office, Big Bang Theory e Parks and Recreations, todas hits entre muitos millennials e todas cujo tema gira em torno dos mais diversos tipos de desajuste social.
Da minha parte, consigo enxergar muitas virtudes nos millennials e até compartilho de várias das suas práticas. No entanto, há uma certa perda da sociabilidade direta, não mediada, que vai fazer falta a essa parcela da humanidade como um todo. Ainda bem que no Brasil, diferentemente de outros lugares, temos o Carnaval. Além de todas as suas benesses usuais, o Carnaval nesse contexto ganha contornos de escola de sociabilidade (da carne, do suor), capaz de transcender a superficialidade inevitável de quem vive de awkwardness. Com isso, neste Carnaval, mando meu evoé para vocês, queridos e queridas millennials.
TEXTO ORIGINAL DE REVISTA TRIP
Imagem de capa: Shutterstock/nito