Por Michele Muller
Apesar de não admitirmos, somos, em geral, péssimos ouvintes. E isso não é recente. Аo constatar que processamos apenas 25% do que nos é informado verbalmente, pesquisas realizadas na década de 50 já apontavam para uma necessidade de melhoramos nossa habilidade de trazer mais atenção às conversas.
O problema é que, comprovadamente, só percebemos essa falha nos outros: um estudo da década de 70 envolvendo oito mil americanos mostrou que todos consideravam-se ouvintes mais atentos que seus colegas de trabalho. De lá pra cá, ganhamos vários meios de expor nossa privacidade e opiniões sem precisarmos oferecer a contrapartida que costumamos evitar. Socializamos nosso egocentrismo, desequilibrando ainda mais a relação entre a escuta e a expressão.
Os smartphones com os quais temos que dividir a atenção do nosso interlocutor (nos momentos em que usufruímos do luxo de um encontro pessoal) não são a causa, mas o retrato da nossa propensão à vaidade e à impaciência. São extremamente tentadores justamente por alimentar nossa tendência de falar mais que ouvir, de aparecer mais que comparecer, e de escapar daquilo que demanda energia mental. Facilitam a fuga das exigências que vêm com as relações mais significativas.
Como resultado, vivemos uma ansiedade cuja origem pode ser difícil de rastrear. Sentimos falta de atenção, apesar de termos o poder de publicar cada pensamento. Sentimos falta do processo lento de construção de relações satisfatórias, da empatia que só uma boa conversa propicia, de não precisar acompanhar todas as mudanças, de não precisar de constante exposição.
A tentativa de identificar e, assim, poder dominar melhor essa ansiedade levou-nos a nomeá-la com uma sigla: FOMO (fear of missing out, ou medo de ficar por fora). O FOMO é o retrato de nossa contraditória condição de querer participar de tudo, mas não conseguir dedicar atenção a quase nada. E, em contrapartida, não termos ninguém que nos escute de fato. É também reflexo do sentimento de fracasso despertado pelo acesso constante ao sucesso dos outros.
Adolescentes aprendem que podem ser quem quiserem e que a fama não depende de sorte, mas está ao alcance de quem for capaz. Enquanto não soubermos ensiná-los o real significado de uma vida bem sucedida, continuaremos correndo o risco de vê-los recorrendo a inimagináveis formas de atrair atenção e sentirem-se aceitos.
Precisamos reaprender para então ensinar às crianças que a sensação de que nossos sonhos estão distantes da realidade aflige a todos, apesar de não ser divulgada nas redes. Que felicidade não é algo a ser perseguido a qualquer custo e que, principalmente, não será encontrada na fama.
Temos que ensiná-los que não há curtidas ou visualizações suficientes para superar o valor de uma grande amizade. Boas conversas, pessoas interessadas e inteiramente presentes são, possivelmente, a única forma de nos salvar das aflições que, assim como o FOMO, crescem até ganhar definição nos dicionários.
Mas construir relações significativas é um exercício trabalhoso, que exige uma série de capacidades encontradas nos raros bons ouvintes: generosidade, para oferecer tempo e presença; disposição, para ouvir com interesse sincero; vulnerabilidade, para mostrar-se desarmado e inteiro; e tolerância, para administrar frustrações e aceitar diferenças, sem julgar nem comparar.
Essas virtudes não se desenvolvem por meio de canais que trazem praticidade a interações sociais ao simplificarem conflitos e possibilitarem contatos múltiplos com economia de tempo. Afinal, não há nada de prático nas relações humanas: são tão complexas que se desenvolvem continuamente ao longo da vida e só são aprendidas na prática.
A tecnologia é algo que sempre se faz surpreendentemente imprescindível logo que surge com nova finalidade. Portanto, admitir a ação pouco eficaz das redes sociais na realização que buscamos nas relações não fará que sejam menos usadas. Mas pode ser o início de um movimento que nos alerta para a urgência e o valor da presença. Pode nos fazer reconhecer que os canais virtuais são inevitáveis e excelentes meios para complementar – e não sustentar – as interações, que necessitam, mais que nunca, de profundidade e atenção mútua.
Se o papel fundamental da amizade é termos testemunhas para nossa existência, como defende o filósofo David Whyte, as redes iludem oferecendo a ideia de que podemos ter todos os momentos da vida testemunhados, curtidos e comentados.
Mas não é à multidão de olhares distantes que ele se refere, e sim aos poucos e valiosos olhares atentos e ouvidos interessados que se dispõem a presenciar as nuances da nossa essência e dos sentimentos. E isto não conseguimos expor a uma plateia.
Não basta sermos observados, precisamos ser compreendidos e aceitos. Sem o medo de julgamento ou da exposição das inevitáveis fraquezas para nos livrarmos da solidão de uma existência superficialmente compartilhada.
Pois no fim do dia, os espectadores já terão esquecido as imagens e pensamentos que jogamos nas redes, mas nossos amigos de verdade terão o carinho de guardar memória o que nos faz únicos e temos de melhor. Isso só pode ser percebido na comunicação completa que só a presença permite.
Imagem de capa: Shutterstock/ImYanis
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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