Texto de Gabriel Salomão, do blog Lar Montessori.
Ninguém se acalma porque nós pedimos “calma!”. Não é assim que funciona. As pessoas ficam calmas quando suas necessidades são atendidas. Três das principais necessidades das crianças são comunicação, ordem e trabalho. Essas três necessidades foram chamadas, por Montessori, de Tendências Humanas.
Quando terminar este texto, você conseguirá ajudar seu filho a se acalmar, porque as necessidades dele estarão satisfeitas e ele se sentirá melhor. Considere este texto inclusive se você já enfrenta dificuldades. Observe seus filhos depois de ler, e você provavelmente verá o que dizemos aqui acontecendo na realidade.
Quando uma necessidade importante da vida da criança não pode ser satisfeita, ela não tem certeza de que está tudo bem. Ela coloca sua vida em dúvida. Quando os adultos não se comunicam, ela se sente insegura e sem vínculos. Quando falta ordem, não tem certeza de como as coisas serão amanhã, e isso traz medo e angústia. Quando não pode trabalhar, usar seu corpo com propósito e foco, falta sentido para sua vida e ela se sente perdida e sem valor. A criança expressa isso com ansiedade, raiva, gritos, movimentos desastrados, choro, dificuldade para dormir e de muitas outras formas.
Montessori insistia para que nós não tentássemos resolver cada comportamento difícil da criança como se ele fosse um problema separado. Temos que encontrar as causas por trás dos comportamentos. Se resolvermos as causas, os comportamentos se resolverão sozinhos. Muitas, muitas vezes as causas estão em tendências humanas desrespeitadas.
A primeira tendência humana que vamos analisar aqui é a da comunicação. A falta de comunicação pode levar pessoas ao completo desespero, e a boa comunicação pode ajudar a resolver quase qualquer situação e trazer paz para nossos corações.
Em minhas observações em escolas e lares, constatei que até 70-80% da comunicação entre adultos e crianças consiste em comandos e negações.
Isso é muito grave. Um comando é quando dizemos para a criança: “Faça isso, traga aquilo, vá até ali, fique aqui”. Uma negação é quando pedimos: “Pare de fazer isso, não toque aí, não suba lá, você não pode pegar isso”. Imagine que quase toda a sua comunicação do dia fosse assim. Com pessoas dizendo a você o que fazer e o que não fazer. Você se desesperaria. A vida da criança é quase completamente assim.
Para reverter isso, devemos nos comunicar com ela de verdade. Podemos perguntar o que está fazendo, e ouvir com interesse. Esses dias li um relato de uma garota que falava da adulta mais importante da vida dela, e ela dizia: “Quando a gente fala, ela nem mexe os dedos”. Ouvir com interesse. Além disso, falar coisas interessantes. Você pode, por exemplo:
Isso dará à criança sossego, paz mesmo, porque há quem converse com ela com dignidade, dê importância ao que ela diz, e conte a ela sobre o mundo de uma forma que é relevante. Ela se sente envolvida na comunidade da casa, e isso traz segurança. Há mais uma coisa que traz segurança para a criança…
A criança acabou de chegar ao mundo. Principalmente as mais novas, realmente não conhecem isso aqui. Não sabem como as coisas funcionam e não se sentem nem um pouco seguras. Especialmente se tudo muda o tempo todo.
Ter uma casa organizada e previsível, uma rotina com rituais que se repetem e adultos coerentes no seu comportamento ajuda a criança a sentir que existe um chão firme sob seus pés.
Para manter a ordem no ambiente físico tenha em mente dois parâmetros: é importante que a casa seja organizada e previsível. Organizada quer dizer que cada coisa tem seu lugar. Previsível, que esse lugar é sempre o mesmo. Tudo bem se a sua mesa de trabalho não for perfeitamente alinhada e sua pia não for brilhante. Mas é muito importante que o prato do almoço não esteja na mesa de centro e seu guarda-chuva em cima da mesa de jantar. Especialmente para a criança de 2 a 4 anos, a previsibilidade é fundamental. Ela precisa saber que vai encontrar o mundo sempre do mesmo jeito para ter coragem de se esforçar e se transformar. Se o mundo se transforma, ela se desespera.
Manter a ordem na rotina não quer dizer ter horários muito rígidos, mas sim fazer as coisas sempre na mesma sequência e do mesmo jeito. Isso ajuda a criança a prever o que virá depois, e dá a ela segurança para aproveitar o tempo da maneira que for melhor para o seu desenvolvimento. Viagens, mudanças na rotina e exceções devem ser comunicadas, se for possível, e especialmente as pontas do dia – ao acordar e antes de dormir – devem ser mantidas estruturadas sempre que você conseguir.
Manter a ordem no comportamento do adulto talvez seja o mais difícil. Nós criamos muitas regras e impomos nossas vontades. Para nos ajudar, Montessori sugeriu só três limites:
Mas à parte disso, a criança pode fazer tudo. E especialmente, não deve ser interrompida, o que nos leva à próxima Tendência Humana.
Nós chamamos de trabalho todo tipo de atividade que a criança faz com força de vontade, foco e propósito. Algumas coisas que em geral se chama de brincadeirapoderiam ser chamadas de trabalho, outras não. O trabalho é o que traz sentido para a vida da criança. E uma vida sem trabalho é uma vida sem sentido.
A criança precisa encontrar desafios, para seu corpo, suas mãos e seu pensamento. Podem ser coisas aparentemente muito simples, como subir um degrau, rasgar papel, ou usar uma espátula para cortar uma banana e servir. Ou pode ser algo bem mais complexo, como colocar a roupa para lavar, amarrar os próprios sapatos, dobrar panos de prato ou plantar e regar plantas.
Para descobrir qual o trabalho que nossos filhos pedem, podemos ficar atentos a:
Quando desconfiamos de que a criança está atrás de trabalho, devemos preparar o cenário para que ela encontre poucas dificuldades e só tenha de superar um desafio de cada vez, e aí nós demonstramos como se faz, bem devagar, b-e-m devagar, e oferecemos à criança para ela tentar.
Quando a criança já está tentando, nunca interrompa. Nunca interrompa uma criança em alguma coisa que ela acredita que consegua fazer sozinha. A frase é de Montessori, que também disse: Nunca interrompa uma criança que progride, não importa quão lentamente.
Se você leu esse texto pensando “É isso! Ah, se eu soubesse disso antes!” você não está sozinha(o). Eu já passei por inúmeras situações em que, ao lembrar das Tendências Humanas, descobri que havia uma solução possível. Aqui neste texto, só trabalhamos com três. Mais virão em breve. Mas você verá que essas já vão melhorar a vida de suas crianças, e a sua, muito rapidamente.
Lembre-se:
Se a criança puder se comunicar, puder viver uma vida previsível e puder ter propósito em suas ações, a tranquilidade é um resultado natural.
Conte como é na sua casa, eu quero saber, isso me ajuda a ajudar você e seus filhos.
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