Por David Whelan
“Acho pouco provável que eu volte a me sentir tão para baixo daquele jeito”, afirma Jaabir, sorrindo para mim do outro lado da mesa. “Fui roubado na semana passada, foi bem violento. Fui empurrado da bicicleta e caí numa vala. Levaram todas as minhas coisas. Acabei de me recuperar fisicamente, mas ainda estou com o psicológico abalado. Mas pelo fato de já ter lidado com as experiências mais dolorosas da minha vida, sinto que estou mais forte para aguentar qualquer outra coisa que aconteça.”
Em junho de 2014, Jaabir, 28 anos, viu-se à beira do penhasco de Beachy Head, prestes a pôr fim à própria vida. “Tinha chegado num ponto que era demais para mim”, afirma. Um membro da capelania o encontrou e, depois de passar 30 minutos conversando com ele, convenceu Jaabir a descer. Foi um momento crucial. “Se eu soubesse que havia gente com quem conversar, que queria me ajudar”, conta Jaabir, “com certeza eu não teria ido parar lá em cima”.
Jaabir e eu estamos no andar de baixo de uma cafeteria perto do trabalho dele, no centro de Londres. Passaram-se oito meses desde o dia em que ele quase acabou com a própria vida. Jaabir é engraçado, carismático e fala com eloquência sobre a experiência. Ele mostra grande entusiasmo em desconstruir o estigma e a vergonha associados aos transtornos psicológicos, através da poderosa ferramenta de cura que é a comunicação.
“Inicialmente, não fui aberto a respeito da minha doença, porque tinha medo”, conta. “Tendemos a não falar sobre as emoções neste país e isso está nos matando. No começo, eu sentia muita vergonha. Achava que isso me tornava menos homem. Só mais tarde percebi que tinha uma rede de apoio perto de mim.”
Se você tem a impressão que sua cabeça está sendo surrada por uma tempestade invisível, mas se sente forçado a se calar para não incomodar o delicado equilíbrio da sociedade, não faça isso, afirma Jaabir. A resposta das pessoas muitas vezes pode te surpreender. “A reação das pessoas é uma coisa que preocupa bastante quando você se abre. Dizer ‘quero me matar’ para a sua mãe ou melhor amigo não é fácil. Mas o primeiro passo da minha recuperação foi a sinceridade.”
O estigma que ainda paira sobre as doenças mentais no Reino Unido pode se atrelar aos pensamentos negativos como uma sanguessuga, formando uma relação simbiótica destrutiva. “Eu afastei todo mundo”, conta Jaabir. “Achava que ninguém ia entender, então fingia que estava tudo bem. Mas estar mal não é vergonha. Não é culpa sua. Deixe isso claro para as pessoas. Aceite-se na sua cabeça.”
O medo das pessoas não entenderem pode tornar mais difícil ainda superar o vazio e criar uma conexão com alguém. “O momento em que percebi que alguma coisa estava errada foi ficar destruído no caminho para o trabalho e para casa”, complementa Jaabir. “Eu chorava no metrô. Não conseguia controlar. Mas em vez de pedir ajuda, afastei todo mundo. Para todos os amigos que ficavam preocupados comigo eu dizia que estava bem.”
Quando finalmente começou a falar sobre suas dificuldades, Jaabir disse que “as pessoas reagiram de um jeito que me comoveu de verdade. Criar um vínculo com as pessoas externaliza coisas que antes eram muito internas. Isso me ajudou a desfrutar da vida e interromper o ciclo de pensamentos negativos. As pessoas têm muito mais empatia do que você pensa. Percebi que estava muito mais próximo dos amigos e da família do que antes. Desde então, as pessoas passaram a se abrir comigo e falar sobre seus próprios problemas emocionais, o que não teriam feito no passado.”
Problemas psicológicos não são uma epidemia, mas aumentaram; parte inerente de ser humano. São tão comuns quanto um hematoma. “Acho que precisamos entender que só porque uma coisa é invisível, não quer dizer que é menos real”, afirma Matt Haig, autor de vários livros, entre eles Reasons to Stay Alive (“Motivos Para Continuar Vivo”, em tradução livre), que conta em detalhes a batalha do próprio Haig contra uma doença psiquiátrica, que começou com um colapso aos 24 anos, quando ele estava em Ibiza com a namorada.
O estigma que ainda paira sobre as doenças mentais no Reino Unido pode se atrelar aos pensamentos negativos como uma sanguessuga, formando uma relação simbiótica destrutiva.
“Foi diferente de tudo que eu conhecia. Parece muito melodramático, mas eu achava que ninguém nunca tinha se sentido daquele jeito. Era um pânico intenso, combinado com um desespero opressivo e exaustivo 24 horas por dia. Eu não via saída. Seria o suicídio, mas eu sentia que era o único jeito de fugir – tipo pular de um prédio em chamas. Mas a única coisa maior que a depressão é o tempo”, conta. “A depressão me disse que eu não viveria até os 25 anos. Hoje tenho 39.”
Como já publicado pela VICE, 50% de todas as doenças registradas por pessoas com menos de 65 anos no Reino Unido estão ligadas à saúde mental, mas somente um quarto dos doentes recebeu algum tipo de ajuda. 90% das pessoas que tentam acabar com a própria vida sofrem com algum transtorno psiquiátrico, diagnosticado ou não.
Na Grã-Bretanha, há 4.400 mortes por suicídio todos os anos e um número dez vezes maior de casos de tentativa. Em média, significa que, no Reino Unido, aproximadamente a cada 12 minutos uma pessoa tenta pôr fim à própria vida. Mais gente com menos de 35 anos morre por suicídio no país do que, por exemplo, em acidentes de trânsito. Entre homens na faixa dos 20 a 34 anos, o suicídio representa quase um quarto de todas as mortes. Em 2012, 600 mil pessoas procuraram a instituição Samaritans manifestando sentimentos suicidas. Em 2014, dados do Office of National Statistics, o instituto nacional de estatísticas britânico, mostraram que 9% das pessoas que estão à procura de um emprego entre 16 e 25 anos concordaram com a afirmação “Não tenho nenhum motivo para viver”. 32% já haviam pensado em suicídio.
Apesar da alta incidência de pessoas que querem falar sobre doenças psiquiátricas, o medo ainda existe, como se, reconhecendo que todos temos um órgão psíquico flutuando em um fluido cerebrospinal dentro do nosso crânio, algum tipo de portal se abriria para o abismo e faria com que todos perdêssemos a cabeça. Isso é absurdo – um grande, colossal absurdo.
“O cérebro faz parte do corpo e devemos enxergá-lo dessa forma”, afirma Haig. “Depressão e ansiedade têm muitos sintomas abaixo do pescoço, assim como muitas doenças físicas provocam efeitos psicológicos. Precisamos falar sobre saúde mental exatamente da mesma forma que falamos sobre a saúde física. Ninguém é cem por cento saudável física e psicologicamente.”
Publicamente, a depressão e as doenças psiquiátricas são muitas vezes tratadas com a sensibilidade de uma marreta. Quando, por exemplo, Clarke Carlisle tentou suicídio em dezembro, teve gente que sequer conhecia o Carlisle que o chamou de egoísta. Mas a única coisa egoísta no suicídio são as pessoas que não estão envolvidas acusando de egoísmo. Isso só cria um círculo vicioso de culpabilização e contribui para a autodepreciação que algumas pessoas com transtornos psicológicos sentem. E pode reforçar o desejo delas se manterem em silêncio.
“Quem tem depressão não tem menos medo da morte do que as outras pessoas nem é mais egoísta, mas a dor que vive com ela é grande demais para suportar”, explica Haig. “Dito isso, é sempre possível evitar um suicídio com a ajuda certa.” Em fevereiro, Carlisle concedeu uma entrevista comovente e corajosa à Absolute Radio, onde descreve a “autodepreciação” e “ódio” que sentia de si mesmo, mas também fala sobre a “esperança” recém-descoberta durante a recuperação.
“Quando decidi acabar com a minha vida, eu quase nem sabia o que estava fazendo. Estava no piloto automático”, conta Jaabir sobre os dias anteriores à sua tentativa de pôr fim à própria vida. “Eu sentia como se fosse outra pessoa. Tipo, por mais que eu tentasse, não conseguia me encontrar. Tinha várias ideias e pensamentos negativos passando pela minha cabeça o tempo todo: que eu era inútil no trabalho, que ia ficar sozinho para sempre. Tudo isso foi se juntando.
“Na minha cabeça, eu queria que a minha dor acabasse e não queria que me impedissem. Achei que estava fazendo a coisa certa. Planejei e fui para um lugar distante, mas era quase como se eu não tivesse consciência do que estava fazendo. Foi só quando a Equipe da Capelania conversou comigo que saí do transe. Só ali pensei: ‘O que é que estou fazendo aqui?'”
Depressão e ansiedade têm muitos sintomas abaixo do pescoço, assim como muitas doenças físicas provocam efeitos psicológicos. Precisamos falar sobre saúde mental exatamente da mesma forma que falamos sobre a saúde física. Ninguém é cem por cento saudável física e psicologicamente. – Matt Haig
Problemas psicológicos podem começar a qualquer momento e só se manifestar totalmente depois de muitos anos. “Quando eu tinha 12 anos, meu pai faleceu e sofri muita intimidação”, conta Jaabir. “Eu me sentia extremamente isolado. Fui muito cruel comigo mesmo, sentia que tinha alguma coisa de errado comigo. Eu me culpava pela intimidação que sofria e levei essa autodepreciação para a vida toda. Eu achava que era normal, que todo mundo se sentia assim. Todo mundo se odeia, né?”
Mas a depressão não precisa ter um “motivo”, “assim como o câncer não precisa”, explica Haig. Há uma série de razões, variadas, específicas, estruturadas, dispersas, alinhadas, históricas, reativas, opacas, oblíquas, únicas, isoladas e, acima de tudo, individuais.
A Pesquisa Nacional Confidencial sobre Suicídio e Homicídio por Pessoas com Transtornos Psiquiátricos conduzida no Reino Unido revelou, em 2014, que 18% de todos os suicídios registrados no país entre 2010 e 2012 foram cometidos por pacientes ambulatoriais até duas semanas depois de receberem alta do hospital. Diagnóstico e tratamento só funcionam até certo ponto – principalmente em meio a uma crise assustadora que se alastra pelo país, como a que está acontecendo na Grã-Bretanha. Mas é imperativo oferecer tratamento adequado e comprometido e apoio na recuperação.
Depois de sair de Beachy Head e voltar para casa, Jaabir recebeu uma variedade de tratamentos, tanto pelo NHS quanto na saúde privada. Dois meses depois, voltou a trabalhar. “Os primeiros dois meses foram especialmente difíceis”, afirma. “Era difícil encontrar prazer em alguma coisa que antes eu gostava. Tênis não me interessava mais. Programas de TV que eu gostava me deixavam entediado. Eu estava muito letárgico e ansioso. Tinha uns surtos de raiva e descontava bastante nos amigos e na família. Mas eles ficaram do meu lado e eu, do lado deles, e as coisas foram aos poucos melhorando.”
Jaabir começou a fazer terapia na Mind, o que permitiu “tirar o fardo” dos “pensamentos negativos” e “identificar padrões que levavam a sentimentos ruins”. “O tratamento foi uma mistura de terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia e terapia”, explica. “Foi muito eficiente. Tinha várias técnicas de visualização: eu fazia desenhos das experiências de vida que achava dolorosas. Abriu meus olhos.”
No fim da nossa conversa, Jaabir parou um pouco para refletir. É um momento interessante, nós dois sentados em silêncio, contemplando nossa própria relação pessoal com nossa saúde mental. “Quando olho para a minha vida”, enfim ele diz, “penso em como eu poderia ter entendido isso muito mais cedo. Penso: foca nos fatos. Você não é inútil. Não tem nenhum indício disso. Em 99,9% do tempo, esses pensamentos não se justificam. Teria sido bom perceber antes que existem pessoas como eu e que poderiam me ajudar.”
“Acho que o importante é reconhecer que os pensamentos negativos que você tem – por mais fortes e reais que pareçam ser – não são você de verdade”, Haig me disse em outro momento. “A depressão é a nuvem que bloqueia o sol por um tempo, mas você é o céu. Você pode andar na chuva, mas não ser a chuva, e o clima da mente vai mudar. Você não vai ficar parado nesse ponto. O furacão vai se transformar em brisa. Aguente firme. É um dever que você tem com todas as versões futuras de si.”
Se você tem algum familiar ou passa por uma situação delicada não fique em silêncio. Peça ajuda, fale com alguém, procure um profissional. Aqui temos algumas possibilidades:
Centro de Valorização da Vida (CVV)
A instituição é uma das mais sérias do país. Começou em 1962 na cidade de São Paulo e hoje tem 70 postos de atendimento em todo país. Os voluntários se colocam à disposição para ouvir sem julgar ou dar sermão.
Acesse o site: cvv.org.br ou disque 141.
Algumas universidades mantém institutos de pesquisa sobre o tema:
Laboratório de Estudos Sobre a Morte (LEM)
O grupo de pesquisa é relacionado ao Instituto de Psicologia da USP e, além de estudos sobre o tema, presta assistência à comunidade.
Acesse o site: www.ip.usp.br/laboratorios/lem/lem.htm ou ligue (11) 3818-4185, ramais 31 e 33.
Instituto Sedes Sapientiae
Criado em 1978, a entidade tem um trabalho sério de formação de profissionais ligados à saúde mental. Entre os cursos e palestras há também atendimento à pacientes.
Acesse o site:sedes.org.br ou ligue para (11) 3866-2730.
Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic
O instituto ligado a PUC de Sâo Paulo faz atendimentos, avaliações e orientações.
Acesso o site:pucsp.br/clinica ou ligue (11) 3862-6070.
Tradução: Aline Scátola
TEXTO ORIGINAL DE VICE
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