Por Natália Martín Cantero
Conta Cícero em sua obra dedicada à oratória que o precursor da mnemotécnica, Simônides de Ceos, sobreviveu ao desabamento de uma casa onde participava de um banquete porque havia se ausentado brevemente. Simônides foi o único capaz de identificar os corpos dos comensais, porque se recordava do lugar que cada um ocupava durante a festa. Percebeu que, associando cada pessoa a um espaço concreto, poderia se lembrar dos seus nomes, criando o método chamado loci (lugares, em latim), sobre o qual falaremos mais adiante.
Naquela época (em torno do ano 500 a.C.) não só não havia celulares nem computadores como também eram pouquíssimos os que sabiam escrever, razão pela qual a memória era um aliado muito valioso. Hoje, entretanto, é provável que muitos não déssemos uma dentro diante de uma tragédia como a que Simônides presenciou.
Fazemos mal em descuidar da nossa memória e confiar totalmente no Google e nos computadores? Uma das pernas sobre as quais se assenta a inteligência é a memória, afirmam Miguel Ángel Vergara e José María Bea, ases da memorização. Vergara é campeão mundial de memória rápida (as provas consistem em memorizar rapidamente decimais ou figuras coloridas que se sucedem a grande velocidade), enquanto Bea é vice-campeão espanhol de memória de fundo (nesta competição há diferentes provas, nas quais os participantes precisam memorizar números, rostos, nomes, cartas etc.).
Os dois são autores de um livro recém-lançado sobre o tema, Consigue una Memoria de Elefante (inédito no Brasil). “Ninguém admite ter pouca inteligência, mas sim pouca memória”, diz Bea, para quem desenvolver boas capacidades de memorização é algo totalmente compatível com o raciocínio. “Na verdade, as duas coisas mantêm uma relação feliz e se complementam à perfeição.”
Bea conta que seu primeiro contato com a mnemotécnica foi resultado de um fascículo de magia (“não era um truque, era uma técnica”, observa). O que o levou a se aprofundar nisso foram as notas ruins que tirou no primeiro ano de faculdade. “Foi de grande utilidade, mesmo sendo um curso de exatas [ele estudou engenharia informática]. Em qualquer currículo há informação a memorizar e posteriormente aprender”, diz.
Estamos, portanto, desperdiçando as capacidades do nosso cérebro? “Se você passar o dia todo no sofá, o corpo se acostuma. O mesmo ocorre com a mente: aparece o óxido mental.” Bea acredita que realmente é possível melhorar bastante. “Muitas vezes se compara com a memória dos computadores, e isso é complicado, pela forma como memorizamos e recordamos. Não sabemos até que ponto nem como compará-la a uma máquina. O que está claro é que, com treino, até mesmo pessoas de idade avançada melhoram”, aponta.
Os dois atletas da memória equiparam o treinamento mnemotécnico com a academia. “Qualquer um pode desenvolver uma memória de elefante. Para mim exigiu muito esforço. Foi através do treino”, diz Vergara, um policial que ultimamente dedica uma hora diária a aprender Dom Quixote em castelhano antigo, palavra por palavra. E a utilidade disso no seu cotidiano? Vergara usa esse dom em momentos pontuais, mas não imaginemos um detetive resolvendo todos os casos a partir de detalhes aparentemente insignificantes, memorizando-os de forma constante. “Seria como se [o velocista Usain] Bolt fosse correndo comprar pão”, compara.
Para a maioria de nós, a repetição a seco é tão árida quanto engolir um saco de areia. Por isso compartilhamos abaixo alguns truques extraídos do livro de Vergara e Bea.
Os “quatro mandamentos” fazem referência aos quatro pilares básicos sobre os quais as técnicas de memorização se assentam. Devem estar presentes na seguinte ordem para que a memorização seja efetiva:
1.Absurdo. O que é chato e monótono tem poucas chances de chamar a atenção, e é fácil de esquecer. Para favorecer o armazenamento eficaz do que se visualiza, o que melhor funciona é contextualizar os elementos em cenas absurdas, extravagantes, ilógicas.
2.Sustituir. É importante substituir tudo o que for difícil de visualizar. Por exemplo, se não for possível visualizar a palavra felicidade, você pode substituí-la por um confete gigantesco.
3. Movimento. Dar movimento às cenas para conseguir imagens mais vivas e fortes fortalece a lembrança.
4. Exagerar. Convém exagerar ao máximo a imagem a guardar, porque isso terá um maior impacto na sua lembrança.
Bea, professor numa escola profissionalizante, conta que já no primeiro dia de aula memoriza o nome de todos os seus alunos. Essa proeza, segundo ele, está ao nosso alcance, bastando seguir algumas orientações bastante simples. Em primeiro lugar, é imprescindível entender bem o nome e repeti-lo interiormente. Quando a conversa terminar, criaremos imagens mentais vívidas e tentaremos associar o rosto da pessoa ao seu nome. Se não houver nenhuma associação evidente, cabe a nós criá-la. Quanto mais absurda for, melhor. Alguns truques:
-Exagerar os traços faciais da pessoa, como se fosse uma caricatura.
-Com nomes que não sejam visualizáveis, pensar em xarás, ou transformar o nome. Um Rafa, por exemplo, vira garrafa.
-Se a pessoa nos recorda algum famoso ou conhecido, isso será de grande ajuda. Igualmente útil é fixar algum objeto ou assessório, preferivelmente algo que essa pessoa costuma usar sempre, como os óculos ou um brinco.
Os romanos usavam essa técnica que mencionamos no começo da reportagem. Consiste em criar um itinerário de lugares ou cômodos familiares, aos quais serão associados diversos elementos do discurso, a fim de favorecer sua memorização. O percurso que os oradores costumavam usar era a sua própria residência. O motivo é que os elementos que queremos memorizar são mais facilmente recordados se estiverem visualmente integrados de forma sólida com os lugares aos quais os associamos.
O primeiro passo é pensar num lugar que nos seja familiar, como a nossa casa. Vamos percorrendo-a mentalmente para selecionar os lugares onde serão colocados os objetos associados. É importante poder visualizá-los claramente e percorrê-los sempre na mesma ordem.
Imaginemos que precisamos memorizar a seguinte lista de tarefas: mandar um email a Maria. Comprar meias três-quartos. Ir à peixaria comprar salmão. Ir à aula de spinning. Devolver o livro do Harry Potter na biblioteca.
É provável que, se não usarmos nenhuma técnica, nos esqueceremos de algum detalhe. A aplicação da técnica do palácio da memória funcionaria assim:
-Escrever para Maria: Entro na minha casa e, na porta, visualizo um computador com uma tela grande em formato de envelope (email) e algumas bolachas Maria.
-Comprar meias três-quartos: Entro no quarto da minha irmã. Sobre a cama há uma meia três-quartos gigante.
-Comprar salmão: Entro na cozinha e encontro uma peixaria onde um padre faz um sermão (substitui salmão).
-Ir à aula de spinning. Entramos no banheiro e há uma bicicleta dentro do box.
-Devolver o livro na biblioteca. Entro na sala de estar, que se transforma numa grande biblioteca, com paredes que se deslocam e quadros que se movem, como nos filmes de Harry Potter.
Imagem de capa: Shutterstock/Lightspring
TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS
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