Dá pra consertar uma pessoa ? Quantas vezes você já ouviu ou já pronunciou essa sentença: “Ele, ou ela, não tem conserto…” Quando, no inverno intenso, você tira a roupa e ao ligar o chuveiro, de repente, vem aquele desapontamento: A resistência se queima, a água quente já não mais existe, e o inverno rigoroso incapacita o acontecimento de um banho frio. O que nos resta? Claro! Consertar o chuveiro…
O ser humano também possuí uma ‘resistência’. E quando ela deixa de funcionar? Existe uma manutenção eficaz? Pode parecer superficial e tosca a comparação de um chuveiro com uma pessoa, ser humano pleno, dotado da capacidade de escolher, pensar e sentir, mas assim como o chuveiro, temos uma ‘resistência’ que também possuí uma regularidade de funcionamento, que também pode se quebrar, e que por consequência, seu mal funcionamento implica em incapacitações.
Quando a “resistência” do ser humano está em pleno funcionamento ele, igualmente o chuveiro elétrico, emana calor, aconchego e bem estar. A pessoa com esse funcionamento é atrativa e tendencia fazer com que as demais se aproximem, indivíduos que buscam no inverno contemporâneo das relações humanas a temperatura favorável para se agarrar, acalentar e afastar o frio das angústias causadas pelo peso do mundo.
Neste pensamento, a palavra ‘resistência’ possuí o significado de resistir ao clima frio; da resistência à pressão, à opressão, às adversidades; resistir à onda de desesperança e desamor; ter força para carregar, suportar, abrigar e prover o outro. Resistência ao que machuca, resistência contra quem condena àqueles que acalentam o outro; resistência às frias mazelas do cotidiano…
É fácil amar alguém com a ‘resistência’ em dia não é? Para quem só sabe sentir frio, toda solução necessita ser calorosa. Nada precisa mudar quando está nos satisfazendo, satisfazendo os anseios do nosso organismo, do nosso afeto. Mas lembre-se: Tudo que é exposto a uma força contrária é submetido ao atrito, ao desgaste, à avaria causada pelo tempo e pelo uso. A ‘resistência’ que sempre resistiu pode, por vezes, enfraquecer e deixar de resistir. Pode quebrar e não mais acalorar o frio da alma alheia.
Neste momento, a resistência inoperante ocasiona a água fria, o desconforto, a insegurança do frio e à dúvida em relação àquilo ou a quem sempre foi escudo contra o que agride. Se era fácil amar alguém com a ‘resistência’ em pleno funcionamento, agora sua inoperância desperta a dúvida, o descontentamento e o ânimo em consertar aquilo que sempre correspondeu nossas expectativas, e agora não mais o faz.
Retorno à pergunta inicial: Dá para consertar uma pessoa? Agora nos deparamos com o dilema experiencial que nos faz únicos, indivisíveis e diferentes de qualquer outro animal ou objeto do Planeta. Na troca da resistência do chuveiro não há dificuldade quanto sua reposição e consequente restabelecimento do aconchego do banho quente. E a ‘resistência’ do ser humano quando se quebra e deixa de nos oferecer o abraço quente que outrora nos protegia? Dá para consertar isso?
Ainda ontem fui submetido a uma entrevista. O intuito era investigar sobre minha capacitação para integrar um Sistema que cuida da saúde mental de uma Instituição mais que centenária. Dentre as perguntas, depois de me questionar sobre meus “pontos fortes”, o psicólogo que aplicou a entrevista me perguntou, “quais eram os pontos que eu poderia melhorar, enquanto profissional e pessoa?”
Nesse momento, surpreendentemente me vi diante de uma questão que pouco assola a maioria das pessoas: A autoanálise, a autocrítica. Como é difícil falar sobre nossos pecados, reconhecer nossas inadequações, não é? Ninguém conhece nós mais do que nós mesmos, porém, quando nos questionam o que é mais inoperante em nós, tendenciamos a travar, ficar sem uma resposta, ocultar.
Tudo isso por mera vergonha ou pelo fato de não nos conhecermos suficientemente para identificar qual postura ou comportamento nosso inferniza o relacionamento com o mundo. Em muitas vezes, nossa “resistência” está queimada há muito e muito tempo e não nos damos conta. Há muito estamos oferecendo só banho frio à quem nos circunda, e não temos nem consciência disso, e apesar de não identificarmos em nós essa inoperância, sempre é muito fácil notá-la no comportamento alheio.
E o que queima nossa “resistência”? A mesma causa que queima a de um chuveiro: O desgaste de uso proporcionado pelo frio. No caso do chuveiro, o frio é meramente climático, no nosso caso o frio é multifatorial. Frio das relações humanas, em todas suas instâncias.
Antes de pensarmos em “trocar” a “resistência” alheia, devemos nos questionar: “Quero só suprir a minha necessidade de calor ou realmente quero proporcionar um melhor funcionamento ao Outro?”. A ‘resistência’ inoperante sugere cuidados. No chuveiro ela sempre estará quebrada, mas no ser humano, por vezes, ela é apenas desligada para evitar um colapso. Considerando a complexidade que leva ao do mal funcionamento, nem sempre quem deixa de emitir calor e aconchego necessita de reparos e substituições, mas talvez anseia por compreensão e paciência, pois nesse contexto, a ‘resistência’ se encontra frágil e capacitada a gerar calor apenas para a própria preservação.
Cada um que dê conta do próprio frio! Um chuveiro dá pra consertar, um ser humano jamais! Ele reúne em si o entendimento suficiente para gerar calor a si próprio ou aos demais; funcionar e parar quando quiser, ser frio, quente ou morno, independente da estação climática, independende do frio alheio ou da expectativa do outro!
Lembremo-nos: Quando buscamos consertar um objeto, estamos colocando na ação um desejo pessoal e idealizando um funcionamento que corresponde uma necessidade nossa. Quando buscamos “consertar” um comportamento alheio estamos fazendo a mesma coisa, mas esquecendo que o Outro não é um objeto, pois sente, sofre, ama, tem medos, desejos e um funcionamento próprio.
Seu inverno pode não ser o inverno do Outro. A “resistência” do Outro pode estar no modo ‘verão’ diante do frio que sua alma sente!
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