SAÚDE MENTAL

Consumo excessivo de alimentos ultraprocessados aumenta o risco de declínio cognitivo

Texto: Ivanir Ferreira

Arte: Adrielly Kilryann

Pessoas que consomem diariamente mais de 20% de alimentos ultraprocessados correm o risco de sofrer declínio cognitivo acentuado, condição do cérebro que leva à perda da capacidade de realizar atividades que estão diretamente relacionadas ao dia a dia. Foi o que constatou uma pesquisa realizada com cerca de 11 mil pessoas, recrutadas em seis cidades brasileiras (Belo Horizonte/MG, Porto Alegre/RS, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/Bahia, São Paulo/SP e Vitória/ES) e acompanhadas por um período médio de oito anos.

Ultraprocessados são aqueles alimentos industrializados, carregados de açúcares, gorduras, sal e substâncias sintetizantes (emulsificantes, conservantes) que, embora tenham alto teor calórico, possuem pouca composição nutricional.

A quantidade relatada na pesquisa seria o equivalente a consumir diariamente mais de 400 calorias em alimentos industrializados (pão de forma, hambúrgueres de redes de fast-food, refrigerantes e bolachas recheadas, dentre outros), em uma dieta de 2.000 calorias/dia.

Os resultados estão no artigo Association Between Consumption of Ultraprocessed Foods, Cognitive Decline publicado no períodico JAMA Neurology no dia 5 de dezembro, tendo como primeira autora a pesquisadora Natália Gomes Gonçalves, do Laboratório de Patologia Cardiovascular do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e fazem parte de uma ampla pesquisa chamada Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), que gera conhecimentos científicos sobre doenças crônicas no País. A coleta de dados ocorreu entre os anos de 2008 e 2017 e analisados entre dezembro de 2021 e maio de 2022. Os participantes são servidores públicos, homens e mulheres com idade entre 35 e 74 anos. O grupo era composto em sua maioria de mulheres (54,6%), brancos (53,1%) e com no mínimo um diploma universitário (56,6%). O Índice de Massa Corporal (IMC) médio dos voluntários era de 26,9 e ingestão calórica de 2.856 calorias/dia. O IMC é calculado dividindo o peso (em quilos) da pessoa pela altura (em metros) ao quadrado.

Natália explica ao Jornal da USP que o declínio cognitivo acontece naturalmente ao longo de todo o processo de envelhecimento. Porém, o que se constatou no estudo foi que houve perda acelerada de cognição entre todos os participantes da pesquisa, mesmo entre os mais jovens, por volta dos 35 anos. Segundo a pesquisadora, esse achado foi muito importante porque essa faixa etária é justamente a idade da janela mais importante para prevenção de doenças neurodegenerativas, que têm início bem antes da apresentação dos sintomas na velhice. “Nessa idade, as pessoas precisariam se preocupar em ter uma alimentação mais saudável para assegurar melhor saúde cerebral ao envelhecer”, diz.

O estudo também mostrou que a alta ingestão dos ultraprocessados (superior a 20%) resultou em um declínio 28% mais rápido na função cognitiva global (a função cerebral que reúne todas as habilidades cognitivas, a de memória, a de fluência verbal e a função executiva) e 25% na cognição executiva (função do cérebro ligada às habilidades de planejamento, execução de tarefas e resolução de problemas). A comparação foi feita com pessoas que ingeriam menos de 20% de alimentos desse grupo.

Segundo a pesquisadora, a idade influenciou na associação da porcentagem entre energia diária fornecida pelos ultraprocessados e função cognitiva. Participantes com menos de 60 anos com consumo de ultraprocessados superior a 20% apresentaram um declínio global mais rápido da cognição em comparação àqueles com consumo inferior a 20%. A associação do consumo desses produtos e a piora da cognição foi mais forte em pessoas de 35 a 59 anos, comparado com os participantes mais velhos.

Análises

A avaliação da dieta dos participantes foi feita por meio de Questionários de Frequência Alimentar (QFA), que utiliza uma lista de alimentos classificados de acordo com a extensão do processamento industrial e a frequência em que eram consumidos.

No grupo 1 estão alimentos não processados ou minimamente processados, como frutas, vegetais frescos, secos ou congelados, grãos, legumes, carne, peixe e leite, que passaram por processamento mínimo como moagem, torrefação, pasteurização ou congelamento.

No grupo 2 estão ingredientes culinários processados, como açúcar de mesa, óleos, sal e outras substâncias extraídas, prensadas ou centrifugadas de alimentos do grupo 1 ou da natureza, e que foram usados para fazer preparações culinárias.

No grupo 3 estão alimentos processados, ou seja, fabricados com alimentos in natura ou minimamente processados, e que usam ingredientes do grupo 2 para prolongar a durabilidade e modificar sua palatabilidade, tais como frutas enlatadas, pão e queijo artesanais e carne ou peixe salgado, defumado ou curado.

No grupo 4 estão os alimentos ultraprocessados: pão de forma, bolachas recheadas, sorvetes, refrigerantes, balas, doces, cereais matinais, carnes processadas (presunto, mortadela, salame), refeições congeladas de pronto consumo, etc.

Quadro de ultraprocessados – Foto: NEPA/Unicamp

Função cognitiva

Para avaliar as funções cognitivas, os voluntários realizaram testes de domínio de memória, de recordação imediata, recordação tardia e lista de palavras de reconhecimento para diagnóstico da doença de Alzheimer, além de exames de fluência verbal, semântica e fonêmica.

Recomendações

Estudos anteriores desenvolvidos pela USP mostraram que 58% das calorias consumidas por americanos, 57% das consumidas por britânicos e 48% das ingeridas por canadenses vêm de ultraprocessados. No Brasil, esse grupo de alimentos contribui com 30% da ingestão total de calorias.

O consumo de ultraprocessados foi associado a um risco aumentado de doença cardiovascular, síndrome metabólica e obesidade. No entanto, poucos estudos já investigaram a associação entre ultraprocessados e declínio cognitivo em amostras de países de alta renda.

Para fugir dos alimentos ultraprocessados, Natália recomenda cozinhar mais em casa e dispensar mais tempo para o preparo dos alimentos. “Um hambúrguer produzido com carne moída comprada em um açougue é diferente de um hambúrguer vendido em redes de fast-food, que tem na sua composição condimentos, emulsificantes, conservantes, excesso de sal e gordura saturada”, diz. Natália sugere a consulta do Guia Alimentar para a População Brasileira produzido pela equipe do professor Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, para obter dicas, se reeducar em relação a hábitos saudáveis e ter autonomia nas escolhas dos alimentos.

Foto: Reprodução/Guia Alimentar da População Brasileira

***

Mais informações:

e-mail natalia.g@fm.usp.br com Natália Gomes Conçalves

cksuemoto@usp.br com a professora Claudia Suemoto

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