Por Nazaré Jacobucci

“A morte não vem de fora, mas se processa dentro da vida com a perda progressiva da força vital. Morremos um pouco a cada minuto e um dia este processo chegará ao fim”. (L. Boff)

A sociedade moderna possui novos tabus e dentre eles está a morte. Hoje os pais conversam com seus filhos sobre drogas e métodos contraceptivos, porém na minha prática clínica/hospitalar tenho observado que pais e filhos não conversam sobre a morte. A família muitas vezes desconhece como aquele ente querido gostaria de morrer, o que ele gostaria de fazer em caso de uma doença crônica sem possibilidade de cura ou uma morte súbita. Quando algum membro da família começa a falar sobre este tema alguém automaticamente diz – para com isso, que assunto mais chato, tanta coisa boa para conversar e você quer falar de morte, que bobagem –. Infelizmente, o tema da morte se tornou interdito no século XX, sendo banido da comunicação entre as pessoas. (Ariés, 1977).

A morte praticamente tornou-se uma inimiga que precisa ser combatida e silenciada a qualquer custo.O aumento da expectativa de vida e os avanços na medicina nos fazem crer que sempre teremos recursos para postergar a morte. Parece que existe uma convenção social que nos impede de falar sobre o tema, por isso as pessoas não estão preparadas para enfrentar a finitude dos entes queridos e tampouco a sua própria finitude. Vivemos ignorando a existência da morte e agimos como se ela fosse algo improvável. Negar a morte é não querer entrar em contato com as experiências que nos causam sofrimento, permitindo, assim, segundo Kovács (2002), fantasiar a ilusão da imortalidade, dando a ideia de força e de controle sobre o medo da morte.

No entanto, a morte faz parte do desenvolvimento humano. Em algum momento de nossa existência iremos partir em definitivo. Então, precisamos contar para as pessoas como queremos vivenciar este dia único. Dialogar sobre a morte é importante porque este tema possui uma magnitude de significados que, ao se revelar, pode tornar sua aceitação mais fácil. Eu penso que deveríamos ter uma outra cultura sobre a morte. Uma cultura de diálogo nos permitiria ter menos raiva diante desse processo, seja nosso ou do outro. Dizer para os familiares o que gostaríamos que fosse feito na hora da nossa morte e falar do que acreditamos que vai acontecer conosco depois da partida pode nos auxiliar a desmistificar o “fantasma” chamado morte.

 

Observo que é na hora da morte que as pessoas tomam consciência das coisas que ficaram inacabadas ou malfeitas, que precisamos dar um fechamento a algumas situações e/ou assuntos e que, muitas vezes, precisamos perdoar alguém ou perdoar a si mesmo. Quando acompanhamos alguém em processo de morte é importante que esta pessoa possa falar e trazer à tona tudo que está pela metade, tudo que a está angustiando, as incertezas, os medos e, claro, as boas lembranças. Contudo, isto só poderá ocorrer quando a família começar a falar sem reservas sobre a morte.

 

Penso que seria interessante se pudéssemos conversar com nossos familiares e explicar a eles como queremos morrer, o que queremos neste dia único e sublime, para quem queremos deixar nossos pertences mais íntimos e nossa herança, se queremos ser enterrados ou cremados, se cremados, onde gostaríamos que jogassem nossas cinzas, se queremos que nossos órgãos sejam doados ou não, quais pessoas queremos nos nossos rituais fúnebres. Como pudemos observar, são muitas as questões a serem pensadas e faladas. Então, não deixe tudo literalmente para o último minuto, pois pode não dar tempo.

A morte é um tema que nos convida à reflexão sobre a vida e sobre o que temos feito com ela. É importante dialogar e refletir sobre a morte e o morrer pois por sermos seres mortais é que podemos compreender o verdadeiro significado da vida.

 

Nazaré Jacobucci

Psicóloga Clínica Especialista em Luto e Psicologia Hospitalar. Professora e Blogueira. Member of British Psychological Society.

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