Texto de Gabriel Salomão, do blog Lar Montessori.
A criança tem uma relação com seu ambiente que é diferente da nossa… a criança o absorve. As coisas que ela vê não são só lembradas, elas formam parte de sua alma. Ela encarna, em si, tudo aquilo que seus olhos vêem e seus ouvidos escutam no ambiente. (Maria Montessori, Mente Absorvente)
Observo crianças e adultos há anos. Quase toda a comunicação entre adultos e crianças é baseada em ordens e negações. Falamos com as crianças mandando ou impedindo que façam alguma coisa. Montessori mostrou que existe uma forma de corrigir situações complicadas sem corrigir a criança, e de mudar comportamentos sem diminuir nossa comunicação inteira a uma constante tirania.
A criança se constrói a partir dos elementos disponíveis no seu ambiente. Por isso, modificando o ambiente, ajudamos a criança a se construir diferente e agir melhor.
O que significa, exatamente, modificar o ambiente? Quer dizer que observando a interação de nossos filhos com o ambiente, não corrigimos nossos filhos, mas o espaço onde eles estão, e a transformação ocorre por isso.
Pense, por exemplo, em uma criança que quebra copos de vidro o tempo todo. Você sabe que em Montessori sugerimos o uso do vidro com as crianças, e por isso não quer passar a usar plástico. Mas também não quer todos os seus copos quebrados. Observando o ambiente, percebe que os copos ficam numa prateleira um pouco baixa demais, e que por isso seu filho pega os copos por cima, e não pela lateral, como deveria. Então, segura os copos de forma frágil e por isso os quebra com frequência. Mudando a altura da prateleira, sem dizer nada à criança, você resolve o problema. Corrigiu o ambiente, não corrigiu a criança, e modificou a situação complicada.
Isso parece fácil, porque achamos que temos muitos problemas. Mas nem sempre enxergamos os problemas com clareza, e isso nos impede de resolver. Se, em vez de pensar que seu filho quebra muitos copos, pensar que ele é desastrado, estará olhando para o problema errado, e aí é difícil resolver. Ele quebra copos. Isso pode ser resolvido. Encontre um problema que possa ser definido com clareza.
É frequente que crianças mais velhas, de cinco ou seis anos, sigam menos rotinas rígidas – coisa que as de dois anos adoram – e prefiram criar novidades com frequência. Porque elas argumentam muito bem, é às vezes difícil direcioná-las para a rotina necessária. E é bem fácil perder a calma, e corrigir a criança. Em vez disso, nós podemos seguir um dos princípios de Montessori para o adulto, que diz:
Concentre-se em fortalecer e ajudar o desenvolvimento daquilo que é bom na criança, para que sua presença deixe cada vez menos espaço para o que é ruim.
Uma criança de cinco ou seis anos tem uma capacidade intelectual invejável. Elas gostam de pensar. Se puderem pensar e organizar seus pensamentos, tudo em sua vida fica mais fácil. Sabendo disso, você pode fazer uma tabela para a rotina do seu filho. Se ele puder participar dessa confecção, e a tabela ficar presa à parede em uma altura que ele possa enxergar, você não precisará disputar com argumentos a obediência à rotina. Bastará se referir à tabela e pedir que a criança mesma encontre o próximo passo do dia. Se nós soubermos em que a criança é boa fica muito mais fácil achar soluções sem correção.
O ambiente montessorianos nunca fica pronto. Montessori nos dizia para tomar cuidado constante e ser meticulosos com ele. O ambiente, como o adulto, segue a criança. Porque a criança é viva, e está em constante transformação, o ambiente é vivo e se transforma também. Para manter o ambiente adequado à criança, e para conseguir que, através do ambiente, os erros da criança se corrijam sozinhos, é indispensável observar a criança continuamente.
Observar a criança significa parar e olhar profundamente. Para isso, é necessário tirar um tempo exclusivo para a observação. Respirar duas, três vezes, ter um bloquinho e uma caneta, anotar o que parecer interessante. Perceber o que está dando certo e o que não parece bem. Enxergar em que nossas crianças têm sucesso e quais desafios ainda é necessário superar. A partir da observação, que deve acontecer com a maior frequência possível, é possível entender a criança, e da compreensão vem a transformação.
Nós partimos sempre do princípio de que o erro é ruim, e porque é ruim deve ser eliminado. Não é verdade. O erro é um companheiro de jornada, e deve ser superado porque nos tornamos mais perfeitos. Não é um inimigo, mas um inseparável colega daquele que busca melhorar a cada dia. A correção da criança transforma o erro em uma ameaça e uma humilhação. A correção do ambiente transforma o erro em uma etapa do aprendizado e do desenvolvimento. Sem o medo do erro, o aprendizado fica muito mais próximo, e pelo reconhecimento do erro como companheiro de jornada, caminhamos em paz.
Foto de Alexander Dummer em Unsplash
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