Cuidar de crianças não torna você mãe. Só mãe é mãe.

Cuidar de crianças não torna você mãe. Só mãe é mãe.

Esse é um texto sobre sutilezas e detalhes. Coisas pequenas que tornam totalmente diferente o que está sendo visto. É sobre amor e cuidado, mas também é sobre lugar de fala e papel social. E tudo isso dentro de apenas uma palavra: mãe.

Antes de tudo é importante dizer que apenas mãe é mãe não porque essa é uma função sagrada, mais importante do que outras ou que carrega qualquer ideal romântico da maternidade. Apenas mães são mães porque existem regras sociais e cobranças que não recaem em mais ninguém, independente do cuidado e amor por uma criança.

Você precisa ter filho. Você precisa ter mais tempo com seu filho. Você precisa trabalhar para dar o melhor para seu filho. Esse não é o melhor para o seu filho. Você não pode mimar tanto. Você precisa dar mais carinho. Você precisa de um pai pra essa criança. Você deveria ter escolhido melhor com quem teria um filho. Você tem que se livrar desse homem. Você precisa. Você deve. Você tem.

Só mulheres passam por essas cobranças. E ainda têm as cobranças das outras mães. As competições. Mulheres são ensinadas a competir. Não precisa ser assim, mas é assim que somos criadas. E quando o assunto é maternidade a sororidade corre para longe. Meu filho é melhor. Mais bonito. Mais inteligente. Lê sozinho desde os três meses de idade. Nasceu e andou. De bicicleta. Um gênio. Nunca tive problemas pra amamentar. Pra ele comer. Pra ir ao banheiro. Xixi na cama? Nunca. Roupa suja? Jamais. Todas as manchas saem. Só a mãe sabe o que é ser mãe.

 

Você pode cuidar de uma criança com todo amor do mundo. Pode alimentar, dar banho, trocar fralda, limpar bunda, cortar unha, tirar meleca da orelha. Levar médico? Pode, sim. Ensinar a escrever, desenhar, pintar, dançar, cantar. Pode também. Mas nada disso te faz mãe.

Mãe é um status social. E por status não entenda apenas lugares bonitos e importantes. Entenda um lugar de fala, cobrança e julgamento.

Mãe pensa 10 vezes antes de aceitar um trabalho porque precisa montar o quebra cabeça de como fazer com os filhos que só vão pra escola em meio período.

Mãe não topa sair com as amigas porque com os filhos não é a mesma coisa e deixá-los em casa não é uma opção.

Mãe precisa sorrir enquanto o empregador pergunta se ela tem com quem deixar o filho caso ele fique doente.

Mãe recebe olhares quando amamenta. E recebe olhares quando saca uma mamadeira da bolsa.

Mãe fica isolada porque as pessoas não sabem lidar com aquele bebê que chora o tempo inteiro.

Mãe não consegue emprego.

Mãe não tem vida social.

Mãe é cobrada para ser perfeita, heroína, faxineira, cozinheira, professora, psicóloga e ainda acabar o dia bem vestida, maquiada, penteada, gostosa, cheirosa, depilada e louca manter o fogo da paixão aceso.

Ser mãe é ter sua vida minuciosamente investigada por desconhecidos. É, já na gravidez, descobrir que seu corpo é público e qualquer um se sente a vontade para tocar sua barriga. É ouvir conselhos não solicitados (e até agressivos) sobre suas decisões. É sentir-se errando sempre.

Mãe não é algo que tem hora para terminar. Mãe é para sempre, 24 horas por dia, 7 dias por semana. E ouso dizer que bem mais de 365 (ou 366) dias por ano, porque de alguma forma o tempo corre diferente para as mães. Não dá para pedir férias, demissão, licença. Mesmo quando o filho não está mais nesse mundo, você ainda é mãe, se sente mãe, é vista como mãe e vive como mãe. É vitalício.

Então não diga que você é mãe se você não é. Porque ser mãe não é só beijinho, abraço e carinho. Não são só as fotos bonitas no Facebook. Ser mãe é dor e cansaço. É beleza, mas é suor. É uma beleza descabelada e com remelas porque não deu tempo de tomar banho antes das crianças acordarem. Ser mãe, pensando bem, é quase uma decisão insana. Mas a gente segue. Sem parar. Aprende a lidar com as cobranças. Consegue ignorar algumas. Aprende a sorrir enquanto sangra por dentro. Porque ser mãe é passar por cima de tudo, até de quem desvaloriza a função que nem sempre foi escolhida por nós, mas que ainda assim executamos com maestria – dentro das nossas capacidades.

Não diga que você é mãe se você não pariu ou adotou uma criança. Não diga que você é mãe se você é um homem (você é pai e pais têm cobranças totalmente diferentes). Não diga se você é mãe só porque parece bonito. Você não é e o nome disso é roubar o protagonismo.

Imagem de capa: Shutterstock/Uber Images






Carol Patrocinio é jornalista, feminista, mãe que educa sem gênero e duas vezes (2015 e 2016) indicada como uma das mulheres inspiradoras pelo site Think Olga. É também co-fundadora da Comum. Facebook: https://www.facebook.com/carol.patrocinio Medium: https://medium.com/@carolpatrocinio Newsletter: http://eepurl.com/b1pyhr