Por Carla Gameiro Dias
Ela saiu de casa brigada com o irmão… ele bateu o telefone na cara dela… ele estava muito ocupado para atender a ligação do filho… ela disse adeus querendo que ele pedisse que ela ficasse, mas ele abriu a porta e a mandou embora… ele bateu a porta do carro e a mandou para o inferno, sem lhe dar a chance de uma única explicação… ele não deu atenção a ligação da mãe já idosa… ela não pode atender a irmã, pois estava em reunião importante…
Cansados? Algumas dessas situações podem lhes parecer “fictícias” demais, “oníricas”, poéticas demais, mas elas acontecem, diariamente; enquanto estamos aqui, eu e vocês, muitos seres estão vivendo cenas tais quais as descritas, e/ou outras tantas muito parecidas, quiçá, mais intensas do que as aqui relatadas. O curioso destas situações é que um dos sujeitos sempre fica à “deriva”, como que “perdido” diante da reação do outro; “eu só queria dizer uma coisinha…” O trágico destas situações é que em alguns casos, essa “coisinha” nunca mais será dita… Por que?
A mãe idosa, estava “instintivamente” ligando para se “despedir”… o filho ansioso queria “apenas” contar que acabara de ganhar seu 1º prêmio de Matemática… a irmã só precisava de uma palavra da sua “grande” parceira, pois acabara de perder o bebê… o irmão com quem ela havia brigado, ela nunca mais veria, pois, sofreu um acidente a caminho do trabalho… a ligação dela era para dizer que iria se casar, mas que se ele pedisse ela jogaria tudo para o alto… ela realmente foi para o inferno, poucas quadras depois de sair do carro dele…
Que tipo de sensação nos invade quando pensamos que isso poderia ocorrer conosco? Seria isto apenas uma historinha triste, um belo prefácio para livro, um script para um longa dramático?
Quantos amores desperdiçados…quantos laços perdidos…quantas amizades desfeitas…quantas vidas marcadas… Como fico com tantas, ou mesmo poucas, mas necessárias “coisas” que deveria ter dito e simplesmente não disse? E a desculpa que eu “precisava” ter pedido, não por causa do outro, mas “por mim”, para minha “libertação”, e que agora não mais poderei?
E o “eu te amo” não dito por “orgulho” ou por “medo”, que não direi, porque um outro alguém o fez… O mais doloroso é que minhas palavras não ditas, me atormentam, me consomem, me angustiam…
Eu as transformei em “raiva”, em “amargura”, em “rancor”, e com elas conviverei, sei lá por quanto tempo. E o que é ainda pior, tudo que não foi dito, tudo que não foi “esclarecido”, um dia volta, um dia “retorna”, por mais que eu queria “esconder” e fingir sua “inexistência”; todas aquelas palavras “engolidas” sem digerir, “um dia voltam”…
Que não me falte a coragem do encontro com minhas palavras, e que elas jamais me engasguem, no momento de “libertá-las”, por mais dolorosas que possam parecer; pois, prefiro a dor momentânea da “soltura”, ao sofrimento de um eterno e escravo silêncio mórbido…
Imagem de capa: Shutterstock/Liz Cooper
TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS
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