Por Janet Walsh
Desde condenações históricas até a impunidade de responsáveis por estupros coletivos, 2016 vem sendo um ano de altos e baixos na luta para combater a violência contra mulheres no mundo.
O 25 de novembro é o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra Mulheres. É um dia para refletir sobre a dor e a resiliência das sobreviventes. E para fazer um apanhado dos avanços e dos fracassos do combate a essa violação onipresente dos direitos humanos.
Em março, o Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou sua primeira condenação por violência sexual. O tribunal considerou Jean-Pierre Bemba, ex-vice-presidente da República Democrática do Congo, culpado de estupro, homicídio e saques na vizinha República Centro-Africana.
Bemba foi condenado sob o conceito de “responsabilidade de comando”, pelo qual superiores civis e militares podem ser responsabilizados criminalmente por delitos cometidos por tropas sob seu controle.
Um tribunal no Senegal condenou o ex-presidente do Chade Hissène Habré de estupro cometido pessoalmente, como crime internacional.
Em maio, décadas depois de suas vítimas começarem a lutar para levá-lo à justiça, Habré foi condenado por tortura, crimes de guerra e crimes contra a humanidade e sentenciado à prisão vitalícia.
Apesar dessas vitórias, porém, a impunidade dos responsáveis por violência contra mulheres ainda é um problema enorme. Em todo o mundo a organização Human Rights Watch documentou ataques de violência hedionda contra mulheres, sendo que os agressores não são castigados.
Na Nigéria, funcionários governamentais e outras autoridades estupraram e exploraram sexualmente mulheres e meninas deslocadas pelo conflito com o grupo armado Boko Haram. Na Jordânia houve um aumento nos chamados “crimes de honra” – assassinatos de mulheres ou meninas por familiares delas, devido a atos que supostamente macularam a honra familiar.
No Sudão do Sul, República Centro-Africana e Burundi, combatentes armados cometeram estupros coletivos de mulheres e meninas. No Nepal, o casamento infantil é comum, assim como o estupro e a violência física cometida contra meninas obrigadas a casar-se ainda crianças.E, em alguns países, documentos divulgados este ano revelaram violência sexual que se arrasta há anos. Nos Estados Unidos, mulheres que fazem parte das Forças Armadas vêm enfrentando agressões sexuais e também retaliação quando denunciam a violência.
Em Mianmar, militares cometeram estupros e outros atos de violência sexual relacionada às guerras civis de décadas de duração no país. Mulheres estupradas durante a violência pós-eleitoral de 2007-2008 no Quênia não conseguiram obter reparações ou justiça. A lista de horrores continua.
No último ano também se viram contrastes no tratamento legislativo dado pelos governos à violência contra mulheres. Alguns países, como o Haiti, não têm leis que criminalizam especificamente a violência doméstica. Outros, como o Marrocos, ainda debatem um projeto de lei sobre a violência doméstica. Mas alguns países reforçaram as proteções legais.
A China, por exemplo, começou a implementar a lei de violência doméstica promulgada em dezembro de 2015, enquanto o Brasil definiu penas mais pesadas para o chamado feminicídio, ou homicídio de mulheres e meninas devido a seu gênero.
Agências e organismos das Nações Unidas também geraram contrastes no último ano. O órgão que rege a Organização Mundial de Saúde adotou um novo plano global de ação sobre a resposta dos sistemas de saúde à violência. Ao mesmo tempo, soldados das forças de paz da ONU foram acusados de estupro e exploração sexual na República Centro-Africana e outros países.
Um relatório independente altamente crítico citou falhas da ONU no tratamento dado aos abusos cometidos pelas forças de paz.
Também há contrastes entre políticos eleitos e o que isso implica para a violência contra mulheres. Há diferenças entre diversas partes do mundo, mas seria difícil ver um contraste mais marcante que na América do Norte. No Canadá, o governo do primeiro-ministro Justin Trudeau, que se orgulha de ser feminista, revogou a proibição do uso com serviços de aborto de dinheiro dado como assistência ao exterior, com isso abrindo o caminho para vítimas de estupros e outros terem acesso amplo a serviços de saúde reprodutiva.
Este ano o Canadá também abriu um inquérito nacional sobre a violência contra mulheres e meninas indígenas.
Ao mesmo tempo, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, se gabou publicamente de ter cometido agressão sexual e fez pouco-caso do que disse, qualificando seus comentários de “conversa de vestiário”. Mais de uma dúzia de mulheres o acusaram de agressão ou assédio sexual.
E Trump expressou sua intenção de restringir o acesso ao aborto legal e a serviços de saúde reprodutiva, o que gerará riscos graves para todas as mulheres.
Muita gente pelo mundo afora está farta da violência contra as mulheres, farta da impunidade daqueles que cometem essa violência e farta dos políticos e outros que normalizam essa violência ou deixam de combatê-la.
Essas pessoas estão tomando iniciativas corajosas para manter abertos abrigos para mulheres vítimas de violência doméstica, para lutar por proteções melhores, ajudar sobreviventes de violência a se recuperar e levar os responsáveis pela violência à justiça.
Muitas pessoas estão indo à rua protestar. Na Argentina, por exemplo, milhares de pessoas vestidas de preto enfrentaram chuva torrencial em Buenos Aires em outubro para protestar contra o estupro e assassinato de uma menina de 16 anos. Espero que em novembro do próximo ano seja um mês para festejarmos mais vitórias e menos derrotas na luta contra a violência contra mulheres.
Imagem ao alto: mulheres participam de um protesto em São Paulo – onde manifestantes promoveram uma “greve de mulheres” de uma hora de duração – em 19 de outubro de 2016 para protestar contra a violência contra as mulheres e repudiar o assassinato brutal de uma menina de 16 anos em Mar del Plata, Argentina.
O crime, em que a estudante secundarista teria sido estuprada e empalada por traficantes de drogas, é apenas o mais recente incidente de violência medonha de gênero na Argentina.
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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