COMPORTAMENTO

“Depois eu faço!” – Entendendo a Procrastinação

Por Paula Grandi

Procrastinação é, na acepção básica do termo, o adiamento de tarefas. Quem nunca deixou para depois o que poderia ser feito hoje? O procrastinar é uma classe de comportamento presente nos mais diversos ambientes ou condições de estímulo: educação, saúde, trabalho, entre outros. É possível que já tenhamos pensado: “por que não realizo logo essa atividade em vez de ficar adiando?”. Quando procrastinamos, nosso comportamento está sob controle de diversas variáveis, ou seja, apesar de ser um comportamento que possa trazer sofrimento e preocupações, ele tem uma função.

Segundo Skinner, quando “dizemos que o comportamento deve ter um sentido ou um significado, queremos dizer que variáveis independentes devem estar operando em nosso comportamento.” (Skinner, 1984, p.371). Assim, é importante ressaltar que o procrastinar não é necessariamente uma característica generalizada, isto é, um indivíduo pode procrastinar em determinados ambientes e não em outros.

Para compreender em que consiste o procrastinar de atividades, vamos abordar primeiramente o conceito de autocontrole, que ocorre quando “o indivíduo vem a controlar parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências que provocam conflitos – quando leva tanto a reforço positivo quanto a negativo” (Skinner, 1953, p.252). O repertório de autocontrole é aprendido, e ocorre quando alguém se comporta sob controle de contingências que possuem reforçadores atrasados de maior magnitude (como ir bem nas provas, formar-se, ser independente financeiramente), em detrimento de reforçadores imediatos geralmente de menor magnitude (assistir TV, jogar vídeo game, sair com os amigos).

É possível também que um indivíduo controle parte de seu comportamento emitindo respostas que alteram a probabilidade de outras. Como exemplo, podemos citar um aluno que emite a reposta de ir para a biblioteca, onde a resposta de estudar é mais provável, em vez de ir para casa, onde existem diversas opções de lazer que proporcionam reforço imediato e onde a resposta de estudar poderia ser menos provável. Atualmente existem diversas opções de atividades de lazer, o que contribui para uma grande oferta de reforçadores imediatos, podendo facilitar a manutenção de comportamentos de procrastinar atividades.

Alguns estudos experimentais apontam os esquemas de reforçamento como variável determinante para o adiamento de tarefas (Mazur, 1996 e 1998; Jarmolowicz, Hayashi, Pipkin, 2010). A probabilidade de um comportamento ocorrer com determinada frequência está diretamente relacionada à sua história de reforçamento e às contingências atuais de reforço, ou seja, a frequência do comportamento poderá ser diferente dependendo do esquema de reforçamento estabelecido. Como sabemos, o comportamento de procrastinar atividades apresenta uma frequência muito característica: ao procrastinar não emitimos o comportamento de realizar a atividade assim que possível ou em um breve espaço de tempo, pelo contrário, realizamos a atividade quando o prazo para a emissão desse comportamento está próximo do fim ou quando a realização da atividade se mostra extremamente necessária.

Quando somos reforçados apenas após emitir um número X muito alto de respostas (esquema de razão fixa), o comportamento apresenta uma probabilidade bastante baixa de ocorrer após cada reforço, sendo possível observar o aparecimento de certa falta de ânimo e interesse, já que o indivíduo tem sempre um longo caminho a percorrer antes do próximo reforço. É o que ocorre, por exemplo, em uma dissertação de mestrado, onde muitas tarefas tem que ser realizadas para se obter o trabalho final. Assim, esquemas de reforçamento fixo podem contribuir para que padrões de comportamento de procrastinar atividades sejam estabelecidos.

Os esquemas de reforçamento em razão fixa são muito utilizados no trabalho e na educação e contribuem muitas vezes para que o responder ocorra na última hora. Na razão fixa, o uso que se faz do tempo útil é relativamente pobre e as razões mais altas (com alto custo de resposta) podem ser especialmente fatigantes.

Pesquisas com prazos (Ross e McBean, 1995; Jarmolowicz, Hayashi, Pipkin, 2010), por exemplo, verificaram que o resultado de esquemas fixos é um gradiente de aceleração uniforme, em que o indivíduo responde mais rapidamente conforme o prazo final, e consequentemente o reforço (mesmo que negativo!) se aproxima. É provável que esse responder característico da procrastinação pudesse ser evitado com o estabelecimento de um esquema de razão variável, o qual varia ao redor de um valor médio, contribuindo para a manutenção de um responder constante.

Como contraponto um bom exemplo são os caça-níqueis, que funcionam por esquemas de reforçamento em razão variável (onde as pausas no responder são eliminadas). Aqui, a mesma lógica é utilizada só que agora contra o jogador, pois os cassinos não poderiam se dar ao luxo de deixar um jogador procrastinar, já que o vantajoso é que ele se mantenha jogando quase que ininterruptamente. Desta forma, não são utilizados esquemas de razão fixa, onde há pausas longas entre a reposta reforçada e a primeira resposta da nova sequência.

No entanto, estes e muitos outros aspectos podem estar envolvidos no procrastinar de atividades. Vejamos a situação do Calvin no primeiro quadro. O brincar na areia envolve reforçadores imediatos, enquanto escrever a história para o colégio deve envolver reforçadores atrasados (como a nota alta ou um elogio da professora pela sua história). Sua fala “pânico do último minuto” explica o momento em que a punição por fazer qualquer outra coisa que não a lição de casa começa a se aproximar. Uma alternativa seria fornecer consequências reforçadoras positivas do estudar ou realizar os deveres de casa imediatamente enquanto este é realizado. É isso que ocorre com professores que fornecem feedback imediato e contingente ao comportamento do aluno.

Mas até que esse momento chegue, é provável que Calvin procrastine, já que nenhum outro reforçador parece manter o seu comportamento de escrever a história. Se reforçadores naturais como o próprio escrever ou ler a sua história estivessem presentes, Calvin possivelmente realizaria a atividade mais rapidamente. Assim, podemos supor que o valor reforçador de escrever a história seja pequeno se comparado com as outras atividades que ele pode realizar no momento (como brincar na areia).

Adiar uma atividade pode indicar também um alto custo de resposta para a realização da tarefa. Estudos indicam (Weiner, 1963) que o custo da resposta pode diminuir o responder e que altos custos de resposta podem atribuir à determinada atividade características aversivas (Mazur, 1996, 1998). Pode ser que escrever a história seja difícil para Calvin e que demande muito esforço. Pode ser que ele não tenha clareza do que deve fazer nesta atividade, e que ele leve diversas horas para terminá-la. Indo além, é possível que falte a Calvin comportamentos pré-requisitos para desempenhar esta atividade, como saber escrever.

Assim, não saber fazer determinada atividade pode ser aversivo, o que contribui com a procrastinação. Além disso, pode ser que para Calvin realizar os deveres de casa tenha se tornado aversivo porque a professora apenas salienta os seus erros e nunca os seus acertos, ou porque seus colegas caçoam quando ele não consegue realizar corretamente determinada tarefa. Neste caso, quando nos deparamos com uma atividade aversiva, ela será realizada apenas para fugir ou se esquivar de um outro estímulo ainda mais aversivo, como uma nota baixa por não escrever a história ou uma briga de sua mãe por não ter realizado o dever de casa.

Neste segundo quadro, vemos que Calvin inicialmente procrastina, já que está realizando outras atividades que não arrumar o seu material: “Eu odeio domingo. O descanso é arruinado pela lembrança de que preciso aprontar as coisas pra aula de amanhã”. Esta frase deixa claro como provavelmente existem diversas outras atividades com maior valor reforçador do que “aprontar as coisas”, e como algumas dessas atividades “chatas” podem ser aversivas. Haroldo então sugere que Calvin deixe de procrastinar e realize as suas tarefas “agora”, com o apelo de que “a diversão vai ficar mais divertida”.
Calvin afirma que “detesta adiar a diversão”, ou seja, adiar atividades que provavelmente envolvem reforçadores imediatos, mas acata a sugestão, não procrastina mais e realiza todas as atividades necessárias. No entanto, após terminar as atividades, qual foi a consequência? A fala da mãe do Calvin de que estava na “hora de ir pra cama”, impossibilitando que eles realizassem as atividades divertidas. A última fala de Haroldo “priorize as prioridades” diz respeito então, a priorizar o reforçador e possivelmente adiar o aversivo. Portanto, como nenhuma consequência reforçadora foi estabelecida para as atividades de arrumar o material, é provável que Calvin volte a procrastinar futuramente: “Vai ver se eu entro na sua onda de novo!”.
Mas, afinal, é possível deixar de procrastinar? Alterar os esquemas de reforçamento, diminuir o custo da resposta (talvez dividindo a atividade em partes menores), tornar o reforço contingente e imediato, estabelecer reforçadores naturais que dependem apenas da emissão da resposta, e alterar as variáveis que controlam o próprio comportamento (autocontrole), apresentam-se como possíveis caminhos. Segundo Skinner “quando as variáveis descobertas numa análise experimental provam ser manipuláveis, podemos nos aventurar além da interpretação para o controle do comportamento” (Skinner, 1984, p.186).
Imagem de capa: Shutterstock/PR Image Factory

REFERÊNCIAS

JARMOLOWICZ, David P.; HAYASHI, Yusuke; PIPKIN, Claire St. P. Temporal patterns of behavior from the scheduling of psychology quizzes. Journal of Applied Behavior Analysis, 43, 297-301, 2010

MAZUR, James E. Procrastination by pigeons: preferences for larger, more delayed word requirements. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 65, 159-171, 1996.

MAZUR, James E. Procrastination by pigeons whith fixed-interval response requirements. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 69, 185-197, 1998.

MCBEAN, David; ROSS, Linda L. A comparison of pacing contingencies in classes using a personalized system of instruction. – Journal of Applied Behavior Analysis, 1995, 28, 87-88.

SKINNER, B.F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. Tradução de João Carlos Todorov e Rodolpho Azzi, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007.

SKINNER, B. F. Contingências do reforço: uma análise teórica. Tradução de Rachel Moreno. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

WEINER, H. Response cost and aversive control of human operant behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, v.6, p.415-421, 1963.

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