Por Henrique Senhorini
Artigo publicado originalmente em ILPC – Instituto Latino-americano de Psicanálise Contemporânea.
Primeiro quero agradecer pelo convite o pessoal do Instituto Latino americano de Psicanálise Contemporânea, através dos colegas Olivan Liger e Tiago Oliveira e a um agradecimento especial à Ana Gueiros – uma jornalista contaminada pela Peste. É uma honra e um prazer estar aqui com todos vocês.
Bom… para iniciarmos este Pensar Psicanálise 2ª edição, nada melhor que algumas questões para nos provocar:
O que é depressão para psicanálise?
Seria o baixo nível de serotonina em certas áreas do cérebro?
Uma doença do corpo? Uma doença da alma?
Uma nova estrutura clínica?
Uma nova patologia que surgiu agora na contemporaneidade?
Uma doença do tempo, pois está relacionada com ele com o tempo?
Ou, como já ouvi por aí, uma doença dos ricos, pois pobre não tem tempo para isso?
E agora, para exercitar um pouco mais o pensamento, vem o pessoal do ILPC com esse tema “Depressão: a epidemia do desencanto”.
Como assim?
Bem, podemos pensar a depressão de várias maneiras, dependendo do lugar que se fala, com os conceitos que a colocam como uma patologia, um estado do ser, uma doença na qual a pessoa se encontra com suas atividades mentais e psicológicas, afetivas, de humor, assim como as motoras entre outras, niveladas por baixo. Mas, também, como um dos sofrimentos da alma, ao lado da dor e da angústia. A depressão como uma pathos do humano, Pathos, paixão, afeto. Enfim, uma doença do humano. Pierre Fédida a chamou de “doença humana do tempo”: uma doença humana do tempo que afeta a representação e a ação, as potencialidades da linguagem, assim como a comunicação com os outros.
Tempo no sentido amplo: objetivo e subjetivo, cronológico e psíquico.
Bem… Para psicanálise, trata-se de uma posição, pois a depressão se manifesta de modo e maneiras diferentes e em todos os quadros clínicos – a neurose, a psicose, a perversão – do mesmo jeito que a dor e a angústia se manifesta. Lembro de Mauro Mendes que faz uma colocação que eu acho uma das melhores para se entender a Depressão em Psicanálise. Ele diz que a depressão “refere-se a uma posição do sujeito. É um determinado tipo de resposta que o sujeito dá e diz respeito fundamentalmente ao tipo de relação que o sujeito estabelece com o Outro”.
E em relação com o tempo, a depressão tem sim essa associação, assim como a angústia também. Porém de lugares diferentes: “a angústia se endereça ao futuro, enquanto a depressão se refere ao passado”. Mas, se eu tivesse a capacidade de escrever como eu entendo a depressão, seria algo tipo assim:
Uma doença de ser humano submetido, desde o nascimento, à necessidade de se dotar de uma vida psíquica graças às interações com a mãe e o ambiente; e, por esta razão, doença de ser humano capaz de ser psíquica e corporalmente, afetada pelo excesso de violência vinda do interior e/ou exterior.” (Fédida)
E quando se diz violência do interior, entende-se fúria pulsional e quando se diz do exterior, está relacionada ao Outro, ao ambiente. Também acrescentaria nessa citação ao lado da mãe, o pai.
Então… neste exercício de pensamento, vamos transformar a afirmação do tema “Depressão: a epidemia do desencanto”, em questão, para que possamos suscitar uma hipótese que esse desencanto está diretamente ligado ao Outro, ficando desta forma: Depressão: a epidemia do desencanto?
E desta maneira ficaria mais fácil afirmamos que o Outro que é o responsável pelo nosso desencanto e, portanto, o responsável direto por nossa depressão, simples assim? É bom lembrar que viemos ao mundo através desse Outro e habitar esse mesmo mundo já habitado pelos Outros… E aí, como ficamos? Já seríamos pré determinados para ser e ter isto ou aquilo?
Se correr o Outro pega e se ficar o Outro come ???
É isso mesmo ???
Mas se seguirmos esse raciocínio por outra ponta perceberemos que para haver desencanto é preciso, primeiro e necessariamente, que haja o encanto. Correto? Bem e agora?
Continuando por essa via…
Então, o desencanto passaria a ser a consequência, uma resposta para o encantamento. Sairia deste lugar de causa – que a princípio dá mesmo esta impressão – cedendo-o para o encanto, ok?
Sendo assim, então estamos aqui para falarmos sobre a epidemia do encanto, pois só “pode” haver desencanto após sermos encantados. Como dizia um professor meu… “d’accord ?” Ainda bem que existe o “pode” e o “quase” para nos salvar, não é mesmo Arnaldo Domínguez?
Tá dando para acompanhar esse meu “quase” devaneio ou está muito confuso?
Seguindo… Bem, aí a epidemia passaria a ser a do encanto e a depressão assumiria o lugar de resposta, diria, uma resposta ao “fracasso” desse encantamento.
Então, para deixar mais ou menos claro, estamos presenciando e vivenciando uma epidemia do encanto. E como sugere o tema a depressão viria daí, certo?
E o que não mudaria seria a posição do Outro como agente. O responsável pelo nosso sofrimento. É isso mesmo?
Bem, desenvolvendo essa linha e como não existimos sem o Outro, pois, como já disse, nascemos e nos constituímos como sujeito através desse Outro, ele seria facilmente apontado como o responsável sim por nossas desgraças. Pois antes de nos desencantar, ele nos encantou com um canto próprio das sereias.. Como?
Já falei que esse Outro (organizador do nosso eu) primeiro é a mãe, depois o pai, depois aparece o professor, o padre, o pastor, o chefe, o patrão, a empresa, o capital, o capitalismo com seu produza e consuma… e por aí a fora. Ao longo de nossas vidas muitos vão ocupando esse lugar de grande Outro para nós, …qualquer um que toma um lugar de importância para nós… também falei do marido, esposa, filhos, etc?
Bom, então a questão agora é outra: qual o canto que nos encanta tanto ???
Vejamos: seria a promessa ingênua de vivermos felizes para sempre?
De encontrarmos a paz, o sentimento oceânico, a plenitude, o amor incondicional?
De acharmos a outra metade da laranja, ou a tampa da panela ou sei lá mais o quê que nos complete e nos traga o que desejamos, o nosso objeto a, nosso objeto de desejo? É isso ?
Bem… o que escuto na minha clínica – e vem de várias maneiras – é mais o menos o que o Titãs diz no seu rock:
“Todo mundo quer amor / Todo mundo quer amor de verdade
Uma pessoa boa quer amor / Uma pessoa má quer amor, / Quer amor de verdade
Quem tem medo quer amor, / Quem tem fome quer amor, / Quem tem frio quer amor, / Quer amor de verdade
Ele quer / Ela quer / Ele quer / Todo mundo quer amor de verdade”
É por isso que escutamos o canto das sereias? Por amor? Para sermos amados?
E essa pergunta me remete à Colette Soler que cita, no seu livro “O inconsciente: que é isso?”, uma passagem na qual Lacan pergunta: “por que amamos?” Resposta: “Amamos para sermos amados.”
Se eu invisto, libidinalmente falando, o objeto de amor tenho o direito da compensação, de receber do objeto o mesmo quantum da libido investida, de preferência com juros. Legítimo, né? Bem, isso é que gostaríamos, pois amamos para sermos amados, no mínimo, com igualdade.
Acontece que, generalizando, essa promessa de amor, de recompensa do amor investido vem acompanhada, ou melhor, vem atrelada num… “só se você fizer isso ou se você fizer aquilo que ganharás meu respeito, minha consideração, meu reconhecimento e gratidão, por fim, ganharás o meu amor de volta!”
Mas, que amor é este que buscamos desesperadamente que para consegui-lo fazemos qualquer negócio?
Seria, na nossa fantasia, o da alma gêmea? Aquele que nos deixaria completo? Que nos faria ser um?
A tampa da panela que me falta para atingir o nirvana, a felicidade?
E aí… o capitalismo, que nunca foi bobo nem nada, sabendo dessa nossa enorme disposição de tamponar a nossa falta faz seu jogo. E joga pesado atingindo em cheio, com suas falsas promessas a nossa fantasia original de completude. Ou seja, de eu voltar a ser aquilo que eu era, quando eu dizia na alienação simbiótica com a mãe, “sou o seio que sou”.
Bom… voltando ao capital, ao sistema que elegemos para comandar nossas vidas na sociedade contemporânea… Sim e é importante não nos esquecermos: nós o elegemos! Escolha nossa !!!
Bem.. e ele, o capitalismo, com seus encantos e com suas promessas constantes de felicidade nos seduz oferecendo suas bugigangas envolvendo-nos numa espécie de pacto a la Fausto de Goethe e a la Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa. Seria um pacto com o demônio disfarçado de anjo do pote da felicidade?
Corra, corra, corra – produza, produza, produza – consuma, consuma, consuma é o que dita a voz imperativa do Outro, do Capital para adquirirmos os gadgets que nos farão sentir poderosos, admirados e, como consequência, reconhecidos e amados.
É esse o modelo do eu ideal e do ideal do eu imposto na contemporaneidade.
Imposto e aceito pelo “coro dos contentes”, como lembrou M.R.Kehl. É a padronização deste modelo como único para sermos e ou demostrarmos como somos bem-sucedidos, portanto felizes e aceito pelo clube dos normais (modelo NEXTEL de mundo?). E se não seguir o modelo de sucesso, que aqui é bem diferente de realização, OUT !!! Você está fora, à margem. E nesta marginalidade você será acusado de fracassado, mesmo alegando que quase chegou lá. O quase não entra neste coro, tem um clube próprio na periferia da vida, o clube dos deprimidos, o triste e escuro Clubes dos Quase. No máximo, vá tomar umas pílulas de felicidade e tente voltar depois que fizer efeito.
Obs.: não parece que o sujeito, na depressão, se demitiu da vida?
Uma pausa para reflexão…
Dá para perceber que na contemporaneidade não há muito espaço (lugar e tempo) para você ser você mesmo? Afinal, se fugir do padrão, se “desafinar o coro dos contentes” (Torquatto Neto) o que poderão pensar de ti? Parece que hoje em dia, na contemporaneidade, não se permite ficar triste, pois a tristeza é vista – quase – como um defeito moral, como uma deformidade do humano cuja estabilização química é confiada aos psicofármacos para sermos “devolvidos”, o mais rápido possível – tempo é dinheiro – para o circuito midiaticamente imposto.
Só para lembrar: Ao patologizar a tristeza, perde-se um importante saber sobre a dor de viver.
O pior que aceitamos tudo isso para não sermos excluídos do clube dos “normais” e será – por temor a isto – que insistimos em ser o que o Outro gostaria que eu fossemos? Tentamos ser e fazer o que o Outro deseja somente para satisfazê-lo e consequentemente reconhecidos e amados? Será por isto?
Voltando para a sociedade…
Acontece que na nossa sociedade contemporânea, a do capital, somos “programados” pela voz imperativa que diz a todo instante: consuma !!!
E este sistema não tolera quem sai do mundo de Matrix, não permite que você seja você mesmo principalmente se não coincidir com o modelo padrão imposto pela mídia. Está – interruptamente – nos bombardeando para sermos o que interessa a ele: consumidores.
E qual o modelo padrão? É o modelo que aparece na mídia como o “bem- sucedido”.
Você “tem que” ser aquele que produz mais para ser aquele que compra mais, que gaste mais, que possua mais, que sorria mais, que demonstre mais prazer, mais feliz, etc… Também ser o mais esperto, o mais divertido, o mais articulado, o mais viajado, o mais bem relacionado, o possuidor do maior números de seguidores nas redes sociais, ter maior números de amigos e ser o mais “curtido” no facebook (sim, pessoas se deprimem por falta disso), ser o mais convidado paras festas, eventos, etc… Enfim, você tem que ser o cara!
E aí de nós se não lutarmos para ser o que o capitalismo espera de nós, parece que não seremos mais nada. Numa visão eclipsada, não teremos o sonhado reconhecimento dos pais, o respeito dos filhos (pai sem dinheiro é pai fraco?), o amor do cônjuge, a admiração dos amigos, dos colegas, dos vizinhos (olha o carro velho dele, que horror)… é por aí .
E foi em busca deste modelo impostor (imposto pela dor) de sucesso, ou no mínimo, para fugir do famigerado rótulo de fracassado fixado pela sociedade contemporânea que abrimos mão, muitas vezes, de nossos sonhos, de nossos desejos. Para quê?
Somente para satisfazer as demandas do Outro em troca do amor que supomos que somos merecedores e que este nos fará completos? Santa ilusão? Santa ingenuidade?
É nítido que na vida contemporânea saímos “do direito à saúde e à alegria [e] passamos à obrigação de ser felizes”. (Danièle Silvestre)
Gente… o Outro não pode nos completar, visto que ele também é incompleto. É aí que, mesmo alcançado o Olimpo do capitalismo ou quase, percebemos que o ideal está num outro patamar, no patamar do inacessível. Por isso é ideal. E, juntamente, com esta descoberta vem a frustração, a decepção. Esquecemos ou não quisermos acreditar em Freud que disse que a felicidade plena não estava nos planos da criação. E aí damos conta que abrimos mão dos nossos sonhos, dos nossos desejos à toa. Desde os aparentemente mais simples como tirar um dia de folga para brincar com os filhos, de nos autorizarmos em ter um dia de ócio, de passear num parque, de jogar conversa fora com os amigos… aos mais difíceis, como o modo que escolhermos a nossa própria profissão, por exemplo. Também abrimos mão de chorarmos as nossas perdas, os nossos amores até de fazermos o luto necessário de nossos entes queridos como deveria, pois tempo é dinheiro.
E em muitos casos virá a culpa como questão: O que eu fiz da minha vida? Fiz o que quiseram que eu fizesse e, pior, com minha permissão, com a minha submissão em troca do que não veio… Sou culpado de abrir mão de meu desejo. Sou culpado por acreditar na promessa fantasística de completude.
Culpa que, oriunda da cultura judaica/cristã, precisa ser reparada via sofrimento, via expiação.
Para Lacan, a legítima culpa neurótica é a de ter cedido ao seu desejo.
Bom… crime e castigo?
Será que é aí, por esta via, que entramos na depressão?
Depressão como forma de nos punir por nossa entrega cega na promessa do Outro, do capitalismo, de nos fazermos felizes?
Como autopunição por nos deixarmos encantar?
E autoflagelar-se seria a via de acesso para a redenção?
Ou, como muitas vezes acontece, o ato de se flagelar se transformaria em mais um lugar de gozo, agora de um gozo masoquista moral? Então, somos também o nosso próprio sádico?
E o “coitadinho de mim” pode se fixar por este gozo?
Bem… o prende uma pessoa fixando-a numa posição é o gozo.
Porém, nem todos tem o mesmo tipo de resposta.
Um lembrete tá gente:
Freud nos ensina que o tipo da resposta de nossas escolhas depende da especificidade de cada sujeito e da singularidade da interação entre constituição psíquica, circunstâncias do ambiente, da história de cada um e mais o acidental. Sem esquecer a biologia. Hoje a última definição de Ser Humano da OMS (Organização Mundial de Saúde) diz que o Humano é um ser bio-psico-social religioso/espiritual.
E como trabalhamos a depressão na clínica psicanalítica?
Supondo que seria esta a pergunta que vocês gostariam de me fazer…
Bem, primeiro é escutar quem nos procura como nosso primeiro e único paciente…
É… muitos chegam até nós por não conseguirem mais subjetivar suas experiências e vivências, não conseguirem mais transformar em matéria simbólica, as pancadas, os choques da vida contemporânea e acabam experienciando uma espécie de vazio existencial, da dor de viver, de tédio e alguns por não conseguirem lidar com o que se mostrou insuportável sucumbiram e foram para debaixo da cama ou no mínimo das cobertas mesmo, literalmente falando.
Muitos também procuram porque não aguentam mais a pobreza da vida interior, que se empobreceu justamente pelo uso prolongado dos psicofármacos. Outros, porque acham que os antidepressivos não proporcionaram os efeitos esperados, ou deixaram de fazer efeito depois de um longo tempo de uso. Ou porque o tratamento somente por essa via dos remédios, não os deixaram totalmente inapetentes, sem vontade, sem desejo para falar.
Interessante é que o depressivo é – e ou está – mais acessível ao seu saber inconsciente do que os neuróticos “normais”.
Há todo um trabalho de desconstrução e reconstrução, de ressignificação de vivências, experiências, de valores para que um novo possa ser construído, possa surgir na experiência analítica.
“É preciso convidar o depressivo a ter coragem de apostar em alguma construção de sentido para contrapor ao vazio de sentido que o abate” (Kehl pensando com Soler)
E convidá-lo “…a construir uma via que o represente como um sujeito desejante”, sem esquecer que é o paciente quem deve colocar, pôr, significantes ali nessa construção e não a sugestão do analista, pois sobre o analisando nada sabemos, que somos doutos porém ignorantes. O que fazemos é auxiliá-lo nessa construção, muitas vezes ampliando-lhe o leque de opções e de suas consequências. Porém, já com os recursos adquiridos, a escolha será dele assim como a responsabilidade por ela. E, muito importante, sempre respeitando o tempo do sujeito, o tempo psíquico e não o cronológico.
E para finalizar este Pensar Psicanálise, vou de Titãs novamente:
Quem espera que a vida
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco
Ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado
Pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver
Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
É preciso saber viver
Saber viver, saber viver!
É isso !!!
Bibliografia utilizada e não mencionada:
Sobre Ética e Psicanálise – Maria Rita Kehl
O Tempo e o Cão – Maria Rita Kehl
Dos Benefícios da Depressão – Pierre Fédida
Depressão – Pierre Fédida
Depressão – Clíninc Psicanalítica – Daniel Delouya
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