Por Josie Conti
Diremos da infância em 4 atos:
Ato 1
O bebê, no prefácio de sua existência, olha para si, olha para sua mãe e não sabe onde um termina e onde começa o outro: vê-se TODO.
Quando, num súbito momento, olha para sua mão, depois redireciona o olhar para a mão de sua mãe e ouve ela dizer “MÃO”, percebe que há algo em si e algo no outro. Há duplicidade porque não existe um todo e sim duas pessoas. O bebê descobre que existe pelos olhos do outro que o observam, como um espelho, olhos que lhe emprestam formas identificadoras. Nesse momento, inicia-se algo que acontecerá pelo resto de sua vida: a observação e a comparação.
Ato 2
Se, no olhar do outro, um ser humano descobre existir, é também por esse olhar que ele percebe-se amado. E, naquele momento em que a mãe diz “MÃO” e o bebê balança suas mãozinhas e, imediatamente recebe a total aprovação da figura materna em sorrisos, carinhos e incentivos, identifica inconscientemente que, ao dar ao outro o que ele quer, recebe de volta aprovação e afeto. Descobre-se, nesse momento, que as relações acontecem pela troca.
Ato 3
Bebê sorri, mamãe sorri. Bebê chora, mamãe fica brava. Quando alguns objetos são tocados e manuseados existe aprovação, se o bebê bate no rosto da mãe, ocorre a desaprovação imediata. Iniciam-se, nas relações iniciais com os familiares, os condicionamentos sociais que são esperados e o treino de limites.
Ato 4
Durante toda a infância e processo educacional, a criança percebe que existe a valorização de alguns atributos em detrimento de outros. Há socialmente mais reconhecimento de determinadas características físicas, formas de se comportar, bens materiais. E é nesse contexto que a criança descobre que, para além da comparação, da repetição e da modelagem inicial, acontece também sentimentos como a rejeição, a vergonha e a inveja.
Após o período transacional da adolescência para a vida adulta ajustam-se os alicerces construídos. Definem-se os valores pessoais, as crenças, a maneira de ver a si e ao mundo.
Mas, como foi falado no texto homônimo deste subitem ou em outro intitulado ““Pedras da Infância”, nossa história, por mais que amadureçamos, nos acompanha durante toda a vida e, em algum momento, na gangorra das decisões parentais, no amor que recebemos, nos valores que nos transmitiram os mesmo no que pudemos assimilar, detalhes importantes podem ter sido perdidos.
Se uma criança não se sentiu amada, ela pode tornar-se um adulto carente, dependente, e não desvencilhar-se de, a todo momento, dar mais do que recebe em busca da aprovação que, momentaneamente, a faz sentir-se amada.
A criança que foi excessivamente punida pode não se sentir suficientemente boa mesmo que atinja sucesso escolar e depois no trabalho.
O adulto que hoje faz questão de exibir carros importados e roupas de grife pode ser na verdade o menino triste que tinha complexo da roupa puída que foi motivo de chacota por parte de algum colega.
Quanto da inveja oculta que se nutre pelo outro, da fotografia de momentos felizes desesperadamente compartilhada nas redes sociais, não representa um vazio anterior que ainda não encontrou voz em novas representações simbólicas de uma existência significativa?
Para uma vida com mais sentido, mais do que a fixação na falta ou mesmo na ideia de uma felicidade constante, precisamos retomar a necessidade de contemplar a dinâmica da vida com olhos panorâmicos. É necessário entender que a caminhada traz em si um leque de sentimentos e circunstâncias das quais a felicidade é só uma pequena parcela. Precisamos retomar o interesse pela reescrita de uma vida interessante e horizontemente representativa.
E, novamente, assim como fez o bebê, descobrir que do todo há a parte, mas que em cada parte também há o todo.
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