Por Rebeca García Neto
Um dos problemas para tratar pessoas com esquizofrenia é elas não terem consciência de que são acometidas por um distúrbio. A patologia se desenvolve à espreita: despoja o afetado de sua identidade sem que ele se aperceba disso.
Para avançar no tratamento do transtorno seria preciso criar meios para identificá-lo antes desse “roubo de identidade”. Nos últimos anos, houve progressos expressivos no conhecimento das fases que antecedem a manifestação de sintomas. É o caso de organizações como o Portland Identification and Early Referral Program (Pier), nos Estados Unidos, ou o Programa de Intervenção Precoce na Esquizofrenia (Pipe), na Espanha. Mas, para que esses programas sejam eficazes, são necessárias ferramentas de detecção precoce mais precisas que as atuais.
As alterações cognitivas específicas da esquizofrenia ainda são desconhecidas e os instrumentos de avaliação neuropsicológica ainda não são eficientes para identificar a patologia em sua fase inicial. Por isso, presta-se cada vez mais atenção às experiências subjetivas das pessoas afetadas.
Sabe-se que, quando começam os delírios, a pessoa deixa de viver “no mesmo mundo que as outras”. Entretanto, ainda não temos certeza de que tipo de mundo é esse, ou melhor, como os pacientes percebem essas experiências “anormais” que nós, profissionais, chamamos de sintomas. Além do mais, seria possível uma pessoa perceber que vai ter um surto psicótico? Sendo assim, o que se sente exatamente quando se está “perdendo a cabeça”?
Esta área de investigação não é recente. Algumas obras da psiquiatria clássica, em especial os trabalhos de Gaëtan Gatian de Clérambault (1872-1934) e Klaus Conrad (1905-1961), já abordavam esse tema. No entanto, nossos conhecimentos sobre as experiências subjetivas causadas pela esquizofrenia ainda são precários. Nesse sentido, destacam-se os estudos que vêm sendo realizados desde os anos 1960 pela equipe de Gerd Huber, pesquisador da Universidade de Bonn.
Com base em detalhadas descrições de casos clínicos, acredita-se que, nas primeiras fases da patologia, algumas experiências de pacientes com esquizofrenia são similares à de pessoas sem o transtorno, mesmo que sejam novas e estranhas para eles, como episódios de angústia intensa e medo de algo não definido.
À medida que a patologia se desenvolve, há um processo de perda de familiaridade com o que acontece ao redor: embora continuem a viver no mesmo mundo dos demais, as pessoas com esquizofrenia, por alguma razão percebem esse mundo como se tratasse de um novo. Começam a repetir as mesmas frases e, com frequência, necessitam escrever os pensamentos para poder “fixá-los”, já que sentem que as palavras lhes escapam.
Além disso, passam a fazer atos automáticos de forma consciente – como pensar na maneira de posicionar os braços ou em como balançá-los antes de começar a caminhar – e deixam de assistir à televisão, pois não conseguem apreender imagens e linguagem ao mesmo tempo.
Acredita-se que muitas das experiências subjetivas estão relacionadas às carências cognitivas apresentadas por pessoas com esquizofrenia. Huber chamou essas etapas de “sintomas básicos”; também chegou à conclusão de que representavam a vivência consciente de diversas alterações cognitivas. Tais sintomas são característicos da fase prodrômica (que antecede o desencadeamento da patologia) e da fase residual (em que houve um episódio, mas ainda não há quadro clínico).
Como as experiências subjetivas anormais e as deficiências cognitivas podem surgir meses antes dos surtos psicóticos, ambas parecem relevantes para o diagnóstico precoce. Infelizmente, quase meio século depois de Huber iniciar essa linha de investigação, a bibliografia sobre o tema ainda é escassa e contraditória. Espera-se que as novas técnicas de neuroimagem, como as que estudam a conectividade entre o lóbulo frontal e o temporal, ajudem a esclarecer a relação entre ambos. Mas ainda é preciso desenvolver e aperfeiçoar novas e diversas ferramentas de avaliação.
TEXTO ORIGINAL DE MENTE E CÉREBRO