Estamos enfrentando uma pandemia que mudou muito a forma como vivemos, como nos relacionamos e, em muitos casos, até como vemos a vida. Pelo menos era essa a expectativa de muitos de nós quando a pandemia começou. Muita gente, me incluo neste grupo, acreditava que a humanidade ia rever muitas de suas condutas. Infelizmente não aconteceu com tanta gente, especialmente com os governantes que, em sua grande maioria não tomaram medidas para conter o vírus e salvar vidas.
Vimos pessoas morrendo por falta de vacinas que já tinham sido ofertadas, pessoas morrendo por falta de oxigênio de forma cruel e desumana, presidente imitando essas pessoas o que causou dor e indignação em quem tem, no mínimo, um pingo de humanidade. E continuamos a vida. Quem de nós escapou do vírus, pelo menos.
Muitas pessoas ainda não tinham contraído, ou se tinham tinha sido de forma assintomática. Então as medidas de contenção foram flexibilizadas e fomos voltando ao normal, não ao novo normal como dizia o Átila em suas lives no início da pandemia. Voltamos a nos aglomerar, o que era um temor alguns meses antes. Fomos deixando de lado o uso das máscaras, afinal estávamos todos vacinados, ou pelo menos deveríamos estar já que as vacinas estão disponíveis. Me recuso a falar sobre negacionista e pessoas sem consciência de que vacinas não são uma decisão pessoal, mas uma obrigação de todos pela saúde de seu corpo e de todas as pessoas.
E então, no meio do ano de 2022 os casos de infecção pelo vírus voltaram a subir. Entramos na 4ª onda da pandemia. Pessoas que nunca tinham apresentado sintomas começaram a testar positivo e relatar muitas dificuldades durante o período de contaminação e depois. Eu sou uma dessas pessoas.
Em uma quarta feira no final do mês de maio fui treinar capoeira, como fazia pelo menos duas vezes por semana, e não aguentei o treino. Senti uma fraqueza, um cansaço e falta de controle sobre o meu corpo que nunca tinha sentido antes. Parei o treino e fiquei estarrecida com aquilo que estava sentindo. Era algo novo e assustador. No dia seguinte me senti muito indisposta, mas ainda sem nenhuma outra manifestação. Fiquei em casa, já que meu trabalho é em home office e descansei o quanto pude, afinal, não tinha forças para fazer mais nada.
Na sexta pela manhã, quando acordei, percebi que não tinha forças nem mesmo para ficar sentada. Meu corpo estava em exaustão. Fiz minha terapia on-line logo cedo e ainda descrevi para a minha psicóloga que o que eu sentia, parecia um quadro de depressão profunda, mas não entendia como e porque uma depressão se manifestaria do dia para noite, ainda mais em uma das melhores fases da minha vida.
Eu estava a todo vapor! Trabalhando, treinando capoeira, indo pro samba, fiz novos amigos, estava empolgada com a produção de um documentário sobre o meu Mestre de capoeira. Tinha planos de vida, projetos de futuro, ações no presente. Não tinha como ser depressão o que eu estava vivendo, mesmo que, em meu corpo, parecesse.
Os sintomas foram súbitos e, em algumas horas, vieram as dores. Uma cólica intestinal que me fez gritar e quase desmaiar de dor. Depois as dores foram nas articulações e músculos. O sono era tão intenso que tive que desmarcar todos os meus pacientes. Não pude atender ninguém naquele dia e também na próxima semana. No final da tarde fiz uma febre e logo busquei atendimento médico na UPA próxima a minha casa. O médico afirmou categoricamente que era dengue. Voltei pra casa e, dois dias depois, percebi que o paladar e olfato estavam prejudicados. Era um domingo e fiquei desesperada quando cheirei o pó de café, os óleos essenciais e tantas outras coisas e meu olfato não respondia.
No dia seguinte, segunda-feira, fui fazer o exame e recebi o positivo para Covid-19. Me recordei de tudo o que descrevi no início desse relato e tive muito medo. Eu estava agora contaminada por um vírus que matou muita gente. Mesmo vacinada, com as três doses de vacina que era o quadro completo até aquele momento, os sintomas eram fortes. Fiquei grata a ciência e aos SUS pelas vacinas, se eu não tivesse vacinada nem quero imaginar como seria passar por isso. Então, foquei em apenas deixar meu corpo repousar o quanto pedia, até porque eu não conseguia fazer nada além de dormir. Segui os dias buscando me alimentar bem, mesmo que sem fome alguma, e me mantendo hidratada. A expectativa era que em alguns dias tudo iria passar e eu iria poder voltar à minha rotina agitada e animada.
Os dias foram passando e não tive muitas melhoras. Passado o período de contaminação, já negativada, tentei voltar à capoeira e meu Mestre percebeu que meu corpo estava rígido. Minha respiração estava curta e eu não aguentava nem mesmo gingar. Então entendi que era hora de fazer uma pausa na atividade que é tão importante pra mim. Isso me fragilizou, mas mantive ainda a perseverança de entender que era só uma fase. “Mais uns dias e vai passar” – pensei. Nesse período tive forças de ir à praia duas vezes tomar sol. Moro há 20 minutos caminhando da praia mais próxima e fazia parte da minha rotina fazer isso. Acontece que, chegando lá, estava tão exausta que só queria dormir. Meu corpo era um estranho agora.
Então comecei a observar meus sintomas e estudar sobre a Covid Longa ou Síndrome Pós Covid (SPC). Vou tentar explicar de forma simplificada para que todas as pessoas possam entender já que isso está acontecendo com muitas pessoas e está se tornando uma sequela não só de saúde, mas em todos os níveis da vida já que prejudica aos portadores no desempenho de seus trabalhos, afetando economicamente, assim como nas relações sociais e em todos os campos da vida. Muita gente está passando por isso sem saber do que se trata. Com esse autorrelato eu quero dizer a essas pessoas: você não está sozinha.
Até o começo desse ano a medicina entendia esses sintomas como psicossomáticos. Há muitos relatos de pessoas, incluindo profissionais de saúde e cientistas, que, ao buscar atendimento médico relatando os sintomas de SPC, ouviam dos profissionais que era “psicológico”. Isso, além de não amenizar os sintomas, faziam com que as pessoas experimentassem um desamparo que só piorava o quadro já que ninguém entendia o que estavam passando. Há poucos estudos produzidos, até porque é algo novo que estamos identificando. É muito possível que a sociedade como um todo só vá tomar consciência das sequelas em uns 2 anos.
Nem todo mundo tem os sintomas desde a fase aguda da doença como eu. Muitas pessoas começam a manifestar depois de 3 meses da contaminação. Estão bem, já retomaram suas vidas como antes e, “do nada”, os sintomas começam a aparecer. É muito comum que aconteça depois de voltar a praticar esportes. Por isso é fundamental que, após o período de contaminação do vírus, se faça exames para ver como está o quadro de saúde.
As sequelas podem se manifestar no sistema nervoso e distúrbios neurocognitivos, assim como em questões de saúde mental, processos metabólicos, distúrbios cardiovasculares, gastrointestinais, mal-estar, fadiga, dores musculoesqueléticas e anemia.
Existem mais de 200 sintomas listados para a Covid longa, entre eles os mais comuns são:
● Dores de cabeça
● Fadiga crônica (que é meu caso)
● Perda de olfato e de paladar
● Distúrbios do sono – insônia e hipersonia
● Dificuldades motoras, cognitivas e de memória: dificuldade para manter equilíbrio, segurar as coisas, executar tarefas simples, pronunciar palavras
● Disfunções sexuais (baixa na libído)
● Hipertensão ou hipotensão
● Problemas na tireoide
● Ansiedade e depressão
● Queda de cabelo, excesso de sudorese,
● Febre intermitente, falta de ar e tosse
● Dor muscular, fraqueza, dificuldade para ficar em pé
● palpitações cardíacas, pericardite
● Alterações gastrointestinais: diarreia, vômitos, perda de apetite
● dores nas articulações
São muitos relatos de depressão e ansiedade nesse quadro, o que pode acontecer por dois motivos: primeiro pela alteração que o vírus causa na célula e também porque a expectativa de retomar a rotina vai sendo frustrada dia após dia. Mesmo que a pessoa se esforce muito, a situação não melhora e isso desestabiliza o humor podendo desencadear ansiedade e depressão.
Ainda não sabemos a causa e nem tomamos consciência do impacto dessas sequelas. Mas, diante desse quadro, algumas coisas podem nos ajudar a suportar esses dias que parecem nunca ter fim. O conhecimento tem sido um grande aliado. Quando você sente tantas coisas que não sentia antes e não compreende o que está acontecendo com o seu corpo, a angústia acaba sendo maior. Quando você compreender que é uma questão de saúde do seu organismo, que não é porque você está fazendo algo de errado ou deixando de fazer algo que deveria ser feito, você consegue encarar essa dura realidade com um pouco mais de esperança, o que faz muita diferença e pode trazer muitas mudanças na vida e na forma como se relaciona com você. Tenho visto muitas pessoas relatarem que, depois de ter contraído covid, mudaram a forma como se alimentam, reviram as pessoas com quem se relacionam, começaram a praticar esportes, ou seja, começaram a cuidar mais de si. Isso não graças ao vírus, mas a resiliência delas mesmas.
Para eliminar o vírus, o sistema imunológico desencadeia um processo inflamatório que, em algumas pessoas, se torna mais acentuado, o que é chamado de tempestade inflamatória. Isso causa a liberação de substâncias que têm o potencial de lesionar órgãos e tecidos. Então, além de buscar atendimento médico com urgência e realizar exames de sangue, radiografia do pulmão, eletro e ecocardiograma e exame de urina, algumas medidas podem lhe ajudar a lidar com os sintomas:
● Repouso: não tente retomar as atividades e forçar seu corpo para que ele responda logo ao seu desejo de continuar de onde parou. Lembre-se que ele acabou de eliminar um vírus mortal e que está atravessando uma tempestade de inflamações que podem ou não se manifestar em muitos órgãos e vísceras. Imagine que teve uma guerra dentro de você e que os seus soldados, mesmo que vitoriosos, estão muito feridos. Eles precisam de repouso, de curativos e não de mais batalhas. Estressar seu organismo é uma péssima idéia!
● Boa alimentação: evite consumir produtos industrializados. Alimente-se bem e, se puder, procure uma nutricionista para lhe ajudar nessa fase.
● Beba muita água, mas MUITA mesmo! E se você for uma pessoa que manifesta fadiga crônica, inclui 2 garrafas de isotônico por dia, além da água para repor os eletrólitos.
● Repouso absoluto. Não force seu corpo a voltar a atividades físicas enquanto não tiver sentindo que se recuperou e, mesmo tendo energia, só o faça depois de realizar exames de pós covid. Muitas pessoas estão manifestando sequelas, especialmente cardiovasculares, no retorno às atividades físicas.
● Em caso de fadiga crônica, após avaliação médica para ver não é um problema, use meias de compressão e estimule suas panturrilhas para que o fluxo sanguíneo não se concentre só nos membros inferiores e possa ser impulsionado a voltar ao coração reverberando em todo seu organismo.
● Medite: a meditação pode favorecer seu sistema imunológico. O estresse aumenta o nível de cortisol no organismo e esse hormônio ataca o sistema imunológico. Então, a medição além de ajudar no combate a sintomas de ansiedade e depressão, impactam positivamente seu organismo como um todo.
● Foque em coisas que você queria fazer antes, mas não tinha tempo porque estava sempre com a vida agitada. Leia livros, se quiser e conseguir se concentrar; assista séries e filmes; desenhe… explore a sua criatividade. O ócio é o maior impulsionador da criatividade. Então, aproveite essa fase.
Aqui estou aprendendo a ter paciência, fé e aproveitando o tempo, quando tenho disposição para escrever. Inclusive, daí surgiu esse artigo para vocês. Um livro que estou escrevendo e estava parado há um tempo está tomando forma. Não tem sido fácil. Alguns dias sinto medo e muita saudades da minha rotina frenética, mas tenho aproveitado esse tempo para ver quantas habilidades dormentes tenho aqui e não manifestei por estar sempre ocupada.
Espero que esse artigo possa lhe ajudar a enfrentar esses dias difíceis até que a ciência encontre a cura para esse mal.
Se você não está passando por isso, mas conhece alguém que está passando, por favor, tenha paciência. Dizer coisas como “eu tive e foi só uma gripezinha” só vai fazer a pessoa se sentir pior. Ela já está enfrentando muita coisa, não queira ser você mais uma “coisa” para ela enfrentar, ou um gatilho para que se sinta ainda pior. Vamos tentar retomar o “ninguém solta a mão de ninguém” com respeito a dor do outro.
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✅Fernanda Alcantara
mulher, poetisa, amante da natureza humana e divina. Mochileira, viajante no mundo e nas ideias.
Psicóloga Junguiana e Psicoterapeuta Corporal CRP 06/123160
Se quiser conhecer meu trabalho como psicóloga é só chegar no instagram.com/apsi_taon
Mas se quiser conhecer a Nanda que também é psicóloga, além de ser uma caminhante pela vida e pelo mundo em busca de si, chega aqui no instagram.com/emocio.nanda
Referências bibliográficas:
WU, Mariana. Síndrome pós-Covid-19–Revisão de Literatura. Revista Biociências, v. 27, n. 1, p. 1-14, 2021.
PERES, Ana Cláudia et al. Dias que nunca terminam: sintomas persistentes relacionados à Síndrome Pós-Covid surpreendem pacientes e pesquisadores. 2020.
Revista Superinteressante: Covid longa: as novas descobertas e os possíveis tratamentos. Disponível Aqui.
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