Qual a diferença entre a prática psicológica (psicoterapia) e as práticas dos demais profissionais de saúde? Você já parou para pensar nisso?
Geralmente buscamos um profissional de saúde pensando nas possíveis situações: evitar o aparecimento de alguma doença, tratar uma doença instalada, reabilitar-se das sequelas produzidas durante o tratamento de uma doença, promover saúde e qualidade de vida, estética em geral.
Temos então uma escala que vai do ato de evitar uma doença, passando pelo seu tratamento, pela melhoria da condição pós-doença, por práticas de qualidade de vida e aspectos estéticos. Entenda aí uma gradiente, tal como as cores de um arco-íris.
Dificilmente um profissional de saúde não terá sua prática localizada nessa gradiente, e quando se fala profissional de saúde aqui, remete-se a profissionais como fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas, odontólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais etc. Eventualmente, o foco do trabalho será maior ou menor numa parte dessa grade, assim como poderá haver profissão que não faça uma dessas ações, mas, no geral, é possível localizar os pontos com um pequeno esforço.
Considerando essa introdução, você nota alguma diferença entre a prática da psicologia e as das demais profissões? Resumidamente, o fisioterapeuta trabalha com o corpo, o fonoaudiólogo com a voz/audição, o médico com as doenças, o nutricionista com a relação pessoa-alimentos, o odontologista com os dentes, o terapeuta ocupacional com os aspectos físicos e emocionais, e o psicólogo com as doenças mentais, as emoções, os ideais e os valores.
Olhando assim não parece haver problema, mas é aí que se escondem grandes dificuldades para alguém buscar o serviço de psicologia, devido à especifidade de sua prática em relação às demais.
Em todos os outros casos, embora os profissionais trabalhem com você, eles tratam aquilo que não diz respeito a você enquanto pessoa subjetiva, mas a você enquanto pessoa objetiva. É claro que para realizar um tratamento, todo profissional precisa saber quem você é, como você vive, o que você faz, o que você pensa, mas não necessariamente eles tratam essas questões.
Seu corpo, sua voz/audição, suas doenças, seus alimentos, seus dentes, seu físico/emocional são todos componentes seus, os quais você pode tratar. Mas existe uma diferença entre tratar esses componentes e tratar seus ideias e seus valores, suas emoções tomadas não pelo ponto de vista físico, mas pelo ponto de vista psíquico.
Temos aí a diferença:
Uma coisa é ter problemas nos dentes, com a alimentação, com a voz/audição, nas articulações, uma infecção no nosso corpo. Existem tantos motivos para ter problemas nesses componentes de nossa vida. Outra coisa, contudo, é ter problemas em nosso psiquismo, em nossa mente. Nesse caso há uma questão diferente, pois a mente não é exatamente um componente seu, mas é “você mesma(o)”, seu “eu interior”, seu “eu sou eu mesmo e pronto” e vários outros nomes que as pessoas colocam.
Encontrar uma dificuldade em si mesma(o) é algo tão fácil e corriqueiro quanto achar areia na praia. Entretanto, esse é um fato visto por muitas pessoas como um atestado de desequilíbrio, loucura, perturbação, histeria, perturbação, descontrole, insanidade. Pior ainda, é a confirmação dura e inverídica de que esses termos são pejorativos graves: eles mostram simplesmente que não existe um equilíbrio emocional que seja verdadeiro, comum e correto – mesmo que a sociedade nos exija isso, te exija isso.
Por outro lado, o que seria “encontrar um problema na mente”? É possível encontrar na mente problemas equivalentes aos encontrados por outros profissionais em suas práticas? A terapêutica é igual?
Mesmo que a terapêutica de profissões como fisioterapeuta, fonoaudiólogo e nutricionista precisem de sua participação no processo, você participa como aquela(e) que realiza o que é pedido ou que recebe a ação do profissional para conseguir chegar ao que é almejado.
Você pode ou não seguir o que está sendo colocado, pode ou não deixar o profissional intervir, poderá inclusive sentir-se desconfortável, incomodar-se com a proposta ou com a pessoa que te propõe, e isso vir a te perturbar nos pontos mais específicos de sua intimidade, na forma de lidar consigo mesma(o), mas esses profissionais não tratarão desses aspectos.
Quando se trata de aspectos mentais, contudo, considerando emoções, ideais e valores, o “lidar consigo mesma(o)”, esse “eu interior”, é exatamente o ponto no qual o psicólogo tocará. Melhor! Ele precisa tocar! Você não mexerá nos componentes de sua vida somente, mas naquilo que dirige esses componentes, que decide, que vivencia e experimenta essas vivências.
Entende como a situação muda?
Todo profissional que trabalha com terapêutica sabe que se o paciente não quiser, ele não fará o tratamento, e que se o paciente modifica sua disposição em relação aos problemas que vive, ele terá mais condições de lidar com os problemas e seguir adiante. Mesmo sabendo disso, nenhum profissional realmente trabalha com essa “disposição em relação aos problemas”, a não ser o profissional de psicologia.
Talvez aí tenhamos grandes dificuldades em procurar ajuda com um psicólogo. Provavelmente seja isso o que você passa. Afinal, quando você procura ajuda de um psicólogo, você está ciente de que ele tratará não de um componente seu, mas de você mesma(o) e de suas questões interiores.
A diferença entre as práticas provoca duas dificuldades:
1º dificuldade: Muita gente acha que procurar ajuda de um psicólogo por ter dificuldades de lidar consigo mesma é algo pejorativo e um atestado de fraqueza;
2ª dificuldade: Muita gente tem medo de lidar com suas próprias questões, acreditando que isso pode ser difícil ou impossível ou, ainda, que não precisa de ajuda e pode resolver sozinha(o).
Seria tão mais fácil se o psicólogo passasse um remedinho, não? Ou se chegasse ali, falasse algo e “pimba!”, você mudou completamente. Ou mesmo, se ele fizesse uma massagem na sua cabeça e você notasse uma liberdade maior na vida.
Ah, como seria fácil! Mas não é pelo simples fato de que você não é um componente seu, como são sua voz, sua alimentação, seus dentes, seu corpo etc. Então precisamos de seu envolvimento porque sem ele, nada acontece.
Se utilizarmos a velha metáfora da pessoa-carro, diríamos que cada profissional trata de uma de suas partes: lataria, motor, combustível, lanternagem, rodas etc. O psicólogo, diferentemente, trata do condutor do veículo. Simples assim – sqn.
De que adianta um carro perfeito com um condutor preocupado?
Haverá acidentes, na certa!
De qualquer forma, é uma decisão do condutor procurar ajuda para si ou para o carro – e há ainda tantos condutores que exageram no cuidado ao carro que, quem o vê, se dá conta de que o doente mesmo é ele, o condutor, e não o veículo.
Ao menos já tem acontecido de cada vez mais pessoas perceberem que quem procura um psicólogo, o faz por querer e precisar de ajuda profissional.
E você, tem buscado ou pensado a respeito? Pense nisso. São escolhas.
Nem toda escolha, entretanto, produzirá um efeito tão interessante quanto outras. Veja as que você realizará.
Um abraço!
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