PSICOLOGIA CLÍNICA

A dificuldade de desenvolver empatia na relação terapêutica.

Por Marina Dantas

“…O mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição…”
Renato Russo

No processo terapêutico, muitos são os comportamentos que o terapeuta deve emitir sob controle de seu cliente, como atentar-se a aspectos do relato (conteúdo, entonação e velocidade), aos comportamentos não vocais (gestuais), às emoções que acompanham o relato, além de uma série de habilidades ou déficits comportamentais que o cliente revela ao estabelecer relações diante de questões evocadas no processo terapêutico.

Estabelecer um bom vínculo com o cliente é essencial para manter a boa relação terapêutiCópia de empatiaca. Mas, é importante ressaltar que, para assegurar que o ambiente terapêutico seja fonte de estimulação e engajamento para o cliente, alguns repertórios básicos devem ser desenvolvidos no repertório do terapeuta. Além das habilidades descritas acima, a empatia é sem dúvidas um tipo de “comportamento-chave” emitido pelo terapeuta que fará com que o cliente se sinta à vontade, aumentando a probabilidade de que se exponha cada vez mais na relação terapêutica – proporcionando e facilitando esta manutenção.

Portanto, cabe ao terapeuta a responsabilidade de fornecer este ambiente “cor-de-rosa”, acolhedor e não punitivo que é base para o desenvolvimento da relação terapêutica.
E cá entre nós: quando dito desta forma fico com a impressão de que “ser terapeuta” implica em agir empaticamente – como um comportamento considerado pré-requisitos da nossa “to do list”. Mas será que é mesmo um processo tão natural para o terapeuta sensibilizar-se com o sofrimento de seu cliente? E como é possível desenvolver este tipo habilidade?

Calma! Vamos por partes.

De acordo com Del Prette & Del Prette (2001); e Rocha (2010), a empatia engloba três componentes: o cognitivo – responsável por compreender a perspectiva e emoções do outro; o afetivo – que diz respeito a capacidade de vivenciar de forma controlada a emoção do outro (compaixão); e o comportamental – que é a ação, neste caso do terapeuta, de se aproximar da perspectiva do outro e demonstrar benevolência para com seus sentimentos e emoções. Além disso, a empatia pode ocorrer de duas formas: por meio da verbalização e/ou da compreensão empática.

Pode-se compreender a empatia, como a capacidade de percepção, sensibilização e experienciação para com os sentimentos e emoções – positivas e negativas – de outros indivíduos. Ser empático envolve a habilidade para se colocar, metaforicamente, no lugar, na perspectiva do outro que sofre. É aceitar, compreender, escutar, validar se conectar e cuidar da experiência de sofrimento, independentemente de valores, julgamentos e crenças particulares de quem acolhe.

Segundo Del Prette & Del Prette (2001), proporcionar um ambiente pontualmente empático reduz a emissão de comportamentos aversivos presentes na fala do cliente, a médio e longo prazo, reforça positivamente o cliente a compartilhar dificuldades facilitando a comunicação, diminui a emissão de comportamentos autodestrutivos, e fortalece vínculos. Em contrapartida, o indivíduo que não se desenvolve em um ambiente empático – considera-se aqui o ambiente familiar e social, não aprende a ficar sob controle de consequências que pode afetar outros indivíduos, e está mais propenso a adquirir comportamentos agressivos e antissociais.

Diante desta compreensão, pode-se interpretar que a empatia é uma classe de comportamentos a ser emitido, neste caso pelo terapeuta, que deve consequenciar de forma acolhedora o relato de sofrimento do cliente. Este é um repertório que demanda além da sensibilidade do terapeuta, habilidade, treino e refinamento: comportamentos estes selecionados ontogenéticamente – tanto por outros clientes, quanto pela comunidade que treina e modela o terapeuta.

Para aperfeiçoar este padrão comportamental empático, Del Prette & Del Prette (2001) definiram três tipos de componentes:

Componentes verbais: envolvem falas do terapeuta indicativa de reconhecimento do sofrimento com a emissão frases que sintetizam o conteúdo (Ex: …Sei.. e aí você foi embora mesmo querendo ficar), juntamente com solicitação de reflexão (Ex:… o que consegue fazer agora?), e reflexão dos sentimentos (Ex: …é compreensível que você se sinta assim). Pode ou não ser acompanhado de comportamentos gestuais, que enfatizem o cuidado do terapeuta/acolhedor.

Componentes não verbais: Cabe ao terapeuta associar componentes verbais com comportamentos não vocais (gestuais), tais como a forma de olhar, gestos que acompanham harmoniosamente a fala, proximidade espacial em relação ao outro, etc.

Componentes paralinguísticos: Atenta o terapeuta para nuances do relato – entonação, volume, ritmo, pausa, que novamente, deverão ser associados com os componentes verbais.

Além destes três componentes é importante que o terapeuta aja de forma natural e neutra em relação ao conteúdo do relato trazido, e que seja capaz de observar comportamentos não verbais que podem indicar o grau de aversividade do que está sendo dito, ou ainda, padrões comportamentais que se distanciem do habitual do cliente.

Empatia (1)

E quem disse que esta é uma habilidade terapêutica fácil?
Afinal, o que é sofrimento para o outro nem sempre é sofrimento para mim.

Acredito que dentre estes, o exercício mais difícil para o terapeuta seja o de considerar como válido e real todo e qualquer sofrimento relatado a partir da perspectiva do falante. Anterior a adquirir a habilidade de ser empático, o terapeuta deve se desprender de quaisquer características pessoais: deve ser capaz de separar, genericamente, o “indivíduo pessoal” do “indivíduo profissional”.

A partir do momento em que entrar no setting clínico deverá fazer o exercício de deixar da porta pra fora qualquer tipo de valor, pré-conceito, credo, gênero ou raça, e ser capaz de desempenhar um papel plenamente sensível e genuíno, sem banalizar ou pré-julgar como não sofrimento o conteúdo relatado. Deve-se deixar ser moldado e modelado a partir do relato do cliente e com isso acolher, validar e se conectar da melhor forma possível com o sofrimento trazido – de maneira particular com cada um.

Nem sempre será uma tarefa fácil – e tudo bem, faz parte! Ser um terapeuta empático requer muita prática: dependerá de autoconhecimento pessoal, principalmente ético e moral, no que diz respeito também a respeitar os próprios limites enquanto “indivíduo pessoal” e “indivíduo profissional”, que serão construídos à medida que o terapeuta vai se desenvolvendo e adquirindo experiência.

A seguir recomendo uma animação que ilustra de forma simples e resumida o conceito de Empatia: Mais informações vejam o vídeo: Citações e referências em sites e páginas web (3 min. 01 sec.)

Imagem de capa: Shutterstock/Pressmaster

TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE

Referências Bibliográficas

Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivencias para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.

Rocha, G. V. M. Empatia. In: Paula Inez Cunha Gomide. (Org.). Comportamento Moral. 1ed.Curitiba: Juruá Psicologia, 2010, v. 1, p. 69-80.

Skinner, B.F. (1989). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes. (Publicação original de 1953).

Zamignani, D. R. (2008). O desenvolvimento de um sistema multidimensional para a categorização de comportamentos na interação terapêutica. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo.

 

Psicologias do Brasil

Informações e dicas sobre Psicologia nos seus vários campos de atuação.

Share
Published by
Psicologias do Brasil

Recent Posts

Veja esta série na Netflix e ela não sairá mais da sua mente

Esta série que acumula mais de 30 indicações em premiações como Emmy e Globo de…

1 dia ago

Filme premiado em Cannes que fez público deixar as salas de cinema aos prantos estreia na Netflix

Vencedor do Grande Prêmio na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e um…

1 dia ago

Série ousada e provocante da Netflix vai te viciar um pouco mais a cada episódio

É impossível resistir aos encantos dessa série quentíssima que não pára de atrair novos espectadores…

2 dias ago

Influenciadora com doença rara que se tornou símbolo de resistência falece aos 19 anos

A influenciadora digital Beandri Booysen, conhecida por sua coragem e dedicação à conscientização sobre a…

3 dias ago

Tatá precisou de auxílio médico e passou noites sem dormir após acusação de assédio, diz colunista

"Ela ficou apavorada e disse que a dor de ser acusada injustamente é algo inimaginável",…

3 dias ago

Suspense psicológico fenomenal que acaba de estrear na Netflix vai “explodir sua mente”

Será que você é capaz de montar o complexo quebra-cabeça psicológico deste filme?

3 dias ago