A frase “diga-me do que você se gaba e eu direi o que lhe falta” serve para resumir aqueles casos em que uma pessoa se atribui uma virtude, mas não demora em dar sinais que contradizem a si mesma. Nesse caso, o “promovido” é alguma característica ou atributo que a pessoa concede a si mesmo.
Nem sempre uma pessoa que fala com orgulho sobre o que fez desenvolve essa lógica. O que indica a existência desse mecanismo de presumir justamente do que se carece é o fato de que existe “algo a mais” nessa atitude. A pessoa enfatiza demais o fato e com bastante frequência. Tem a si mesma como centro da atenção. Há um exagero que é notório.
Na verdade, quem está imerso nesse mecanismo não é consciente disso. Pelo contrário. A pessoa acredita realmente que promover certas ideias ou valores, fazendo uso de si mesma como modelo, é uma ideia genial. No fundo, sua intenção não é tanto convencer os outros, mas persuadir a si mesma de que isso é verdade. Estão o tempo inteiro tentando provar aquilo que pregam com ações e argumentos concretos.
O que parece um vigarista que exalta mais do que aplica é na verdade uma pessoa presa no centro de um mecanismo de defesa. Esse mecanismo é conhecido como “formação reativa” e consiste em dar início a um comportamento para evitar um desejo reprimido. Em outras palavras, a pessoa deseja algo que parece censurável. E para se defender desse impulso inconsciente, começa a atuar forçando-se a fazer tudo ao contrário.
Sobram exemplos. É o caso de quem deseja comer até ficar cheio, mas acredita que esse desejo é reprovável porque pode engordar e ser rejeitado. Então se dedica de forma dramática a seguir dietas e a ter nojo de fast food. Ou quem tem desejos sexuais muito intensos, mas os considera pecaminosos e por isso arma uma cruzada em nome da castidade.
Muito mais comum é o caso das pessoas que fazem de tudo para chamar a atenção de alguém que no fundo odeiam ou desprezam. Não é que a pessoa minta ou finja de propósito, mas sim que é incapaz de reconhecer seus próprios sentimentos devido à censura moral que impõe a si mesmo.
A formação reativa pode estar dirigida a um aspecto específico como, por exemplo, a ordem ou o higiene. Mas também pode converter-se num padrão de conduta que se instala na estrutura da sua personalidade. Nesse caso, existe uma espécie de “personalidade falsa” em que praticamente todas as ações de um indivíduo estão dirigidas a sustentar essa máscara. São o tipo de pessoas a quem se diz “que se gaba do que não é”.
O que dificulta a expressão do desejo é uma consciência moral extremamente rígida, ou um mandato externo que a pessoa tem medo de transgredir. Por isso ela se gaba do que não é, sem que realmente essa seja sua intenção. O que permite identificar que um mecanismo de formação foi iniciado é a ênfase ou o exagero das palavras ou das ações. Os “Nãos” são bastante contundentes, ou os “Sim” especialmente remarcados, são sinais de que existe um desejo oculto que orienta ao contrário.
Atualmente as redes sociais vêm sendo um autêntico catálogo desse mecanismo. Às vezes parece que foram feitas precisamente para que cada pessoa prove ser “algo” que provavelmente não é. Exibem fotos sorridentes, ainda que não estejam felizes como parece. Vangloriam-se de viagens, de novos trabalhos, de conquistas, mas algo de errado existe quando você precisa que outros o reconheçam.
As formações reativas podem dar lugar a uma personalidade obsessiva. Vangloria-se de ser algo que não é, ou de pensar em algo que não pensa, e para poder sustentar esse autoengano você tem que estar alerta o tempo inteiro. Vigiar-se constantemente e provar a cada momento que você não é merecedor de nenhuma suspeita. A situação pode tornar-se esmagadora porque o desejo reprimido retorna de novo e de novo, e você vai se sentir cercado por ele.
Nessa ânsia para colocar sob controle o desejo inconsciente que você não quer aceitar, é possível que você chegue a experimentar uma grande dose de angústia. É possível gerar uma enorme tensão interior, entre aquilo que você tenta expressar e o enorme esforço que você deve fazer para “manter a linha”.
Nessas condições, sua força pode desmoronar e é possível que você desenvolva condutas compulsivas. Por isso, você não deve esquecer os desejos, independente do que eles sejam. Lembre-se de que eles se tornam inofensivos unicamente quando você os reconhece e decide, conscientemente, se vai colocá-los ou não em prática.
Imagem de capa: Shutterstock/Tono Balaguer
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