Por Nathalie Ayres
Sabe aquelas pessoas que vivem no mundo da lua? Parece que enquanto a cabeça está lá nas alturas, é o corpo apenas que fica circulando aqui embaixo, e nem sempre fazendo o que deve! Muitas vezes qualquer pessoa pode acabar ligando o piloto automático, e simplesmente ir executando suas tarefas sem prestar realmente atenção no que está fazendo.
Mas existe um limite entre a pura e simples distração e o déficit de atenção (TDAH). E muito se engana quem pensa que o problema tem que estar sempre associado à hiperatividade. A psiquiatra clínica Evelyn Vinocur nos ensina que o quadro pode ser dividido em três tipos: predominantemente desatento, o predominantemente hiperativo-impulsivo e o combinado (que mistura os dois outros). “Em princípio, você até pode confundir o TDAH de tipo desatento com uma simples distração natural. Mas, se conviver um tempo com a pessoa, você vai perceber que é uma qualidade diferente de distração”, assinala a especialista. Como podemos diferenciar? Confira as principais diferenças entre cada um desses problemas:
O primeiro diferencial entre desatenção e déficit de atenção é a duração: “a distração comum é passageira, tem um início e um fim. Cessa quando cessa o estímulo que a causa”, explica a psiquiatra clínica Evelyn Vinocur. Para o psicólogo Fernando Elias José, especialista em cognição humana, o principal sintoma é quando a falta de atenção começa a atrapalhar o dia a dia. Por exemplo, quando ela não consegue se concentrar de forma alguma em uma tarefa importante que exige atenção.
De qualquer forma, existem alguns critérios para o diagnóstico: no caso do TDAH tipo desatento, o adulto ou a criança precisam apresentar, no mínimo, seis características marcantes de falta de atenção, como dificuldade de concentração em uma aula ou palestra, problemas de memória de curto prazo e facilidade para desviar a atenção de uma tarefa. Em caso de desconfiança desse tipo de diagnóstico, vale consultar um psiquiatra ou psicólogo e fazer o teste completo.
Normalmente o déficit de atenção surge na infância, e dois terços delas costumam levar o problema para a idade adulta. Quanto mais cedo você descobrir o problema, melhor! Nas crianças os sintomas são um pouco diferentes do que nos adultos. “A desatenção faz com que a criança passe a não entender todo o conteúdo das aulas e que, consequentemente, perca o interesse pelos estudos e até pela escola, uma vez que ela comete muitos erros por distração, não entende direito o que é falado”, explica a psiquiatra Evelyn. Quando a criança começa a apresentar esse tipo de sintoma, vale os adultos ficarem mais de olho.
Porém, como muitas vezes os pais e professores percebem o TDAH devido à hiperatividade, uma criança com o tipo desatento pode não ser diagnosticada, até porque ela pode conseguir executar suas tarefas e atividades, só precisará de mais energia para isso.
A distração pode ser causada por diversos tipos de fatores. “Fome, problemas de difícil resolução e até mesmo um sapato apertado podem tirar sua atenção”, enumera a psiquiatra Evelyn. Ter muitas coisas em mente também acaba tirando o nosso foco do aqui e agora, e isso é normal!
Já no caso de uma pessoa diagnosticada com déficit de atenção, nem sempre a distração terá uma razão. Aliás, o que a motiva é uma questão neurológica: há uma desregulação na operação das regiões pré-frontal, fronto-estriatal, límbica e cerebelar, que são as áreas cerebrais responsáveis pela atenção e pelos impulsos, como nos ensina a especialista. Por isso, elas só respondem a tarefas com alto grau de motivação que ativam as áreas de prazer do cérebro.
No caso da TDAH, investiga-se ainda o que possa motivar o aparecimento do problema. Algumas evidências mostram que isso pode ser genético, como aponta a psiquiatra Evelyn. “Não raro, um dos pais e/ou outros membros da família são diagnosticados como portadores de TDAH durante a consulta da criança”, explica a especialista.
Já a distração em si é causada por uma questão de automatismo. “Algumas atividades acabam ficando fixadas em nossa mente pela repetição, é o que chamamos de memória implícita”, explica o psicólogo Fernando Elias José, especialista em cognição humana. Por isso mesmo, ao fazer essas tarefas, como dirigir, nós não precisamos prestar 100% de atenção. E às vezes acabamos prestando nenhuma mesmo!
Pessoas com déficit de atenção normalmente tem o cotidiano afetado pelo problema – tanto que esse é um dos critérios de diagnóstico! “O TDAH é uma disfunção executiva, o que traz inúmeros prejuízos na vida da pessoa. No caso da criança, é comum que ela tenha dificuldade de manter atenção e seguir instruções, pareça não escutar e seja desorganizada. Já o adulto erra por descuido, esquece e perde as coisas e tem dificuldade de completar tarefas”, enumera a psiquiatra Evelyn.
O distraído também precisa tomar cuidados! Se a pessoa não presta atenção ao trânsito, por exemplo, já que dirigir é um dos atos de memória implícita, ações causadoras de acidentes podem acontecer, como passar um sinal vermelho ou não perceber uma ultrapassagem. Muitas vezes uma mudança na rotina pode ser esquecida. Isso que acaba sendo a causa de pais esquecerem as crianças no carro, por exemplo.
Para um desatento comum, a melhor forma de desligar o piloto automático é o óbvio: prestar mais atenção! Quando a falta de foco está atrapalhando o dia a dia, sair das situações de conforto é a melhor saída, explica o psicólogo Elias José. Se seu carro já o leva automaticamente ao trabalho, por exemplo, por que não mudar um pouco o caminho? A auto-observação é a melhor forma de fazer isso! Mas mexer o corpo também é útil. “Já existem comprovações de que exercícios físicos podem ajudar na memorização e atenção”, conta o especialista.
No caso de quem tem déficit de atenção, esse tipo de técnica pode ajudar, mas sempre será preciso aliá-la com outros métodos. A medicação é a mesma para qualquer tipo de TDAH. “Os psicoestimulantes são bastante eficazes para os sintomas de hiperatividade e impulsividade (em torno de 70-80%) e tem em torno de 50% de eficácia para a desatenção tanto nas crianças como nos adultos”, relaciona a psiquiatra Evelyn.
O acompanhamento do transtorno de déficit de atenção normalmente é multidisciplinar e vai além da medicação. “Muitos pacientes usam a psicoterapia focada e direcionada. No caso a terapia cognitiva-comportamental é o que costuma dar mais resultado nos pacientes”, conta o psicólogo Elias José. Técnicas como coaching para TDAH também são alternativas.
O neurofeedback também pode ajudar. O tratamento consiste em ensinar a pessoa a controlar alguns estímulos de seu corpo, através de um gráfico com linhas que mudam de posição conforme o estímulo correto ou errado, ou com a interface de jogo. “A pessoa com TDAH tem uma alteração sinal eletroencefalográfico, que é captada pelo nosso aparelho. Usamos então um jogo, que tenha uma figura se mexendo. A figura só se moverá da forma correta quando a pessoa controlar esse sinal” explica Jerri Godoy, fisioterapeuta sênior do Centro de Reabilitação do Hospital Israelita Albert Einstein.
Imagem de capa: Shutterstock/graphbottles
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