Distúrbios do sono podem causar situações desconfortáveis, perigosas e até assustadoras

Por Juliana Forner

Passamos um terço da vida dormindo. O que parece uma perda de tempo para muita gente é uma atividade essencial para a saúde. Durante o sono, o organismo volta à condição na qual iniciou o dia, com um repouso que inclui relaxamento muscular e redução da pressão arterial, dos batimentos cardíacos e da produção de urina. É também o momento de consolidação da memória e de termorregulação, o controle da temperatura corporal. Além disso, diversos hormônios são fortemente influenciados pelo sono, como a insulina, que controla a glicose no sangue, a leptina, responsável pela saciedade, a grelina, que estimula o apetite, e a somatotrofina, que age no crescimento.

Fábio Maraschin, pneumologista especializado em medicina do sono, afirma que dormir de forma adequada é um dos três pilares fundamentais para se ter uma vida saudável — os outros são exercício físico regular e boa alimentação. Para ele, dormir bem significa ter ritmo (sono regulado, com um horário para dormir e outro para acordar), quantidade (varia de pessoa para pessoa) e qualidade, ou seja, um sono reparador, sem interrupção, que impede a sonolência ao longo do dia.

— A privação do sono é um problema sério. Nós vivemos em um mundo maluco, corrido, falta hora para dormir. E as pessoas acham que não é importante — considera o médico.

Uma pesquisa divulgada em 2009 pela Associação Brasileira do Sono mostrou que 43% dos brasileiros não tinham um sono restaurador e apresentavam sinais de cansaço no decorrer no dia.

Não se sentir descansado mesmo após uma noite aparentemente normal pode ser um indicativo de distúrbio, o que, além de diminuir o bem-estar e a produtividade na rotina, pode levar a quadros mais graves, como doenças cardiovasculares e depressão.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 40% da população apresenta algum tipo de distúrbio do sono. Insônia, terror noturno, apneia e sonambulismo são alguns deles. Conheça os tipos mais comuns e também os mais assustadores.

Paralisia do sono

“Deitando para dormir, eu me sentia estranhamente exausta. Meus olhos se fechavam, minha boca se fechava. Tudo desligava, menos minha atenção, minha consciência.”

“Eu tinha zero controle do meu corpo. Não importava o quanto eu tentasse, não conseguia mover meus braços, minhas pernas.”

“Você está acordado, completamente paralisado, sem conseguir se mexer.”

“Eu comecei a ouvir vozes, gritos e choros.”

Os relatos acima poderiam pertencer à trama fictícia de um filme de terror. Os depoimentos são verídicos, parte do documentário O Pesadelo, lançado neste ano. Dirigida por Rodney Ascher, a obra trata da paralisia do sono, um distúrbio relativamente comum, caracterizado pela total falta de mobilidade do corpo por um momento, normalmente ao acordar (mais raramente, antes do adormecer), por mais que a pessoa esteja consciente. Em alguns casos, o fenômeno pode ser acompanhado de alucinações, motivo suficiente para tornar a realidade assustadora — e o documentário, composto também por encenações das experiências dos entrevistados, aterrorizante.

O sono é formado por dois estágios: o REM (sigla do inglês, que significa movimentos rápidos dos olhos), caracterizado por uma atividade cerebral mais rápida e de baixa amplitude, e o não-REM, mais lento, que, por sua vez, é subdividido em três fases, de acordo com a profundidade. No REM, ocorrem os sonhos mais vívidos e o relaxamento muscular é máximo. Ambos vão se alternando ciclicamente ao longo da noite. Enquanto dormimos, o corpo é condicionado a não responder aos incentivos do sonho. Na paralisia do sono, o cérebro acorda de um estado REM, mas o corpo segue paralisado.

— O cérebro entende que você ainda está dormindo. A mente acorda, e o corpo, não. Algumas pessoas não conseguem nem abrir a pálpebra — explica Fábio Maraschin, pneumologista especializado em medicina do sono.

Não se sabe exatamente o que leva às alucinações, mas uma das hipóteses é que elas sejam fruto de um estado de pânico iminente, e o cérebro está hiperalerta. Conforme Luciana Palombini, médica especialista na área e membro da Associação Brasileira do Sono (ABS), a paralisia do sono pode acontecer com pessoas saudáveis:

— Ela está bastante relacionada ao estresse, à falta e à irregularidade do sono. Há estudos que dizem que é genético.

O fenômeno também é um dos sintomas da narcolepsia, doença em que a pessoa adormece em momentos inesperados, causada pelo déficit de um neurotransmissor estimulantes (a hipocretina) no cérebro.

— Pacientes com narcolepsia têm intrusão do sono REM quando estão acordados. Há perda de força muscular (a pessoa pode adormecer e cair), paralisia do sono e sonolência diurna efetiva — define Fábio.

Luciana afirma que existe medicação para conter o distúrbio da paralisia do sono, mas, como os efeitos colaterais são significativos, somente em casos de narcolepsia os remédios costumam ser indicados. Para quem sofre somente do primeiro mal, a médica sugere relaxar e tentar movimentar os olhos de um lado para o outro. Ter uma boa higiene do sono, ou seja, tudo aquilo que envolve a preparação para dormir, também ajuda.

Respiratórios

A apneia e o ronco são distúrbios de origem respiratória e também os mais comuns entre toda a população.

A apneia obstrutiva do sono é caracterizada por pausas na respiração associadas a repetidas quedas na quantidade de oxigênio nas artérias durante o sono. A parada (apneia) ou a redução (hipopneia) do fluxo de ar pelas vias aéreas dura pelo menos 10 segundos. Segundo Fábio Maraschin, cada vez que ocorre uma apneia, o cérebro estimula a pessoa a acordar e voltar a respirar:

— Ela pode não ter consciência, mas tem vários microdespertares e o sono fica fragmentado.

Além disso, como entra menos oxigênio no organismo, o distúrbio aumenta o risco de doenças cardiovasculares.

De 90% a 95% dos casos de apneia, de acordo com a Associação Brasileira do Sono, são acompanhados por ronco, problema causado pelo estreitamento ou mesmo obstrução das vias respiratórias. Sozinho, o problema pode não ser prejudicial, mas serve de alerta para a apneia.

Luciana Palombini afirma que a apneia ocorre em todas as idades e todos os gêneros, mas é mais recorrente em homens de meia-idade com excesso de peso. As crianças apresentam respiração ruidosa, têm sono agitado e normalmente transpiram muito ao dormir.

— Nelas, o distúrbio pode causar déficit de atenção — diz.

Sono primeiro, depois cirurgia

O bancário Luciano Trindade, 39 anos, morador de Cachoeirinha, é diagnosticado com obesidade mórbida. Estava em busca daquela que seria a última autorização para fazer a cirurgia de redução de estômago, em outubro do ano passado, quando a esposa comentou ao médico que o marido roncava muito. Por precaução, foi solicitado a polissonografia, exame que monitora o sono, e Luciano foi diagnosticado com apnéia severa — acima de 30 ocorrências em uma hora.

— Durante o dia, quando eu precisava ficar atento, ficava, mas se era uma atividade mais parada, como uma reunião, eu dormia mesmo. Ou então se estava pegando carona, o sono vinha muito rápido — contou.

A redução de estômago foi adiada. Fabio Maraschin justifica que o ideal, para se fazer qualquer procedimento cirúrgico, é que o paciente esteja o mais saudável possível. No caso de Luciano, o risco seria maior porque as células e o organismo como um todo estariam menos oxigenados.

— Além disso, depois dessa cirurgia, o paciente tem que estar disposto a seguir um plano de alimentação e exercício. Se ele não dorme direito, pode ficar sem disposição para isso — concluiu.

Foi recomendado que Luciano usasse o aparelho Cpap (aparelho de pressão positiva), uma máscara que auxilia na respiração, por quatro meses, mas ele acabou usando durante um ano.

— Demorei para marcar a cirurgia e segui usando. A qualidade do sono, tanto minha quanto da minha mulher, melhorou muito — opinou Luciano.

Terror noturno

Mais comum entre as crianças, o terror noturno é uma parassonia — distúrbios de movimentos anormais durante o sono — em que o indivíduo grita, como se estivesse sendo atacado. Depois, ele acorda desesperado. Os episódios costumam ter duração de um a três minutos.

O problema não é sinônimo de pesadelo, situação na qual a pessoa acorda ao se assustar e sentir medo. No terror noturno, os gritos e a agitação ocorrem quando se está dormindo. Além disso, os pesadelos ocorrem no sono REM e o terror noturno, no não-REM.

Sexomnia

A sexomnia também é um tipo de parassonia. A pessoa que sofre desse distúrbio tem comportamentos sexuais enquanto dorme. Ela não percebe que está fazendo tais atividades (normalmente, masturbação) e, quando acorda, não lembra do ocorrido. Rara, a síndrome passou a ser classificada como um distúrbio do sono recentemente.

— É um sonambulismo com comportamento sexual. O tratamento pode ser comportamental ou com medicação — explica Luciana.

Esse distúrbio ocorre durante o estado de sono não-REM.

Sonambulismo

Também classificado como parassonia com manifestação no estado não-REM, o transtorno se caracteriza pela realização de atividades motoras sem que o indivíduo tenha total consciência do que faz. Parte de suas funções cerebrais continua adormecida, e ele fica em um estado de transição entre o sono e a vigília.

Normalmente, os episódios ocorrem uma ou duas horas depois que a pessoa adormeceu, duram de poucos segundos a meia hora e terminam quando ela acorda ou volta para cama para continuar dormindo. Na manhã seguinte, a pessoa não lembra ou recorda muito pouco do que aconteceu.

Transtorno alimentar noturno

Outra parassonia, o transtorno alimentar noturno envolve ingestão calórica durante o sono, ou seja, a pessoa se levanta para comer. Nesse distúrbio, a pessoa também não tem plena consciência do que está fazendo e pode não lembrar do episódio no dia seguinte.

Luciana salienta que é importante realizar uma polissonografia (exame do sono), pois, em alguns casos, o paciente pode apresentar outras síndromes. O tratamento inclui medicação e mudanças comportamentais.

Síndrome das pernas inquietas

Entre os distúrbios do sono mais comuns também está a síndrome das pernas inquietas — segundo a Associação Brasileira da Síndrome das Pernas Inquietas, estima-se que o problema acometa 5% da população geral e 15% da mundial adulta.

Nela, o indivíduo queixa-se de um desconforto nas pernas quando vai repousar, o que leva a uma necessidade compulsiva de mexê-las. Movimentos involuntários nos membros inferiores durante o sono e a vigília também ocorrem em aproximadamente 80% dos casos.

O distúrbio pode ter diferentes causas. Uma delas é genética, quando o problema é chamado de primário ou familiar. Anemia e baixos níveis de ferro no sangue já foram associados a esses sintomas, assim como outras doenças crônicas (problemas neurológicos e renais) e transtornos de hiperatividade e déficit de atenção. Algumas mulheres desenvolvem a síndrome das pernas inquietas durante a gravidez.

Insônia

Outro problema frequente é a insônia, caracterizada pela incapacidade de iniciar ou manter o sono. Geralmente causada por hábitos inadequados, ela pode estar relacionada a distúrbios do humor, como ansiedade e depressão — segundo Fábio Maraschin, é difícil identificar qual dos dois vem primeiro.

Se os sintomas ocorrerem pelo menos três vezes por semana e por mais de três meses, a pessoa tem um quadro crônico. De acordo com Luciana, a insônia é mais comum entre as mulheres:

— Essa incidência está relacionada a questões hormonais e também comportamentais. O público feminino tem tendência de culminar pensamentos durante a noite.

A especialista afirma que a insônia é o terceiro maior motivo de procura por ajuda médica quando o assunto é sono. Para o tratamento, normalmente é necessária uma mudança na rotina, como reduzir estímulos ao cérebro durante a noite, diminuir a luminosidade, não trabalhar em horários próximos ao de dormir e evitar cafeína.

Fonte indicada: Zero Hora 

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