A trama do filme Divertida Mente, a mais recente animação da Pixar, é dividida em duas aventuras intimamente relacionadas. A primeira é a aventura no plano da vida real: Riley é uma menina que se muda da cidade em que nasceu, no meio oeste americano, para a ensolarada São Francisco, na Costa Leste. Longe de tudo o que é familiar – sua casa, seus amigos, sua escola, a neve e seu time de hóquei no gelo -, Riley encara o desafio de construir uma vida em outro lugar. Seus pais estão passando por esse mesmo desafio, se ajustando à nova vida, novos arredores e um novo trabalho. Felizmente para eles, Riley é uma menina feliz, que nunca reclama, atitude que alivia esse processo estressante e difícil de mudança de vida.
A segunda aventura se passa dentro do cérebro de Riley, que é comandado por cinco emoções: Alegria, Tristeza, Nojinho, Medo e Raiva. Alegria é a emoção dominante e, enquanto cada uma exerce sua função, a Tristeza tende a ser excluída o máximo possível – uma metáfora poderosa para a repressão dos sentimentos, como disse A. O. Scott. Quando a Tristeza começa a dominar algumas memórias chave, a Alegria tenta controlar a situação e, como resultado, as duas emoções saem do seu “centro de controle” e o caos se instaura.
Enquanto espectadores, caímos perfeitamente na armadilha narrativa: de início, tendemos a estar do lado da Alegria, afinal, a Tristeza só estragaria momentos felizes e, com uma atitude sempre para baixo, colocaria em risco a felicidade de Riley. Entretanto, a história avança e a Alegria fica mais maníaca e desesperada para não deixar a Tristeza entrar, reprimindo a emoção a qualquer custo.
É quando a Alegria testemunha a Tristeza consolando um amigo, que percebe aquilo que nós esquecemos bastante: que a tristeza tem uma função importante no nosso desenvolvimento emocional. Ficar triste é normal, e a tristeza não é inimiga das demais emoções, mas sim uma emoção articulada com todas as outras que habitam nossas mentes. O filme é muito perspicaz e acertado também ao mostrar que a entrada para a depressão de Riley não vem do domínio da Tristeza, mas sim da ausência das emoções. Sem conseguir sentir nada, suas decisões se tornam confusas e, quando a Tristeza volta e Riley se permite senti-la, ela pode assimilar as dificuldades pelas quais está passando e expressá-las para seus pais.
O filme já saiu da maioria das salas de cinema, mas deixou pelo caminho uma oportunidade rica de refletirmos sobre a história. Durante toda a narrativa, os pais contam com a felicidade constante de Riley e, com uma atitude que a princípio parece ser positiva, acabam sufocando suas emoções, não deixando espaço para que a filha, passando por um turbilhão de emoções, possa expressá-las. Vivemos em uma era que valoriza a felicidade e alegria acima de todas as coisas, e isso é uma pressão enorme para todos. Nós nos sentimos pressionados o tempo inteiro a estarmos felizes ou, ao menos, aparentarmos felicidade, o que acaba reprimindo qualquer outra emoção.
Estar feliz é ótimo, mas não sentir qualquer outra emoção não é saudável para um desenvolvimento emocional completo. Temos uma série de emoções – que vão muito além das cinco que habitam o cérebro no universo de Divertida Mente -, que servem a diferentes funções, cada uma com sua importância. O valor, portanto, de fazer um filme em que a tristeza salva o dia é mostrar, para crianças e adultos, que mudanças podem ser muito difíceis, e que é normal sofrer um pouco e ficar triste também.
Que tal conversar com as crianças sobre o que elas acharam do filme e aproveitar para pensar junto sobre as diferentes emoções que sentimos? E quem não teve a oportunidade de assisti-lo, fica nossa dica, assim que estiver em circulação novamente.
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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