Frequentemente, casais decidem pelo divórcio, mas postergam o processo para preservar os filhos. Até que ponto adiar a decisão beneficia a família?
Nos dias atuais, o divórcio parece já ter deixado de ser tabu. A sociedade tem sido mais receptiva a aceitar sem julgamentos as diferentes composições de família. Porém, quando o casal que possui filhos decide se divorciar, costumam carregar dúvidas e preocupações frequentes relacionadas aos traumas que o processo possa desencadear em seus filhos, optando por adiá-lo.
Mas, afinal, mesmo que existam as melhores das intenções neste gesto, será que esta é a melhor escolha em todos os casos?
É compreensível que os pais possuam preocupações ao considerar que são referências importantes na vida de seus filhos, independentemente da idade que eles possuem. E por esta mesma razão, dependendo da qualidade da dinâmica que a família possui no momento atual, enquanto adia o processo de divórcio, por serem referências importantes, preservar os filhos desta exposição ao adiamento é fundamental. Por quê?
Escolhemos alguns pontos em comum de benefícios e prejuízos vividos neste momento, com objetivo de elucidar reflexões agregando conhecimento para contribuir na segurança demandada para tomada de decisões, adoção de postura ou comportamentos, zelando pela estrutura familiar e contribuindo que as mudanças ocorram com a maior naturalidade possível.
Muitos casais que decidem se divorciar possuem inúmeros conflitos e assuntos mal resolvidos. O acúmulo de emoções que costuma combinar mágoas e raiva resultam na convivência e comunicação insustentável. Ao postergar o processo de divórcio para preservar os filhos, o casal que vive nesta dinâmica estará afetando-os da maneira oposta – expondo ao invés de preservar.
Crianças ou adolescentes expostos a dinâmica familiar que se comunica de forma violenta e brigam com frequência, podem sofrer inúmeros prejuízos a curto, médio e longo prazo. O curto e médio prazo costumam ser percebidos:
• humor triste,
• vergonha,
• baixa autoestima,
• sentimento de inadequação,
• comportamentos introspectivos,
• dificuldades de concentração,
• queda no rendimento escolar.
A longo prazo, a criança poderá apresentar dificuldades em estabelecer relações afetivas sólidas e estáveis, possivelmente por carregar memórias cognitivas e emocionais sobre a construção de família, considerando a possibilidade de desestruturação e mágoas como resultado.
Por maiores que sejam os desentendimentos entre os parceiros, ao optar em postergar o processo de divórcio por alguma razão, seja por razões práticas (recursos financeiros, divisão de tarefas ou preservar os filhos da exposição a este tipo de trauma), a escolha se tornará viável apenas diante do consenso e acordo do casal em zelar pelo respeito e bom senso. Neste sentido, é indicado que ambos façam um acordo de convivência sobre momentos de lazer, espaço, privacidade e demais fatores que acreditarem ser necessários, na tentativa de diminuir ao máximo as chances que confrontos e conflitos sejam expostos na presença dos filhos.
O tom de voz e o vocabulário escolhido para se comunicar devem compor um diálogo harmonioso. E mesmo que o desejo de divórcio seja um próximo passo implícito, postergar dentro destas condições só se tornará possível se for a vontade de ambos. Por isso, nenhum dos integrantes do casal pode possuir falsas expectativas de reconquista ou de que o plano pode ser mudado no meio do caminho supondo previamente que tudo voltará ao normal.
Além disso, os momentos em família devem acontecer naturalmente, preservando a dinâmica e funcionamento entre ambos que deverá perpetuar mesmo após a separação, considerando que a estrutura familiar ainda estará preservada, apenas mudará sua organização.
Quando a decisão é de fato tomada e se inicia o processo de divórcio, é muito importante que os filhos participem desta decisão podendo esclarecer dúvidas. É comum que dúvidas e fantasias estejam presentes na mente das crianças e adolescentes, e este é exatamente o momento para esclarecer todas elas, zelando para que em seu interior, a referência de estrutura familiar continue preservada.
Mais frequente em crianças de pouca idade (inferior a 10 anos), mas não excludente em adolescentes, é muito comum que o filho vivencie intenso sentimento de culpa deduzindo que algum de seus comportamentos (podendo ser considerados negativos) tenham motivado tamanha decepção resultante na separação dos pais. Sempre que esta questão aparece, é importante falar sobre, reforçando o fato da decisão ser tomada por eles como casal, e não como pais, não possuindo nenhuma relação com alguma característica ou comportamento que deixou a desejar.
• Fantasias de abandono: em todas as idades fantasias de abandono costumam ser vividas principalmente direcionadas ao cônjuge que deixará o lar. Fantasiam que aquele que deixa o lar está insatisfeito com o desempenho de seus filhos ou, então, buscará outra família que poderá proporcionar filhos que o farão mais feliz. Deixe objetivamente claro que a decisão não foi tomada por nenhuma razão que remeta a satisfação que possui com os filhos, explique que não existe a possibilidade de abandono e que este é apenas um momento de reestruturação e reorganização. Serão combinados horários, visitas e que o filho sempre terá acesso ao cônjuge que sair de casa, enfatizando que o vínculo estará totalmente preservado mesmo que não residam mais na mesma casa.
• Fantasias sobre terem tido oportunidades de fazer algo diferente para impedir: quando é expressa a sensação de culpa por acreditar que poderiam ter feito algo diferente que pudesse impedir o divórcio, esclareça que a opção de divórcio não deve ser entendida como um problema e não tem nenhuma relação com o amor e vínculo que possuem como família. Nada do que poderia ter sido feito impediria.
• Temores sobre a capacidade do cônjuge deixar o núcleo familiar: por conhecer a rotina doméstica da família, podem existir fantasias e questionamentos sobre a capacidade do cônjuge de deixar o núcleo familiar, como por exemplo: se sabe cozinhar, se sabe lavar roupa, se conseguirá dormir, entre outras. O cônjuge em questão deve transmitir tranquilidade sobre as medidas que adotará no novo espaço.
• Novo espaço: é comum o temor de que no novo espaço do cônjuge que sair, o filho tema não encontrar um lugar para ele, sentindo-se esquecido, excluído ou desamparado. A participação na escolha do local ou na decoração do ambiente, favorecem a aceitação e fortalecimento da segurança diante das mudanças.
Se mesmo com estas dicas e reflexões sobre comunicação e postura você continua enfrentando conflitos e temores para prosseguir com a decisão de divórcio, temendo as consequências que as mudanças poderão ocasionar em seus filhos, ressaltamos que os pais podem e devem buscar um psicólogo para receber maiores informações e orientações ou, então, buscar a psicoterapia de casal que poderá auxiliar na redução de conflitos e mágoas favorecendo a comunicação clara para tomada de decisões.
Percebendo dificuldades e conflitos antes, durante ou depois do processo de divórcio, crianças e adolescentes também poderão se beneficiar do acompanhamento psicológico favorecendo a comunicação e resolução de conflitos que permitirá a percepção de entendimento da nova estrutura familiar como algo natural que não oferece ameaças.
Maitê Hammoud
Psicóloga Clínica
CRP 06/112988
www.maitehammoud.com.br
Imagem de mohamed Hassan por Pixabay
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