É muito bom quando somos confrontados com as questões que são consideradas verdades absolutas, mas, olhadas por outro ângulo, podemos perceber que elas não são bem assim.
Cada vez mais tem surgido palestrantes, escritores, youtubers etc. que reforçam veementemente a frase que diz “Seja você mesmo”! E dizemos empolgados: “É isso aí!”. Mas você realmente já pensou com mais profundidade sobre o que vem a ser esse “Seja você mesmo!”?…
Para embasar a reflexão compartilho algumas palavras do escritor Alex Castro, que me inspiraram a trazer esses questionamentos.
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Nossa essência, nossa personalidade, nossa sexualidade, são construídas por nossas ações: interagimos com o mundo através dos nossos atos. Ninguém está lá muito interessado no que pensamos, no que sentimos, em nossa essência, em toda essa linda complexidade reluzindo dentro de nós. O que importa é o que fazemos.
Por isso, poucos conselhos são mais canalhas do que “seja você mesma”. A maioria dos problemas do mundo veio de pessoas que estavam simplesmente “sendo elas mesmas”. Mais importante do que sermos nós mesmas é sermos quem queremos ser.
Alex Castro
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A última frase é simplesmente perfeita, ela traz uma lucidez imensa para nós. Tanto eu como você que me lê somos cheios de defeitos, temos sombras imensas para serem trabalhadas ao longo de toda uma vida.
Esse “ser você mesmo” levado ao pé da letra é ser meio inconsequente. Qualquer pessoa que tenha um nível razoável de consciência sempre pensa um pouco antes de fazer qualquer coisa. Isso até me faz lembrar uma música fantástica do Gabriel, o Pensador chamada “Se liga aí” na qual ele diz assim.
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A gente pensa que vive num lugar onde se fala o que pensa.
Mas eu não conheço esse lugar.
Eu não conheço esse lugar!
A gente pensa que é livre pra falar tudo que pensa mas a gente sempre pensa um pouco antes de falar!
(…)
Pensa! O pensamento tem poder.
Mas não adianta só pensar.
Você também tem que dizer! Diz!
Porque as palavras têm poder.
Mas não adianta só dizer.
Você também tem que fazer! Faz!
Porque você só vai saber se o final vai ser feliz depois que tudo acontecer.
E depois a gente pensa.
E depois a gente diz.
E depois a gente faz… o que tiver que fazer!
O que tiver que fazer!
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Pensar, dizer e só depois fazer.
Confrontar isso com o “Seja você mesmo” é como se pulássemos direto para o fazer, sem pensar com cuidado e falar com mais cuidado ainda.
São as nossas ações, as nossas decisões que de fato fazem toda a diferença na nossa vida individual e coletiva. Se uma pessoa tem o costume de mentir e isso está enraizado na sua personalidade, dizer “seja você mesmo” só vai fazer com que ela seja mais mentirosa.
Se uma pessoa não se esforça na vida, não “enfia um prego numa barra de sabão”, como se costuma dizer, e alguém diz “seja você mesmo”, só vai reforçar nela esse padrão de preguiça e acomodação.
Da mesma forma que uma pessoa que seja carinhosa, que seja desapegada, que seja prestativa, que seja tolerante etc. Se alguém disser “seja você mesmo”, ela poderá ser cada vez melhor.
Você percebe onde eu quero chegar? O “seja você mesmo” só reforça aquilo que já existe dentro da gente. Se você é alguém amável, gentil, paciente, generoso, humilde etc. você será ainda mais. Mas se você é mentiroso, arrogante, hostil, vitimista, preguiçoso etc. você também reforçará todos esses padrões negativos.
Então o principal, antes de sermos nós mesmos é tentarmos entender “Quem somos nós”. Ou seja, buscarmos o AUTOCONHECIMENTO. Sem ele nós não vamos a lugar nenhum.
Escrevo esse texto primeiramente o dirigindo a mim, porque sei que estou muito longe de ser a pessoa que almejo ser. Eu ainda tenho medos, inseguranças, dúvidas, atitudes egoístas, às vezes preguiça, olhar de julgamento etc. Assim como todas as pessoas em maior ou menor grau.
Então alguém me dizer: “Isaias, apenas seja você mesmo…”. Até soa bonito e motivador. Mas o melhor é dizer: “Tente ser o a cada instante a pessoa que você quer ser…”. Essa mudança faz uma diferença enorme!
Quero com esse curto e questionador texto lhe levar a pensar com mais carinho sobre você e as suas atitudes. Concluo com um dos pensamentos mais interessantes que já li do filósofo Mario Sergio Cortella, que resume muito do que quis transmitir.
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Ao contrário do que muita gente imagina, a gente não nasce pronto e vai se gastando, a gente nasce não-pronto e vai se fazendo. Eu não nasci em 1954 e vim me gastando até hoje. Eu nasci não-pronto e vim me fazendo. O que nasce pronto é fogão, sapato, geladeira. Esses sim vão envelhecendo. Então eu quero sim mudar várias coisas, quero mudar o meu senso estético, quero ter uma ampliação da minha capacidade de ouvir, de enxergar, de fruir sabores, também quero ser capaz de mudar a minha conduta em relação a algumas pessoas com as quais convivo para que elas fiquem melhores. Ainda bem! Você ser do mesmo modo, de uma maneira persistente não é sinal de coerência, é sinal de tacanhice mental.”
Mario Sergio Cortella