Por: Nazaré Jacobucci
“A dor é suportável quando conseguimos acreditar que ela terá um fim e não quando fingimos que ela não existe”. (Allá Bozarth-Campbell)
Eu penso que uma das tarefas mais árduas da vida é, sem dúvida, assimilar a morte de uma pessoa querida. Inevitavelmente, em algum momento iremos nos deparar com a seguinte questão: O que fazer com tudo aquilo que pertenceu a alguém que era muito amado? Para muitas pessoas, o momento de esvaziar o guarda-roupa significa encarar a dura realidade de que aquele ente querido não irá mais voltar. É o momento da constatação da perda. Há uma sensação de vazio. Parece que nada ou ninguém será capaz de preencher.
Certa vez ouvi de uma paciente: “O que eu faço com os pertences do meu filho? As roupas, os livros, a bicicleta que ele simplesmente amava, a coleção de bonés, enfim, o que eu faço com as coisas que ele gostava? Gostaria muito de doar tudo para quem precise, mas não consigo. Quero ficar com tudo para sempre. ” Fazia 5 anos que seu filho havia morrido, num drástico acidente, quando esta paciente tomou a decisão de iniciar um processo psicoterapêutico para auxiliá-la no processo de elaboração do luto.
Primeiramente, precisamos acolher esta pessoa em seu processo de luto e validar estas questões, pois são de extrema importância e causam muita angústia e tristeza. No setting terapêutico é permitido chorar o quanto for necessário, e se revoltar também, pois estes sentimentos fazem parte da elaboração do luto e precisam ser expressados. Após esta fase, observo que o paciente começa a enfrentar aos poucos sua nova realidade cotidiana e, a partir deste momento, ele começa a se reestruturar e dá início a um novo capítulo da sua história.
Contudo, cada pessoa tem seu tempo e não podemos ter pressa num processo de luto. Conforme ela vai assimilando a perda, ela começa a se sentir confortável para lidar e se desfazer dos pertences dos quais a pessoa querida gostava. Porém, gosto de enfatizar que este processo é uma experiência pessoal e única para cada indivíduo, não existindo, portanto, uma sequência a ser seguida.
No meu trabalho clínico com enlutados tenho, por hábito, criar juntamente com o paciente uma caixa de memórias a qual nós damos o nome de “Caixa da Memória”. De acordo com o tempo do paciente, peço que ele comece a separar aquilo que ele considera mais precioso e que gostaria muito de guardar. Após ele ter feito esta separação, peço que ele compre uma caixa – a que ele desejar – e que tenha em mente que será ali que ele colocará os pertences escolhidos. Fazemos uma etiqueta com o nome da pessoa que morreu e a colocamos na tampa da caixa. Assim, ele poderá rever os objetos no momento que desejar.
A paciente acima citada após um ano em psicoterapia conseguiu criar a “caixa da memória” de seu filho e colocou em sua caixa – um moletom que o filho amava, alguns CDs, um boné e muitas, muitas fotos. No dia em que fizemos a etiqueta com o nome de seu filho ela me disse: “estou bem e acredito que já consigo olhar para a vida novamente, acho que ainda vou chorar muito, mas eu sei que agora já consigo”.
Com certeza, a pessoa que morreu jamais será esquecida e as boas lembranças permanecerão para sempre, mas agora ela pertence a uma outra dimensão. Eu percebo que o paciente está caminhando para elaboração do luto quando ele “morre” para a condição de “ter” dores e renasce para a condição de “ser” com as dores da existência humana. Ele percebe que a vida segue e que, como escreveu Adélia Prado, “aquilo que a memória amou fica eterno”.
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