A casa parece maior, mais vazia. Depois de tantos anos de dedicação, trabalho, cuidados, doação. Filhos morando fora de casa. O dia parece ter mais horas, afinal, há tempo para tudo o que não fora possível desde seus nascimentos.
Lógico que é desejável e saudável, filhos crescidos tomarem conta de suas próprias vidas. Este momento de ajuste e novas perspectivas para os pais, que poderia ser de regozijo, por vezes torna-se um momento de solidão ainda que na presença do companheiro. Sozinhos os pais se questionam, paradoxalmente, a respeito do que fazer neste tempo que agora sobra. Desaprenderam a viver também suas necessidades, vivendo em função da urgências de seus filhos.
Quando do acolhimento na psicoterapia suas preocupações se resumem: será que nossos filhos se lembrarão de nos visitar? Será preenchido o vazio que ficara? Mas, a grande questão que se abre é a respeito da qualidade de relacionamento que existia. Será que houve compasso em algum tempo quando estiveram juntos?
A qualidade destes relacionamentos ditará se há ou não vínculos reais e afetos genuínos construídos e estruturados entre pais e filhos. O fruto destas relações é que sobreviverá.
Zygmunt Bauman filósofo e sociólogo polonês suscitou a tese da sociedade líquida. Líquida no sentido de que as relações humanas estão ficando cada vez mais superficiais. É dele a famosa frase “as relações escorrem entre os dedos”. Apontando a perda gradual de valores, que se refletem em todos os níveis das relações humanas, inclusive no núcleo familiar.
Não estamos unicamente falando do relacionamento entre pais e filhos, mas entre pai e mãe. O nível de cumplicidade ou ausência dele durante aquele período tão exigente de suas vidas. Nem sequer nostálgicos, querendo recuperar e restaurar o passado dos relacionamentos, mas possibilitar a reflexão urgente e necessária da reinvenção e redefinição dos valores que norteiam as relações humanas na atualidade, atentando para o perigo do que o referido filósofo tão bem nominou.
Quer dizer, este vazio terá o reflexo da ausência de cuidados que estes pais consigo mesmos, ou seja, agora a esposa já não precisa brigar com seu marido a respeito da divisão mais justa de tarefas na educação dos filhos. Nem o marido se ressentir da perda da esposa carinhosa e amante, lindamente arrumada e cheirosa; perdida entre os choros e fraldas e dúvidas. Mas, que apesar de, tiveram a sorte de se entenderem, permitindo que a vida lhes desse mais uma chance para que permanecessem juntos.
Provavelmente, este trajeto não tenha sido fácil, recordarem batalhas, desafios que os acompanhou durante a criação de seus filhos; noites mal dormidas, brigas, incompreensões e impaciências. Choros, doenças, alegrias e tristezas. Formaturas, novos medos.
Será que a vida os distanciou? Lembrando, Bauman, a despeito do amor líquido que permeia a fragilidade dos laços humanos. Mas, a despeito dos filhos é de fato incrivelmente bom olhar e vê-los crescidos, independentes: adultos cuidando de suas vidas. Uma vida inteira se descortina diante de seus olhos.
Quais eram os valores que norteavam as atividades da família? O que os mantinha unidos ou desunidos? Ou, que tipo de vínculo existia? Que tipo de modelo de comportamento parental era transmitido?
Se dão conta, lembrando agora, de que era um trabalho ininterrupto de doação. Necessidades e culpas tentando serem reparadas, compensando ausências. Deixando suas próprias necessidades para depois, porque os filhos precisavam mais.
Viagens que não aconteceram. Roupa, passeios: tem tempo, pensavam eles. Tempo para namorar, depois, quando crescerem, pensavam. Teremos tempo para namorar, achavam eles.
Agora, missão cumprida no todo ou em parte, mas, diante do espelho, rugas, cabelos grisalhos, já não estão tão jovens, nem tão saudáveis. Talvez um deles esperou e o outro passou, um dos dois tenha partido para outra casa ou para outra dimensão. Ou ficaram esperando algo acontecer.
Seja como for, no ponto em que estão, alguns pais já não sabem se têm muito a desfrutar. Relaxar, dormir até tarde. Será??Nossa! Alguns a caminho da aposentadoria. Diminuindo o ritmo do trabalho. Para outros a missão, ainda não cumprida. Trilham bravamente o caminho.
Quando do desconforto, analisar o que sobrou, ou tudo que restou, surge tempo para pensar, para rever. Este desconforto que é visto com desconfiança por alguns, é sinal de saúde emocional.
É possível que muitos pais tenham feito um excelente trabalho com seus filhos, mas esqueceram de si mesmos. Ou que tenham ao mesmo tempo cuidado da relação conjugal. Ou não. Mas, esta parada estratégica sinalizará onde estão e onde estiveram. Inegavelmente é prazeroso ao pai perceber que cumpriu seu papel de pai e marido. Ou a esposa. O que mais poderiam querer e pedir da vida? Afeto, talvez? Um pouquinho de reconhecimento, com certeza! Disso todos precisam. E, quem sabe, tenha sido o momento que tanto esperaram, seus filhos retribuírem o afeto. Mas, isto não pode nem deve ser motivo de preocupação, o mais importante agora, é cuidar de si mesmos e da relação entre o casal.
Só se vive um dia de cada vez. Viver esse momento pode ser tão inebriante quanto se esperava. Aliás, a única certeza que se tem é de que não se cria filhos como troféus para exibi-los ou para segura-los conosco. Ainda assim, haveremos de nos perguntar se erramos em alguma coisa, é certo que sim. Mas, dentro das condições possíveis se fez o melhor.
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