É hora de dar fim à banalização do termo ‘doença mental’

A cada cinco minutos alguém em algum lugar diz que “tem TOC” porque organiza seus emails, limpa as mãos com álcool gel ou usa certas roupas de baixo dependendo do dia da semana. Essa estatística é inventada, mas com certeza é verdade que TOC, ou Transtorno Obsessivo-Compulsivo, é uma sigla utilizada erroneamente como sinônimo de organização ou limpeza.

Usar nomes ou acrônimos de doenças mentais para exagerar idiossincrasias e experiências inócuas virou parte do dia a dia (e das timelines do Twitter). Temos de parar com isso, não só porque é uma implicância minha (que é) ou porque sou parte da patrulha do politicamente correto (que não sou). É importante porque essas referências impertinentes (1) trivializam a seriedade dessas doenças e (2) perpetuam mitos e mal-entendidos.

TOC: além da busca pela ordem

O TOC é um transtorno de ansiedade no qual o indivíduo tem pensamentos indesejados e intrusivos (obsessões) que muitas vezes o levam a repetir comportamentos e rotinas (compulsões) para aliviar a ansiedade temporariamente.

O entendimento público desse transtorno vem sendo confundido com o uso da sigla por pessoas que, bem, simplesmente têm mania de organização. “A frase ‘tenho TOC’ infelizmente se tornou sinônima de ‘sou obsessivo’ (penso ou me preocupo demais) ou ‘sou compulsivo’ (gosto de tudo organizado)”, diz Jeff Szymanski, diretor executivo da Fundação Internacional do TOC. “Na semana de conscientização do TOC, tentamos educar o público em geral, incentivando as pessoas a aprender que TOC é um transtorno psicológico sério, que pode ter impacto severo na vida das pessoas. O ‘T’ de TOC é realmente importante.”

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Na realidade, o TOC é diagnosticado quando uma pessoa tem compulsões por um período significativo durante um dia (em geral mais de uma hora), de modo a interferir com sua vida cotidiana.

O TOC é complexo e diverso – muitas pessoas com TOC sentem obsessões e compulsões que não têm nada a ver com limpeza (como medo de se machucar) ou com bagunça (como acumular objetos).

A maneira como a doença é retratada em filmes e programas de TV pode ser parcialmente responsável pelo estereótipo unidimensional do TOC como uma certa mania de organização e limpeza. “Hollywood criou a ideia de que TOC é apenas conferir, lavar as mãos”, diz Ethan Smith, ator e defensor da causa.

“Alguns personagens até usam o TOC como uma habilidade ou um superpoder, como nas série de TV Monk.” Embora seja fácil encontrar pessoas públicas fazendo piada com seus supostos TOC, a atriz e escritora Mara Wilson está se manifestando a respeito dessa tendência.

Se você só gosta das coisas no lugar e não tem uma suspeita genuína de um transtorno psiquiátrico, não faça referência à doença: é impreciso e insensível.

TEPT: Além das lembranças ruins

Muita gente exagera o impacto de filmes de terror, encontros malsucedidos, provas etc., dizendo que eles geraram Transtorno do Estresse Pós-Traumático, ou TEPT.

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Infelizmente, o TEPT não é tão simples. “TEPT resulta de mudanças neurofisiológicas que ocorrem por causa de uma experiência traumática na qual a segurança física e psicológica do sobrevivente são substancialmente ameaçadas e sobrecarregam a capacidade da pessoa de lidar com o assunto”, explica Michele Rosenthal, sobrevivente do TEPT e fundadora do HealMyPSTD.com.

“Isso provoca mudanças químicas e biológicas no cérebro e no corpo, além de uma perspectiva muito alterada da identidade pessoal e do lugar do sobrevivente no mundo.” Seu livro recente Your Life After Trauma: Powerful Practices to Reclaim Your Identity (Sua vida depois do trauma: práticas poderosas para reconquistar sua identidade, em tradução livre), oferece estratégias para sobreviventes e seus terapeutas.

O sintomas do TEPT podem incluir flashbacks, pesadelos, anestesiamento emocional ou dissociação, a sensação de não ter futuro, hiperagitação, insônia, culpa, problemas de memória e mais. Se uma série de derrotas do Palmeiras pode te deixar inquieto, seria uma simplificação ofensiva dizer que ela causa TEPT.

Não se trata só de ser politicamente correto, diz Rosenthal:

Quando se reduz a TEPT a provas difíceis ou derrotas de um time (ou, como recentemente me tuitaram, uma mudança no clima), não é só desrespeitoso para com a experiência dos sobreviventes, mas também serve para reforçar uma atitude de pouco caso.

Tais comentários aumentam o estigma das doenças mentais na arena pública e podem reforçar dramaticamente as autocríticas dos sobreviventes, o que pode atrapalhar na sua recuperação. Minimizar o TEPT pode criar sentimentos de vergonha, culpa e negatividade. ‘Eu deveria ser capaz de superar’ é um comentário que ouço de vários sobreviventes com quem trabalho. É uma frase incorreta, que impede o progresso.”

Esquizofrenia: além do comportamento errático

Há anos, médicos e defensores da causa vêm pedindo que a mídia pare de usar o termo esquizofrenia para falar de políticos, do mercado de ações, do clima ou de equipes esportivas. Na era das mídias sociais, isso deveria se aplicar a todos nós.

Embora seja verdade que alguns dicionários incluam uma definição secundária de esquizofrenia como “ter qualidades e atitudes contraditórias ou antagônicas”, isto perpetua um uso imperfeito e um percepção estigmatizante da doença.

Na realidade, esquizofrenia é uma doença crônica e grave que pode interferir com a capacidade da pessoa de pensar claramente, lidar com as emoções, tomar decisões e se relacionar com os outros. Ela varia de caso para caso, e os sintomas variam de delírios e alucinações a apatia emocional e problemas de memória.

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Há mais de uma década, psiquiatras da Escola de Medicina de Harvard publicaram um relatório constatando que, dos 1.740 artigos de jornais de 1996 a 1997 que incluíam a palavra esquizofrenia, quase um terço usava a palavra no sentido metafórico. Os autores concluíram:

“Estamos ansiosos pelo dia em que prevenção e educação – não metáforas e demonização – sejam as mensagens dominantes passadas pela mídia ao público”.

Infelizmente, parece que pouca coisa mudou. O neurocientista Patrick House, da Universidade Stanford, calculou que 38% das referências a esquizofrenia feitas pelo The New York Times em 2012 foram metafóricas.

Como observa House, “se o Congresso realmente estivesse agindo de forma esquizofrênica, teria apatia emocional e retraimento social e seria propenso a delírios, alucinações, paranóia, pensamentos desordenados ocasionais”.

Curiosamente, o editor de padrões do The New York Times escreveu uma nota recomendando que a palavra não seja usada no sentido figurado, explicando: “Além da concepção enganosa que sugere uma personalidade dividida, usar a palavra de forma inconsequente ou como metáfora pode parecer insensível”.

Embora eu tenha me deparado mais vezes com os exemplos acima, há muitos outros, de um gosto musical em constante mutação que seria transtorno do déficit de atenção a sequências de tuítes que indicariam síndrome de Tourette.

Quanto mais os nomes de doenças mentais aparecem em nossas conversas como autodiagnósticos brincalhões e adjetivos mal-empregados, mais difícil que as pessoas diagnosticadas com o problema falem e sejam ouvidas.

Alguns podem acreditar que a tendência de mencionar doenças em tom de brincadeira seja um progresso em comparação com um tempo em que elas não eram mencionadas nunca, mas acho que podemos melhorar.

TEXTO ORIGINAL DE BRASIL POST






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