Por Gustl Rosenkraz

Nasceu! É menino ou menina? É enorme alegria dos pais, avós, tios, tias, enfim, de toda a família. Uma criança, um novo ser neste mundo, um novo projeto de vida. E desde cedo se começa a traçar o futuro dessa pequena pessoa, um futuro ainda não escrito, mas que não fica uma página em branco por muito tempo. Planos e expectativas dos pais vão moldando esse futuro com as tantas e tantas coisas que desejam para sua criança. Mariazinha vai ser médica, pensa a mãe, já que ela mesma quis ser médica, mas sua trajetória não permitiu. Sim, ela vai estudar e ser doutora, gente importante e respeitada. Joãozinho, ah, o Joãozinho! Tão bonitinha sua “cara de lua”, a cabeça redonda, os olhos grandes e curiosos, cara de gênio, com certeza a criança mais inteligente do mundo! “O que será dele?“, perguntam-se os pais, “Esse menino vai longe!“, engenheiro, advogado, piloto, astronauta ou mesmo presidente da república? No mínimo!

E assim os pais começam a fazer de tudo que está ao seu alcance para que nada falte. Qual é a melhor escola? Escola não, jardim de infância, pois o pai leu que quanto mais cedo a formação começar, melhor. “Então”, diz a mãe, “se é assim, vamos começar já na creche”. E dito e feito: começa o projeto “filho” ou “filha” e aquela criança, que por direito de nascimento é um projeto de vida de si mesma, é transformada em projeto de vida dos pais. E já cedo é formado o molde, o caminho é traçado, pedagogias especiais, inglês e informática ainda na pré-escola, aulas de música, ballet, escolas particulares, conceitos e preconceitos e tudo que o pequeno herdeiro ou a pequena herdeira tem direito para chegar onde os pais desejam. A criança é então formatada, colocada no molde com o formato escolhido pelos pais.

Ou mesmo o contrário: pai ou mãe ou ambos não dão muita importância a esse negócio de estudar, menino tem que ser é macho, menina tem que se preparar para um dia casar. Profissão? A mesma dos pais serve. Nada de experimentos, nada de frescuras…

De um jeito ou de outro, a criança não tem chance de escapar de um esboço feito e selado, um molde, uma forma, na qual será prensada até caber. Ou não caber e quebrar-se. Ou rebelar-se antes.

Sim, eu sei: levo o tema aos extremos. Não são todos os pais que já planejam toda a carreira e a vida dos filhos. Mas os extremos nos ajudam a reconhecer melhor o que fazemos com nossos filhos quando esquecemos que eles são seres livres, com uma vida própria, com um próprio plano, com um futuro que eles podem construir, em princípio, como bem quiserem e entenderem. “Como assim? Como é que uma criança vai saber o que quer? Ela não sabe nada da vida?”, pensou você talvez, e com razão, pois é isso mesmo: sozinha ela terá dificuldade de descobrir o que ela quer da vida. É aí que está o papel principal dos pais: nossos filhos são seres que nos são “emprestados”, nós pais temos a honra de recebê-los e acompanhá-los em seu desenvolvimento, orientando, ajudando, sofrendo… Mas eles não nos pertencem. Assim, é nossa tarefa ajudá-los a descobrirem o que querem e não forçá-los a ser o que NÓS queremos. Exemplos extremos ajudam a reconhecer isso melhor.

Ser mãe ou pai não é coisa fácil. Para quase tudo nesta vida precisamos de aprendizado e até de autorização, como para dirigir um carro, por exemplo: é preciso aprender a dirigir primeiro e depois fazer a carteira de motorista. Ou para exercer uma profissão: aqui também é necessário aprender antes e ter um diploma ou certificado. Mas para ter filhos não há preparação, não há escola e os pais não recebem nenhum diploma que os capacite a educar uma criança. As únicas referências são a própria infância e a educação de outras crianças na família e na vizinhança, e todos nós sabemos que essas referências podem ser excelentes, mas também uma verdadeira catástrofe! Muitos pais (talvez ainda bem jovens) são praticamente jogados na água fria. Eles educam então seus filhos com base naquilo que viveram na própria infância, na educação que eles mesmos receberam e repetem o mesmo esquema praticado por seus pais. Assim, a educação recebida é passada aos filhos, com seu lado bom, mas também com suas falhas, fazendo com que terminemos repetindo os mesmos “erros” de nossos pais. Pais que foram prensados em um molde quando eram crianças tentam fazer a mesma coisa com os próprios filhos.

Sei que é difícil para um pai ou uma mãe que quer o melhor para seus filhos aceitar que eles talvez tenham outros planos, outros desejos, querendo uma trajetória diferente daquelas projetada pelos genitores. A decepção é então grande e o conflito certo quando aquela menina que deveria ser médica prefere ser artista ou qualquer outra coisa diferente. E o menino “com cara de inteligente”, que deveria atingir um status altíssimo na sociedade, o que acontece então se ele preferir vender cachorro quente na praça?

Conheço pessoas adultas que sofrem por terem “escolhido” a profissão errada por pressão dos pais (na verdade, foram os pais que escolheram!) ou por terem tido peito para fazer algo diferente do que os pais esperavam e agora sofrem com acusações do tipo “você desperdiçou seus talentos”, “você poderia ter ido mais longe” ou até mesmo “você fracassou”. A “formatação” das crianças não se limita somente ao âmbito profissional. Muitos pais vão bem mais longe: filho ou filha homossexual? Nem pensar! Nada disso, pois eles (os pais) planejaram ser avós um dia. Tatuagem? Que nada, pois isso não corresponde a nossos planos… E assim por diante.

E que ninguém pense que os pais param com essa doidice quando os filhos deixam de ser crianças, pois muitos prosseguem, tentando formatar, buscando determinar como eles devem viver, não aceitando as decisões tomadas pelo filho adulto. Conheço uma mulher que está sofrendo muito após a separação do marido. Ela sofre pela separação em si, mas também pela pressão da mãe, que não aceita essa sua decisão de forma alguma, pois para ela a mulher tem que ficar casada, custe o que custar, sofrendo ou não. Aqui vemos um exemplo claro de alguém mais preocupado com convenções e com a formatação planejada do que com a felicidade da filha.

Estou convicto de que a maioria dos pais quer realmente o bem dos filhos, agindo dessa ou daquela forma por acreditar que está fazendo bem à criança. E é claro que faz parte de nossa tarefa como pai ou mãe exercer um pouco de pressão para que a criança frequente a escola e conclua os estudos, para que tenha uma boa conduta, etc., mas não devemos exagerar. E devemos ter sempre em mente que nossos filhos são seres livres, que precisam aprender a andar com as próprias pernas para que possam seguir o caminho que acharem melhor. Forçar a barra e tentar enfiar uma criança às forças em um molde qualquer é pré-programar problemas sérios em sua vida mais tarde.

Não é nossa obrigação criar engenheiros, médicos, advogados, astronautas ou presidentes. Nossa obrigação é apoiar nossos filhos a desenvolverem suas aptidões, é fortalecê-los em suas próprias decisões (de acordo com a idade, claro) e criar seres humanos livres e felizes. Nossos filhos não são responsáveis por nossa satisfação pessoal, por nossos desejos e planos, mas sim por suas próprias vidas. Penso que se nós adultos respeitássemos mais essa liberdade das crianças de serem o que elas são ou desejam ser, teríamos no futuro adultos mais saudáveis e felizes e os psicoterapeutas teriam bastante menos trabalho.

 

Gustl Rosenkranz

Escrevo sem luvas porque tocar é importante.

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