‘Ela é idosa e quer tirar vantagem’: É isso que pensamos de nossos velhinhos?

Por Amanda Mont’Alvão Veloso

Supermercado cheio em São Paulo e filas longas, especialmente no caixa dedicado ao atendimento preferencial.

Uma idosa presente na mesma fila que eu, a uma pessoa de distância, ficou na dúvida se encarava a espera no caixa exclusivo para ela.

Eu e a garota atrás de mim avisamos que ela deveria passar na nossa frente. Foi quando uma consumidora, que estava atrás da senhora, começou a esbravejar o quanto aquilo era absurdo, que a idosa queria tirar vantagem e passar na frente de todo mundo, que ela ficasse na fila dedicada aos idosos ou esperasse como todo mundo.

A reclamação prosseguiu por uns cinco minutos.

Imediatamente, a senhora começou a pedir desculpas pelo que “tinha causado”. Mas dizíamos que o atendimento prioritário dela era lei – a quem interessar, é uma lei federal de 2000.

O atendente do supermercado interrompeu a mulher que reclamava e lembrou que a idosa só havia trocado de lugar comigo na fila, o que não alterava a quantidade de clientes na frente da reclamante. Essa foi uma situação. Mas pesa a sensação de que eventos semelhantes ao narrado acima ocorrem com frequência.

Em 2030, o Brasil será um país de idosos, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesses 15 anos que faltam para que a maioria da população se reconheça na terceira idade, fico pensando como os idosos atuais querem tirar vantagem, conforme sugerido pela mulher indignada da fila do supermercado.

Afinal, o correr do tempo, a fragilização da saúde, a perda de colágeno e de água e o acúmulo de experiência devem servir pra isso, pra tirar vantagem e passar na frente. Quão audaciosos são nossos idosos, aceitando um benefício da lei e nos deixando à espera com nossas pernas cansadas!

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No filme Um Senhor Estagiário (The Intern, 2015), Robert de Niro vive um homem de 70 anos contratado para estagiar em uma e-commerce de roupas e acessórios. A empresa, capitaneada por uma jovem de uns 30 anos (Anne Hathaway, com uma ótima interpretação), tem perfil bem moderninho e de Niro claramente destoa dos colegas de trabalho.

Obviamente que a convivência se encarrega de justificar a relevância dele ali, mas o filme ganha pontos por não deixar o choque de gerações tão maniqueísta e por mostrar que a diferença fundamental entre um idoso e um não-idoso são os milhares de dias a mais de aprendizado, dores, cicatrizes, erros, conquistas e atitudes repensadas (ou não).

Imagine quanta história e vivência existem em pelo menos 21.900 manhãs, tardes e noites vividas. Quantas teorias derrubadas, emoções descarregadas, decepções, perseveranças e tombos experimentados nesse período.

As sociedades orientais valorizam a experiência dos mais velhos, enquanto que o ocidente, especialmente aquele marcado pela produção capitalista, tende a descartar seus idosos. Bom seria se nossa admiração pela Dona Benta, pelo senhor Miyagi, pelo Mestre dos Magos, pelo Gandalf, pela Galadriel, pela Vovó Willow e pelo Dumbledore espirrasse no real da vida. A ficção se mostra mais sábia que nossos dias concretos.

Não se trata de imacular os idosos ou inocentar atitudes individuais equivocadas – sim, há uns velhinhos e velhinhas desagradáveis por aí. Mas a tal da terceira idade é um grupo etário ao qual todos nós, se tudo der certo, vamos pertencer. O curso da vida contém verdades biológicas e fisiológicas das quais não vamos escapar, mesmo que tentemos uma cirurgia plástica em nossas células.

Se hoje há problemas na fila preferencial e no assento prioritário do metrô reservados a uma parte, veja bem, UMA PARTE da população, é preciso pensar qual será nossa ideia de respeito e prioridade em 2030, quando a maioria dos brasileiros dividirá o mesmo barco.

Imagem de capa: Shutterstock/Oleg Golovnev

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST






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