Por Amanda Mont’Alvão Veloso
Se fosse real, o Livro do Bebê dos Outros seria um legítimo best-seller. Pesquisas apuram que, para cada bebê ou adolescente, há pelo menos 341 palpites de parentes, amigos e conhecidos, disparados verbalmente ou pelas redes sociais, com opiniões solicitadas ou não.
Tirar ou não a mamadeira, dormir na mesma cama ou separado, com ou sem açúcar na alimentação, pôr ou não de castigo e o que fazer na hora da birra são algumas das dúvidas que atravessam gerações.
Se antes a mãe, a sogra, a avó, o pediatra e alguns livros apareciam como referências para tomar decisões sobre a criação dos filhos, hoje uma rápida pesquisa ou interação na internet podem funcionar como socorro às dúvidas – ou não.
“Como estamos vivendo um momento de transformações, de construção de formas de cuidar, a troca de informações, as pesquisas dos efeitos de novas linhas pedagógicas, de abordagem terapêutica (entre outros) e a produção de informação nesse sentido, nos ajudam a ponderar sobre caminhos a seguir”, contextualizam as psicólogas Lulli e Julia Milman, autoras do livro A Vida com Crianças (Zahar, 2016).
Mas essa oferta volumosa de dados, opiniões e palpites não necessariamente se reflete em conhecimento. É muita superfície e pouco aprofundamento, aponta a psicóloga e especialista em terapia de casais e de família Louise Madeira, que percebe, em sua clínica, a angústia dos pais diante de fartas referências.
“Os pais, embora pareçam atordoados por informações, infelizmente, na maioria das vezes, só leem as ‘manchetes’. E pode acreditar: Se sentem muito informados, mas estão é mega confusos”, diz Madeira. São muitas direções e, muitas vezes, informações contraditórias. “É importante se perguntar inicialmente sobre o que combina com o seu jeito de ser (e também do parceiro na criação dos filhos, caso haja) e tentar seguir uma mesma linha”, explicam as autoras Milman.
Elas citam como exemplo o início da alimentação das crianças que mamaram no peito durante os primeiros meses. Enquanto no Brasil muitos pediatras orientam que sejam introduzidas frutas e legumes após a fase de aleitamento exclusivo, nos EUA as papinhas de arroz e leite são os primeiros alimentos oferecidos. Qual é a recomendação certa, dos brasileiros ou dos americanos? Ambas. “Os bebês ficam saudáveis nos dois casos”, elas relatam.
Madeira diz que a confusão e a angústia vão além das muitas informações, especialmente quando as crianças já cresceram um pouco: O que realmente confunde os pais é serem confrontados pelos filhos.
“Eles chegam da escola, da balada, da casa dos amigos dizendo que as coisas não são bem do jeito que estão sendo ditas em casa. Cada amigo tem uma dinâmica familiar diferente, e os filhos, é claro, ‘pegam’ as estruturas mais permissivas como parâmetro para negociar com os pais uma maior liberdade.” Na opinião da terapeuta, o que faz os pais se sentirem mais perdidos é o fato de não terem um esquema próprio de valores e permissões. “Assim, ficam impedidos de argumentarem com coerência quando são questionados pelos filhos”.
Entre um palpite e outro, um julgamento escondido
As redes sociais, da mesma maneira que proporcionam interações até então impensáveis, também são palcos de julgamentos dos mais variados assuntos. Se o parto foi natural ou cesárea, se a placenta foi comida ou descartada, pouco importa a “polêmica” em questão: Algumas posições são defendidas fervorosamente, a ponto de provocar animosidades.
Em fevereiro deste ano, uma mãe deu um depoimento em uma rede social sobre a maternidade e a descreveu como dolorosa e cansativa. “Quero deixar bem claro que amo meu filho, mas odeio ser mãe”, ela diz em um trecho. A autora do post recebeu milhares de comentários de reprovação e seu perfil foi denunciado para o Facebook e, em seguida, bloqueado.
“Quantas ‘opiniões’ você ouve que não são mais do que julgamentos? Julgar o outro, nesse sentido, é uma maneira de impor o seu ponto de vista como absoluto, seja por inveja, seja porque a liberdade daquela mãe te ameaça – vai que você resolve fazer igual e a casa cai!”, explica a psicanalista Marcia Neder, autora do livro Os Filhos da Mãe (Casa da Palavra, 2016).
Reflexo de uma conduta na vida “real” ou crítica potencializada e que dificilmente teria sido proferida cara a cara, o julgamento nas redes sociais é também a documentação de uma opinião. Os posts de uma pessoa acabam se transformando em uma espécie de vitrine do comportamento submetido a testemunhas virtuais. E em tal vitrine, tem maquiagem e tem também realismo.
Madeira discorda do pensamento de que a rede social seja o fetiche da perfeição.
“Acho que, como tudo o que vai a público, todos querem se apresentar da melhor forma possível. Se fôssemos conhecer uma família da modernidade pelas fotos que ela punha nos porta-retratos, igualmente teríamos uma visão apenas dos melhores momentos, tanto afetivos como estéticos.”
Para a terapeuta, como uma vitrine da pós-modernidade, a rede social apenas amplia essa tendência.
“E amplia muito, pois multiplica, exponencialmente, o tamanho da plateia, que aplaude. E quanto mais aplaude, mas os protagonistas atuam. Essa mesma plateia julga, pois lhe é oferecido o direito de avaliar. A rede social é a arena do julgamento. Você curtiu? Você amou? Você riu? Você se surpreendeu? Você chorou? Ou você ficou ‘puto’?”
Seja na vida real ou no virtual, o que deve estar presente é a maturidade, enfatiza Madeira.
“Acho fenomenal a oportunidade que essa geração tem de ensinar aos filhos o significado de público, privado e íntimo. E que chance incrível de promover a tolerância à discordância! O conceito de diálogo pode ser estendido ao ambiente digital, onde, com gentileza, se pode replicar, treplicar e continuar, mas com um treino de decência, civilidade e adequação.”
Uma situação frequente nos dias de hoje é a exposição de situações familiares nas redes sociais, por meio de uma conquista dos filhos ou de um comentário do cotidiano, por exemplo. Madeira alerta para a necessidade de cautela com tais demonstrações na rede, visando sempre ao respeito dos integrantes da família, especialmente daqueles que querem menos exposição.
“Se a questão envolve dois adultos, fica mais fácil saber o sentimento, pois ele pode ser expresso. Mas se falarmos de pais expondo crianças, é mais difícil. Não sabemos o que elas sentirão no futuro e qual o nível confortável de exposição de cada uma.”
“A exposição do íntimo pode desencadear insegurança, e crianças precisam acreditar que estão seguras”, ela completa.
“Mas não precisamos de uma ‘redesocialfobia’. As famílias podem ser funcionais, mesmo na cultura do espetáculo, se tiverem equilíbrio, respeito pelos espaços e não desautorizarem a autonomia de cada um.”
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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