Meus pais, Moacyr e Cleide, tiveram seis filhos: Maiza, Marcia, Magda, Maristela (a Tela), Moacyr (o Moa) e Marcel (o Cel, para irmãos e esposa) – na ordem de nascimento. Éramos oito. Fomos também nove por muito tempo, quando a Eva trabalhou na nossa casa. A Eva viu a gente crescer, a gente rir, chorar, brigar, viu a gente virar gente. Então ela foi o nove por um bom tempo, com mérito, até que virou uma estrela no céu, cedo demais. Mas acho que com todo mundo é assim: quem a gente ama vive sempre menos do que queríamos.
Costumo pensar que meus irmãos são como os dedos de minhas mãos: todos os cinco são importantes e todos fariam falta. Eu sou a raspa do tacho, nasci quatro anos depois do meu irmão. Meu pai contava que minha mãe ficou assustada quando engravidou de mim e ele teve que dar uma chamada nela. Adoro essa história, porque prova que a gente só vai entender as coisas lá na frente mesmo. Minha mãe mal poderia imaginar o quanto aquele sexto filho iria amá-la – e vice-versa. Talvez, por essa hesitação no início da gravidez, ela tenha grudado tanto em mim depois. Olha que bênção!
Meus pais não estão mais aqui na terra, mas estão vivos dentro de seus filhos. Não nos vemos mais tanto pessoalmente como quando eles eram vivos, mas mantemos os laços. Minha mãe tinha uma capacidade imensa de agregar pessoas, sentimentos, de juntar amor em volta de si. Ela usava os alimentos para demonstrar carinho, para nos aproximar, para criar os afetos que ainda nos unem. A mesa da cozinha da casa de meus pais guarda momentos maravilhosos e conversas mágicas. Ali, sentados, contávamos as coisas, relembrávamos os momentos idos e criávamos novos. A gente ria, chorava, discutia, saía e voltava. Como é importante ter um lugar para retornar.
Várias noites, antes de dormir, todos ficávamos na sala relembrando nossa infância. Tantas vezes nos sentávamos no chão do quarto e cantávamos ao som do violão. Quantos dias de sol aproveitamos na piscina do quintal, esperando minha mãe chamar para o café, para os lanches. E voltávamos à mesa da cozinha, mesa bendita: um tanto de amor ali compartilhamos, construímos, reforçamos. Acho que todo mundo que entrou naquela casa sentou-se àquela mesa e viveu algum momento bom. Encontro muita gente que se lembra, com um sorriso gostoso no rosto, do café de minha mãe. A mamãe fazia isso com as pessoas. Meu pai marcou as pessoas na vida pública. Minha mãe marcou o coração de cada um a quem ela abriu as portas de casa.
Cada filho, um universo particular. Engraçado como somos seis pessoas que cresceram num mesmo ambiente e nos tornamos tão diferentes e ímpares. Cada um de nós recebeu tudo aquilo de um jeito próprio. Cada um digeriu o que viu, o que ouviu, o que sentiu, de um modo único. Quando a gente se reúne, isso fica claro, porque um mesmo evento foi guardado de uma forma peculiar por cada um. Daí a gente compartilha os pontos de vista e repensa o que tem dentro de si, reelaborando o que passou, percebendo que todos fomos tocados pelo amor de nossos pais, intensamente, mas de acordo com o que éramos. E a gente acaba amando aqueles dois ainda mais, por tudo o que fizeram por nós.
Adultos, encaramos o passado, obrigando-nos a aprender com os erros e a aceitar o outro em tudo o que ele tem a oferecer, de bom e de ruim. Porque, no amor, a gente erra querendo acertar, a gente fica vulnerável e imperfeito, afinal, há muito sentimento envolvido e embaralhando o pensamento da gente. Nós, filhos, tomamos caminhos diferentes, vivemos junto a novos amores e tentamos passar adiante tudo o que aprendemos com nossos pais. A gente se fala pelo whatsapp, a gente se vê bem menos do que queria, mas a gente sabe que cada um está ali por perto, no mundo, e bem próximo, junto ao coração.
Agora somos seis, mas, dentro de nós, sempre seremos oito, porque viveremos eternamente nas gerações que virão de nós. Viveremos eternamente através do amor que nossos pais semearam no coração de cada um de seus filhos. Os sentimentos nunca estacionam, afeto não tem parada. Amor é ato contínuo. E é assim que o amor continua.
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