SOCIEDADE

Especialistas explicam se há fundamento no Coaching, a terapia da moda

O Coaching é um setor que não para de crescer. O universo do coaching já soma mais de 40 000 profissionais (embora esse não seja o termo correto, já que não existe uma profissão regulamentada no setor) no mundo todo.

A prática hoje é envolta em muitas polêmicas, com pessoas oferecendo até coaching para crianças ou animais de estimação. A atividade já foi criticada por autoridades respeitadas, como representantes do Conselho Federal de Psicologia.

O papel de um coach, em teoria, é ajudar seu cliente (o coachee) a traçar uma meta e encontrar o caminho mais apropriado até ela, mas sem dar as respostas. “Um coach não é diretivo, e sim questionador. Ajuda o outro a encontrar respostas e a criar um plano de ação para conquistar determinado objetivo”, conta Marcus Marques, sócio-diretor do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC). “No caso de quem já sabe aonde quer chegar, o profissional ajuda o indivíduo a manter o foco e a clareza das ações, a sentir-se estimulado.”

O início de tudo

Há quem diga que o “pai” do coaching é o tenista norte-americano Timothy Gallwey, que em 1974 publicou o livro O Jogo Interior do Tênis. Na obra, discorre sobre práticas que aprendeu durante sua carreira e sobre como o autoconhecimento pode resultar na potencialização das capacidades de alguém.

Por outro lado, há quem credite o desenvolvimento do método ao psicólogo Martin Seligman, também dos EUA, criador da psicologia positiva. Segundo ele, o ideal é focar nos eventos que deram certo e ser otimista para que um tratamento seja mais bem-sucedido. Mais tarde, essa cultura do bem-estar e do conforto passou a ser incorporada em estudos de marketing e economia.

De acordo com o psicólogo e psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo, o coaching surgiu em razão das exigências criadas na segunda metade do século 20, com a implantação do neoliberalismo. “Pesquisadores perceberam o papel produtivo do sofrimento, o que resultou na criação de ambientes de trabalho com alta exposição à angústia”, diz. Por exemplo, quando um gestor anuncia que haverá cortes na empresa, instantaneamente os funcionários tendem a começar a trabalhar mais com a esperança de manter suas posições. No vazio criado na vida das pessoas que são demitidas surge a função do coach.

O perigo, de acordo com o especialista, é que um coach pode facilmente desorientar seu cliente e dar a ideia de que o responsável por sua demissão é apenas ele mesmo, não o sistema. “Há uma confusão que pode culpabilizar alguém que está em um momento vulnerável e dar a entender que uma situação complexa tem resposta simples.” Para Dunker, a situação ainda é agravada pelo fato de que “o trabalho é um profundo elemento narrativo da vida”, o que pode levar a decepção profissional a afetar outros aspectos da existência.

Vale tudo no business?

O raciocínio de que cada um é responsável por tudo que ocorre na própria vida abre precedentes para a meritocracia em sua pior forma. Em um vídeo que viralizou na internet, por exemplo, Andressa Mendes, que se identifica como coach, argumenta que, durante o Holocausto, os judeus “simplesmente se entregavam porque não tinham um objetivo maior”. Ao ser confrontada pela Comunidade Judaica do Rio de Janeiro, a palestrante se defendeu dizendo que a gravação é “um vídeo muito mal editado que resultou em uma situação ruim”.

Outro exemplo que causou alvoroço foi o aparecimento de coaches “quânticos”, que prometem reprogramar as células e o DNA para que seus clientes sejam bem-sucedidos. Para eles, tudo o que acontece na vida de alguém é fruto do seu “mindset”, ou seja, da sua forma de pensar. Mudando o modo pelo qual vê o mundo, automaticamente o indivíduo passaria a ter resultados diferentes. Simples assim.

Além de memes, esses e outros casos peculiares motivaram uma ideia legislativa de iniciativa popular no Senado para a criminalização da prática. O pedido já tem mais de 20 mil apoiadores, número mínimo para que o assunto seja debatido na Casa.

O sergipano William Menezes, de 17 anos, idealizou e escreveu o texto da proposta: “Se tornada lei, não permitirá o charlatanismo de muitos autointitulados formados sem diploma válido. Não permitindo propagandas enganosas como: ‘reprogramação do DNA’ e ‘cura quântica’. Desrespeitando o trabalho científico e metódico de terapeutas e outros profissionais das mais variadas áreas”. A matéria tem relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS), que ainda está analisando a ideia.

Apesar do debate que deve ocorrer em Brasília, o sócio-diretor do IBC, Marcus Marques, afirma estar tranquilo em relação ao assunto porque a proposta, segundo ele, é inconstitucional: “A Constituição garante o livre exercício de qualquer prática profissional desde que respeite as leis”.

Assim como outras profissões, o coaching não é regulamentado em nenhum lugar do mundo, o que divide as opiniões de quem trabalha na área. Enquanto alguns acreditam que a regulamentação vai “engessar” a atividade, outros afirmam que seria uma maneira de garantir a prática adequada. Segundo Marcus Baptista, vice-presidente da ICF, o que determina as práticas hoje é o próprio mercado e as associações a que os coaches são filiados: “A autorregulamentação me parece uma boa alternativa, pois é mais rápida e já está em prática”, defende.

De repente todo mundo virou coach?

Gostando ou não, os coaches parecem ter vindo para ficar: com crescimento vertiginoso, a ICF prevê que esse mercado movimente mais de US$ 2,35 bilhões anualmente. Paulo Vieira, por exemplo, cobra R$ 20 mil reais por hora. Dados da ICF apontam que, na América Latina, os coaches recebem média de US$ 156 por hora e têm renda de aproximadamente US$ 27 mil por ano.

O método parece ser especialmente apreciado por quem tem cargos de liderança: em 2016, ano da última pesquisa global feita pela entidade, 66% dos coachees eram gerentes e 60% eram CEOs. Para o psicólogo Christian Dunker, isso é um efeito da forma com que o trabalho é organizado atualmente. “Empresas têm culturas à parte, o que requer especialistas. Prover ao sujeito uma interpretação da cultura em que está depende de informações internas, isso talvez nem um psicólogo possa responder.”

E como fica essa concorrência? O Conselho Federal de Psicologia, em nota do início do ano, afirmou que psicólogos podem e devem utilizar métodos de coaching, desde que sua execução não desrespeite o Código de Ética da profissão.

Já a Associação Brasileira de Psiquiatria declarou, em maio, que “muitos desses profissionais que se apresentam como ‘coaches’ prometem a cura para doenças sérias, que necessitam de tratamento multidisciplinar adequado, o qual deve ser feito por médico psiquiatra em conjunto com psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, nutricionistas, fonoaudiólogos e outros profissionais da área de saúde”.

Marques pondera: “O coaching não funciona para todo mundo, mas a terapia também não, nem a espiritualidade”. Minha mãe, com quem conversei muito durante a reportagem, concorda. Hoje está empregada e não atende como coach. Olha para seus antigos coachees com orgulho, mesmo adorando rir com os memes sobre a área — seu preferido é o que transforma todo desempregado em potencial coach.

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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de Revista Galileu.
Foto destacada: Reprodução/Diego Mangabeira.

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