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Estou interessada em você (mas não quer dizer que eu queira transar com você)

Por Megan Bruneau

“Trabalho nesta área há muito tempo, Megan. Você, não. Mesmo assim, parece que você conhece algumas pessoas bem poderosas”, comentou meu colega na happy hour que fazemos duas vezes por ano depois do trabalho.

“Não dá para entender”, ele continuou. “E não entendo como você consegue pagar seu aluguel em Manhattan. Já cheguei a especular se você por acaso não é uma acompanhante, e vou falar a verdade: outras pessoas imaginam a mesma coisa.”

Estarrecida, respondi: “Isso é um absurdo. Você está brincando, certo?”

“É por isso que Evan* (um amigo mútuo que trabalha na mesma área) fica sem jeito perto de você. Ele tem a mesma dúvida.”

A raiva é a única emoção que tenho dificuldade em acessar. Isso não é incomum para as mulheres, que foram condicionadas a ser agradáveis (mesmo quando uma pessoa que você pensava que a respeitasse atribui seu sucesso à prostituição!). Temos medo de ser rotuladas de “malucas” — ou, o que seria ainda pior, de confirmar a ideia que o acusador teve a nosso respeito –, por isso nos esforçamos para continuar calmas e controladas.

E, naquele momento, me senti tão confusa e humilhada que não consegui sentir raiva, apesar de a situação ser completamente errada. Minha cabeça entrou em parafuso, imaginando que todo o setor de wellness pensasse que eu fazia sexo para ter amigos, mentores e oportunidades. Morrendo de vergonha e abalada, garanti a meu colega que não era, de fato, uma garota de programa. Dei uma declaração robótica expressando minha “frustração”, já que “sempre me orgulhei de minha inteligência e integridade!”

Nos dias seguintes, contei a história a várias outras pessoas, querendo saber a opinião delas. As respostas delas foram cheias de raiva a indignação, assegurando que a suposição feita por meu colega (e o modo como ele a transmitiu) não era legal (se bem que uma pessoa tenha mencionado de passagem que no último local de trabalho nosso tinha circulado o boato de que eu teria sido contratada porque teria “dormido com o CEO”).

A confirmação delas me permitiu acessar a raiva, aquela emoção tão frequentemente reprimida, e me senti na obrigação de chamar a atenção para essa coisa totalmente errada que fazemos com as mulheres. Esta observação está longe de ser inovadora, mas revela com clareza uma percepção opressora que ainda é insidiosa na nossa sociedade: interpretamos a cordialidade, quando é expressa por mulheres de idade reprodutiva, como sendo tentativa de sedução.

Interpretamos a cordialidade, quando é expressa por mulheres de idade reprodutiva, como sendo tentativa de sedução.

Eu me lembrei de um psiquiatra que me disse que era minha culpa que um cliente que tínhamos compartilhado tinha desenvolvido sentimentos amorosos por mim e tentado o suicídio devido a seu “amor não correspondido” (se eu fosse terapeuta homem com uma cliente mulher, teríamos falado do transtorno de personalidade limítrofe dela e teríamos evitado qualquer responsabilidade nossa).

Cinco anos mais tarde, as palavras daquele psiquiatra continuam gravadas a fogo na minha memória: “Eu sabia que isso ia acontecer com você. Desde o momento que a conheci, sabia que isso ia acontecer”, ele tinha dito em tom de desdém.

Me recordei do terapeuta homem que procurei depois daquele incidente, que me disse que, pelo fato de eu não estar em um relacionamento na época, inconscientemente devia estar tentando seduzir homens. Afinal, eu não poderia de jeito nenhum estar feliz sendo solteira. Envergonhada, resolvi parar de usar rímel no trabalho.

Me lembrei dos comentários de médicos quando souberam que eu era a terapeuta mais procurada no centro de saúde para estudantes -eles davam risadinhas e diziam que meus pacientes deviam estar querendo sair comigo (a possibilidade de eu ser boa no meu trabalho não passava pela cabeça deles). Ou das vezes em que eu dizia às pessoas o que fazia como trabalho, e elas respondiam: “Você deve fazer o maior sucesso com eletricistas, encanadores e gente do tipo” (a maioria de meus clientes eram estudantes de enfermagem mulheres, heterossexuais).

Me lembrei de um namorado meu que disse que eu dava confiança demais aos homens, porque eu tinha amigos homens e porque tinha perguntado aos colegas de quarto dele sobre seus estudos e namoros.

Me lembrei das vezes em que tive que lutar fisicamente para me defender de agressões sexuais porque aceitei uma carona para voltar para casa ou um convite para um drinque depois de sair com alguém (só cometi esses erros uma vez cada um, depois de aprender que aceitar convites desse tipo é interpretado como sinal de que você quer transar – um pouco como usar uma blusa muito decotada).

A percepção de que uma mulher extrovertida e “amigável” está querendo seduzir permeia a cultura do estupro. Pressiona as mulheres a serem altamente seletivas em sua gentileza (ou seja, é melhor ser considerada fria e mal-humorada, para ficar em segurança!).

A percepção de que uma mulher extrovertida e “amigável” está querendo seduzir permeia a cultura do estupro.

Em nossa sociedade cada vez mais isolada, eu sou uma pessoa amigável. Sorrio para desconhecidos na rua, na esperança de lhes proporcionar um momento de conexão com outra pessoa. Olho as pessoas nos olhos quando falo com elas. Aproveito oportunidades para brincar ou zoar de mim mesma, porque gosto que as pessoas fiquem à vontade comigo. Faço perguntas – perguntas de verdade – porque me interesso genuinamente, e escuto as respostas com atenção porque realmente me importo. Dediquei minha vida inteira a tentar compreender a condição humana, oferecer apoio e conexão, porque quero reduzir o sofrimento das pessoas.

Estou interessada em você.

Isso não quer dizer que eu esteja querendo fazer sexo com você.

Vamos pensar nessa ideia.

*O nome foi modificado.

Imagem de capa: Shutterstock/Rawpixel.com

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST

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