COMPORTAMENTO

Estudo aponta que cães são capazes de reconhecer emoções humanas.

Por Catarina Chagas

Donos de cachorros dirão “eu já sabia!”, mas agora está comprovado pela ciência: cães têm a habilidade de reconhecer emoções humanas, pelo menos a alegria e a raiva. A conclusão é resultado de um estudo realizado por uma cientista brasileira na Universidade de Lincoln, no Reino Unido, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo.

A equipe avaliou como os animais reagiram a sons e fotografias de cães e humanos com expressões positivas (felicidade/brincadeira) e negativas (raiva/agressividade). O estudo foi publicado na revista Biology Letters.
Durante o teste, 17 cachorros de diferentes raças foram expostos a dois tipos de estímulos emocionais, visual e auditivo. Projetadas em telas estavam fotografias de humanos e animais com diferentes expressões e, paralelamente, era reproduzido um som neutro ou vocalização positiva ou negativa, que podia ou não corresponder às emoções expressas nas imagens. As vocalizações humanas foram feitas em português, por ser uma língua desconhecida para os cães participantes do estudo – um cuidado para evitar que os animais reconhecessem alguma palavra específica, em vez de focar no conteúdo emocional do som.

Durante o teste, cachorros foram expostos a imagens de cães e humanos com expressões de alegria e raiva, combinadas a diferentes sons.
Os resultados mostraram que os cachorros passavam mais tempo a observar as expressões que combinavam com os sons, demonstrando o que os pesquisadores chamam de ‘preferência do olhar’. “Este é um paradigma bastante consolidado, rotineiramente utilizado no estudo de diferentes espécies animais”, explica a bióloga Natalia Albuquerque, doutoranda em psicologia experimental na USP e autora principal do trabalho.

“Ele permite que um indivíduo avalie os dois estímulos visuais apresentados simultaneamente e decida qual dos dois é mais associado ao som. Neste paradigma, espera-se que, se o animal é capaz de reconhecer o conteúdo dos estímulos, ele vá passar mais tempo olhando para a face positiva ao escutar o som positivo e para a face negativa ao escutar o som negativo”.
Para os cientistas, portanto, o resultado dos testes demonstra que os cães são capazes de reconhecer as emoções de outros cães e também as de seres humanos. “Isso quer dizer que esses animais possuem uma representação mental do que são emoções positivas e negativas”, destaca a pesquisadora. Esta é a primeira vez que se demonstra a habilidade de reconhecer emoções de indivíduos da mesma espécie em mamíferos não primatas, e a primeira evidência de reconhecimento de emoções de indivíduos de outra espécie em animais não humanos.

“Outros estudos mostraram que cães são capazes de discriminar expressões emocionais, mas nós mostramos que eles podem fazer mais do que isso: eles conseguem acessar seu conteúdo.”
Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que os cachorros podiam diferenciar expressões faciais distintas. Porém, o reconhecimento de emoções é uma habilidade muito mais complexa, pois exige extrair informações de diferentes estímulos e integrar essas informações em uma percepção coerente. “Outros estudos mostraram que cães são capazes de discriminar expressões emocionais, mas nós mostramos que eles podem fazer mais do que isso: eles conseguem acessar seu conteúdo”, celebra Albuquerque.
Para a médica veterinária Norma Labarthe, da Fundação Oswaldo Cruz, a comprovação experimental dessa habilidade dos cães nos faz refletir sobre aquilo que julgávamos ser exclusivo dos seres humanos. “O fato de cães reconhecerem emoções humanas não chega a ser uma novidade para mim, mas ler um artigo que traz evidências científicas de que eles reconhecem emoções humanas apenas por estímulos auditivos ou visuais estáticos, sem a interferência de odores, movimentos ou atitudes, é intrigante e emocionante”, comenta.

Até agora, havia evidências apenas de que chimpanzés e macacos rhesus seriam capazes de reconhecer emoções em indivíduos de sua espécie. Reconhecer que cachorros também são capazes de fazê-lo reforça a ideia de que essa habilidade confere algum tipo de vantagem adaptativa aos animais, por exemplo, a capacidade de adequar seu comportamento a diferentes situações, com vistas a estabelecer vínculos de longa duração com outros indivíduos.
Nos cachorros, animais essencialmente domésticos, a habilidade de reconhecer emoções de outra espécie – a humana – ganha importância ainda maior. “Essa capacidade pode ter sido selecionada ao longo do processo da domesticação”, reflete a pesquisadora. “Compreender as reais capacidades dos cães pode trazer luz às investigações do comportamento e cognição humanos, uma vez que algumas habilidades podem ter sido desenvolvidas ao longo da história evolutiva compartilhada entre as duas espécies”. Embora sejam filogeneticamente distantes de nós, os cachorros convivem com os seres humanos há milhares de anos.
Albuquerque disse à CH Online que, como era de se esperar, os resultados obtidos no estudo levantaram novas perguntas de pesquisa. Há outros animais capazes de reconhecer expressões emocionais? Os cães são capazes de reconhecer outras emoções além da alegria e da raiva? Que mecanismos possibilitam tal capacidade? O grupo já começou a trabalhar em alguns desses pontos. “Esperamos ter respostas muito em breve!”, aposta a autora.

TEXTO ORIGINAL DE CIÊNCIA HOJE

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