Ana Pires

Eu escuto você: Como os casais podem melhorar a capacidade de escutar

Quem tem algo a dizer quer que o cônjuge preste atenção em cada palavra, mas é comum sentir que somos excluídos, principalmente depois de décadas de trocas triviais. E, por mais que seja bom acreditar que é um ouvinte ideal, talvez você também tenha culpa por negligenciar seu parceiro (a).

Há uma grande fome de sermos ouvidos, temos equipamento para isso, a maioria de nós dispõe de dois ouvidos, mente e coração. E, se há uma grande fome de sermos ouvidos, isso indica que há pouquíssima escuta de verdade. Em vez de escutar, é mais provável que estejamos esperando para dar nosso ponto de vista sobre o assunto.

A maioria dos casais tem conversas significativas diárias, quem estiver distraído demais perderá, mais do que a fofoca de dia, dicas mais sutis sobre os sentimentos do cônjuge que poderiam aproximar o casal. Infelizmente, muitos de nós perdemos esta oportunidade de conexão. Ao contrário da leitura, não costumamos receber instrução adequada para a escuta, embora seja o tipo de comunicação que mais usamos. É possível aprender a escutar com mais atenção e levar o outro a se sentir mais valorizado ao invés de desdenhado.

É natural que a mente devaneie durante a conversa, mas quando se tem consciência disso é mais fácil combater esta tendência. Parte do problema é que as pessoas escutam mais depressa do que ouvem. O ouvinte está sempre com vantagem em comparação ao falante. Isso explica por que é possível pensar no trabalho ou no jantar e ainda compreender o que o falante diz.

Um passo importante que muitos deixam de lado: caso perceba que não poderá escuta com atenção quando seu parceiro falar com você, seja franco e marque uma hora para falar depois. Então desliguem a TV, larguem os celulares e sentem-se. Essas ações simples mostram que você respeita seu cônjuge e está empenhado em ouvi-lo. Na vida adulta, o parceiro é nosso alvo de apego mais importante. Ele ou ela deveria ser uma base segura, e isso significa que temos de criar tempo e espaço para nos escutarmos de verdade.

Com o tempo, conforme se acostumam um com o outro, a conversa dos casais costuma sofrer, a escuta não é mais tão atenta como antes. O que acontece no começo da relação deveria continuar. A princípio queremos ter certeza de tudo que o outro diz: do que gosta, do que não gosta. Mas nos relacionamentos, principalmente os longos, as pessoas pensam que já sabem o que o parceiro dirá.

Você já terminou uma frase que seu parceiro começou? Tenha ou não previsto corretamente, você o está excluindo, e isto tornará menos provável que ele volte a falar, interromper não ajuda e nasce da impaciência. O problema é que, em geral, não nos achamos muito interessados em escutar. Estamos esperando para dizer o que queremos. Interrompemos e falamos: “Ah, ta, entendi”. Respondemos contando nossa história.

Quando seu cônjuge lhe pedir que escute, tenha consciência do que e quando vai dizer, é comum as pessoas não saberem que estão interrompendo. Quem faz a pergunta precisa parar, esperar e escutar em silêncio para permitir que o outro pense e fale.
Quando seu cônjuge lhe contar algo importante, escute. Não dê conselhos, não expresse sua opinião nem conte outras histórias, a maioria escuta com a intenção de reagir em vez de entender. A conversa fica parecendo um jogo de pingue-pongue, em vez de aceitar ou responder, eles ficam lá e cá, e ninguém se sente de fato compreendido.

Muitos dão conselhos, mas contenha-se, a menos que o parceiro os peça especificamente. Às vezes achamos que os outros querem conselho quando, na verdade, querem é que alguém os escute. Quando temos a oportunidade de falar com alguém que escuta, é normal descobrirmos que o bom ouvinte nos permite escutar a nós mesmos.

É difícil ter um relacionamento significativo sem discussões ocasionais, mas para a maioria, escutar durante as discussões é complicado, cada cônjuge acha que sua atitude, necessidade e opinião sobre a situação estão certas e que é preciso convencer o outro disso. No relacionamento, os conflitos têm importância como o “sal na sopa”. É importante que os casais discutam, mas de maneira adequada e respeitosa, discuta questões delicadas quando estiverem calmos. Se estiverem nervosos e predispostos à discussão quando começarem a conversar, não será possível um diálogo construtivo.

Os sentimentos intensos tendem a pôr cada um nós numa sala de vidro, e não escutamos o que o outro diz, por trás destes momentos está a sensação de não se encontrar emocionalmente ligado ao parceiro, falar de seus sentimentos pode ajudar cada um a escutar com mais atenção. É comum isso ser novo para os casais: atrás da raiva e da frustração há muita vulnerabilidade, porque eles não tiveram a experiência de um parceiro vulnerável, quando entendem isso fica muito mais fácil desacelerar e se regular para uma escuta melhor.

Quando damos uma notícia empolgante ou exprimimos desagrado e somos recebidos com indiferença, podemos achar que não temos importância, na hora de virar a mesa, ponha-se no lugar do cônjuge e escute com atenção. Quanto mais a pessoa fala do mundo interior (a razão de algo ser difícil e doloroso para ele ou ela), mais fácil é sentirmos empatia.

A reação não verbal pode ser tão importante quanto qualquer coisa que diga, nunca basta revelar a alguém seu sentimento intelectual, também é preciso é preciso demonstrar entendimento emocional, uma lágrima ou uma mão no ombro podem exprimir mais do que palavras.
Quer ser um bom ouvinte? Peça ajuda. Se perguntar ao seu parceiro o que deveria fazer de maneira diferente, ele lhe dirá: “Detesto quando você diz isso” ou “Não fique aí sentada olhando para mim”.

Se você for falador, seu cônjuge pode ter dificuldade para se exprimir. Estimule-o a falar mais e escute de verdade, conte a ele ou a ela o que acha que estão tentando dizer e permita que corrijam ou completem. Muita gente diz: “Ah é isto que você quer dizer” e em seguida encerra: “Ah entendi”. É melhor convidá-lo a falar mais, talvez você se surpreenda com a reação positiva. Quando ficamos imobilizados num modo de agir, é bom que nos mostrem que estamos presos, isso pode mudar o nosso modo de ver as coisas e a ter disposição para a mudança.

Ana Pires

Psicologa Clinica com atuação em Dependência Química/ Saúde do adulto e Idoso , CRP/RS 07/19046

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