Por Heloísa Noronha

Não é à toa que, nos processos de terapia, a culpa de muitos problemas do paciente recai sobre a mãe. “Eu costumo brincar que toda mãe é uma espécie de balcão de reclamações”, diz a psicóloga Maria Lúcia de Souza Campos Paiva, do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).

“Porém, é impossível desprezar o fato de que a mãe é a principal responsável pela concepção psíquica do filho. Ela é o primeiro objeto de amor da criança, o primeiro vínculo estabelecido. A mãe é quem abre espaço para a relação entre o pai e a criança existir. É a mãe quem nos apresenta o mundo”, afirma Maria Lúcia.

Ao longo da vida, estabelecemos outras relações importantes –com os demais membros da família, cuidadores, professores, amigos. Esses laços e o ambiente que nos cerca também são referências fundamentais na vida, mas o vínculo com a mãe é o que desempenha o papel principal no nosso desenvolvimento, principalmente nos primeiros anos da infância e, posteriormente, na adolescência. E a dose de afeto que recebemos sugere o caminho que vamos trilhar.

Afeto na medida certa

A maneira de demonstrar afeto varia de pessoa para pessoa e, portanto, de mãe para mãe. Algumas são mais carinhosas e chegadas a beijos e abraços. Outras preferem ensinar as coisas, e há aquelas que têm um senso prático aguçado, concentrando maiores esforços nos cuidados com a alimentação e vida escolar, por exemplo. Mas o quê, de fato, uma criança precisa para crescer se sentindo valorizada, amada e querida?

Cada criança também tem sua própria maneira de se relacionar com a mãe. O que serve para certas pessoas nem sempre servem para outras, basta observar mães que têm vários filhos. Uns são melosos e querem ficar grudados o tempo todo, outros são mais independentes. “Em relação às mães, é a mesma coisa. Não existe um modelo materno ideal que gera crianças mais felizes”, diz a psicóloga Cecilia Russo Troiano, autora de “Vida de Equilibrista – Dores e Delícias da Mãe que Trabalha” (Ed. Pensamento).

Seja através de um abraço, do olhar, da presença física ou não, o que importa é o filho se sentir cuidado e amado. Ele precisa ter a segurança do afeto da mãe, mesmo que ele seja expresso de maneiras distintas e que atenda a criança em suas necessidades emocionais. E a criança sabe decodificar o afeto, afinal, ele a conhece desde que nasceu. “Quando crescer, saberá demonstrar afetividade e recebê-la”, fala Cecilia.

Segundo especialistas em desenvolvimento infantil, a criança não quer uma mãe ausente, mas não deseja uma mãe presente o tempo todo. Os movimentos maternos de ir e vir, sair e voltar, são positivos. “É ilusão nossa achar que apenas a presença faz bem. O que é ruim é a ausência absoluta ou uma falsa presença, quando a mãe está próxima, mas não fica conectada ao filho”, conta Cecilia.

A psicóloga Magdalena Ramos, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e autora do livro “E Agora, o que Fazer? A Difícil Arte de Criar os Filhos” (Ed. Ágora), fala que existem mães que querem forçar a própria presença quando ela não é necessária. “São aquelas que se dispõem a fazer tudo pelo filho, em vez de ensiná-lo a amarrar um cadarço, por exemplo. No futuro ele será um adulto inseguro, que sempre vai esperar que os outros resolvam tudo por ele”, conta.

O importante é equilibrar. Os extremos –a falta e o excesso de carinho e atenção– é que são perigosos, pois podem provocar abalos na autoestima que transformam as crianças em adultos inseguros, tímidos, com dificuldade para confiar em si mesmos e nos outros.

Perdoar é necessário

Quem se dá conta, já adulto, que o relacionamento com a mãe contribuiu de alguma forma para escolhas insensatas ou determinadas dificuldades precisa aprender a reescrever sua história. O passado, óbvio, não pode ser mudado, mas é possível modificar o peso dado a certos acontecimentos (uma bronca mais incisiva, palavras rudes, falta de apoio num momento crucial etc.), perdoar e seguir adiante.

“As mães erram tentando acertar e muitas reproduzem os comportamentos que aprenderam com as próprias mães, pois os julgavam os melhores”, diz Magdalena Ramos.

Embora hoje as mulheres estejam adiando cada vez mais a maternidade, boa parte delas mantém um relacionamento mais aberto e dinâmico com seus filhos. Sobre o que será, então, que essas crianças vão reclamar nos consultórios dos psicólogos, daqui a alguns anos? Difícil prever, mas a psicóloga Maria Lúcia Paiva, da USP, declara que a maioria das mães contemporâneas sofre de um terrível mal: a culpa.

Ela acomete não só as que trabalham fora, e acham que negligenciam os filhos, como também as que decidiram abandonar o emprego e ficar em casa, e vivem sob a sombra da dúvida se tomaram a decisão certa para todos.

“Nunca é demais repetir que o mais importante não é a quantidade de tempo dedicada à criança, mas a qualidade. Eles percebem e valorizam isso”, diz a pediatra e psicanalista Miriam Ribeiro de Faria Silveira, membro da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo).

Para Miriam, apesar da culpa, as mães modernas contam com um recurso muito importante e que faz toda a diferença na relação e no afeto: o diálogo. “Justamente por não se sentirem infalíveis nem donas da verdade, elas se sentem à vontade para pedir desculpas por eventuais erros no meio do caminho e recomeçar”, diz. Ao se mostrarem humanas, se aproximam ainda mais dos filhos, que certamente não devem desperdiçar o exemplo.

Texto original Uol Mulher Comportamento

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