Por Elvira Lindo
O psiquiatra Diego Figuera sai do Hospital de Dia de Ponzano (Madri), cercado por pacientes e famílias. Há beijos, abraços, se respira camaradagem. Hoje é a primeira sessão interfamiliar depois do verão europeu. São encontros que Figuera criou para que seus pacientes pudessem aprender com o comportamento dos outros. E eles aprendem. Descarregam angústia. Se sentem menos sozinhos. Embora contestada por setores mais ortodoxos da psiquiatria, essa maneira comunitária e afetiva de entender a profissão funciona para Diego Figuera.
No ano passado, a Prefeitura de Madri lhe concedeu a Medalha da Cidade em reconhecimento por um trabalho em que aplica o conhecimento científico inculcado pelo pai (o primeiro cirurgião a fazer um transplante de coração na Espanha) e uma atitude criativa que aprendeu com a mãe, pintora. Figuera entende que muito do que somos é marcado pela maneira como fomos criados, pelo apego, esse termo nem sempre usado da maneira mais sensata, mas que ele nos explica com a paixão e a clareza daqueles que apreciam diariamente sua profissão.
– Apego é um termo definido pelo psicanalista e psiquiatra John Bowlby, que analisou as carências das crianças órfãs da Segunda Guerra Mundial. Bowlby percebeu que necessitamos de algumas figuras que cuidam de nós, fundamentalmente, para termos segurança. Quando somos muito pequenos, precisamos de segurança física, algo que vem da evolução das espécies, porque os animais também têm apego. Nascemos inábeis, indefesos diante dos predadores.
Bowlby afirmou que nossa necessidade de apego não é secundária à alimentação, como defenderam até agora os psicanalistas. Se estivermos inseguros durante o período de criação, não aprendemos bem porque sempre andamos com os sinais de alerta ativados. A relação de cuidados físicos, emocionais e mentais vai mudando nas fases do desenvolvimento. Um apego seguro geralmente é considerado terminado com um ano e meio de vida. É por isso que hoje uma licença maternidade e paternidade de no mínimo um ano é considerada muito importante.
– O apego é uma necessidade básica determinada pela espécie. Precisamos de carinho, apoio e comida. Dependendo de como sejam esses cuidados, saímos com resistência à adversidade ou com vulnerabilidade, que é um fator de risco muito importante para a possibilidade de sofrer doenças mentais a partir da adolescência.
– Existem apegos saudáveis ou insanos. O apego seguro é o que nos torna resilientes. Isso não significa que estejamos grudados na criança o dia todo. Pelo contrário, é necessário promover sua autonomia de acordo com as fases; em cada idade a criança precisa de um tipo de relação afetiva, cognitiva e comportamental diferente. Se nos consideremos muito espertos ou muito limitados, teremos apegos inseguros. Por exemplo, a superproteção dá um apego inseguro e com menos resistência à adversidade. É o mal da sociedade moderna.
“Se uma criança é criada em um apego seguro, a probabilidade de ter doenças mentais é baixa, em geral”
– Os transtornos de personalidade estão intimamente relacionados ao nosso modo de vida. O estilo de criação influencia enormemente. Se uma criança é criada em um apego seguro, a probabilidade de ter doenças mentais é baixa, em geral.
– Um apego saudável promove a autonomia pessoal. A cada momento temos que nos separar um pouco dos nossos filhos para que explorem, se relacionem com o mundo. O excesso de preocupação está relacionado ao transtorno de personalidade limítrofe. Em criações muito superprotegidas, as crianças fazem rupturas muito fortes com os pais na adolescência, elas os punem.
“Os terroristas não são loucos, não. Eles são provavelmente imaturos, inadaptados, mas não é loucura”
– Hoje em dia já não separamos o biológico do psicológico, estão inter-relacionados de maneira complexa. O biológico parece que tradicionalmente dava a nós, psiquiatras, nossa importância como médicos, mas hoje acreditamos que o psiquiatra deve ser alguém mais multifacetado, ter mais interesses pela filosofia, psicologia, etologia, pelas neurociências.
– O outro apego que favorece o transtorno mental é o apego inseguro, evasivo, que é exatamente o contrário, o de pais excessivamente desapegados. Isso aconteceu muito na educação britânica. A criança é separada desde uma idade muito pequena, e o importante é a retidão. É um apego que está relacionado com figuras paternas muito fortes. Tende mais a dar vulnerabilidade à psicose, porque te ensinam a confiar apenas em você mesmo, a pensar que vive em um mundo hostil, persecutório, que mostrar afetos é coisa de frouxos, e que se deve ser individualista, que se deve ser bem-sucedido. São distúrbios mais próximos do narcisismo.
– E o mais tóxico de tudo é a ausência das relações de apego. O que chamamos de apego desorganizado. Maus-tratos, abusos, violência física, orfanatos rígidos. Essas crianças mostram patologias desde muito pequenas. São crianças com tendência psicopata, que torturam o gato, que maltratam outras crianças. Se não houver apego, não há empatia.
“Nós lutamos para trabalhar em comunidade e colocar a medicação em segundo plano. Fazemos isso junto com os movimentos de desmedicalização dos próprios pacientes”
– Nunca recomendo a um paciente apenas a medicação. A medicação, é importante deixar isso claro, se baseia em sintomas, não no diagnóstico de uma doença. Temos remédios para sintomas, mas eles não curam. Isso causa muita confusão. A coisa mais perigosa para uma pessoa doente é parar de tomar uma medicação subitamente.
– A maioria dos nossos pacientes vem com a família, com os pais, os irmãos, todos juntos. A Espanha é muito gregária. Nos Estados Unidos, não, lá eles vão sozinhos. Aqui, a luta dos familiares é por vontade de participar, porque a psiquiatria espanhola lhes dá muito pouco espaço. No início, os pacientes querem ficar sozinhos na consulta, a partir daí negociamos e tentamos mudar ideias preconcebidas sobre o que é pior ou melhor. Você os convence de que é mais eficaz estudar seus problemas em relação ao ambiente familiar.
– Quando um paciente aceita participar de um grupo de terapia com mais famílias é porque ele quer aprender. Você vê as mudanças que eles experimentam. Na vida se aprende muito através do outro. Muitos participantes não falam, mas você sabe que estão se transformando. Então eles te dizem: isso me serve muito, mesmo que eu não me atreva a falar. É que o cérebro aprende por imitação.
“Há pacientes que afirmam que não estão doentes, mas apresentam sintomas, porque na vida o importante é a funcionalidade: se você funciona, você não é um doente”
– Acreditamos que os doentes mentais são potencialmente perigosos porque são imprevisíveis e nos fazem estar alerta. Mas estatisticamente sabemos que esses pacientes têm uma taxa de criminalidade muito menor do que a população em geral. Os terroristas não são loucos, não. Na verdade, eles geralmente não são aceitos em grupos sectários desse tipo porque não confiam neles. Eles são provavelmente imaturos, inadaptados, mas não é loucura.
– Nós lutamos para trabalhar em comunidade e colocar a medicação em segundo plano. Fazemos isso junto com os movimentos de desmedicalização dos próprios pacientes, que afirmam que não estão doentes, mas apresentam sintomas, porque na vida o importante é a funcionalidade: se você funciona, você não é um doente. Mas nos alerta o enorme aumento da psiquiatria cosmética, promovida pela indústria, pela impaciência, mais por seu efeito de droga da felicidade. Queremos evitar insônias, fobias, medos e vamos ao mais fácil, mas essas dificuldades são mais bem tratadas com terapia. A medicação é um grande mal do nosso tempo. Aceitamos uma sociedade medicalizada para alcançar o máximo do nosso rendimento e acabamos sendo escravos. Precisamos de drogas, sempre foram necessárias, mas agora tentamos apagar qualquer contratempo.
– O que nossa equipe pretende é ser flexível e criativa: fazemos um amálgama de tratamentos, misturando aspectos da psicanálise com terapias cognitivas pontuais; estudamos as necessidades sociais ou econômicas ou buscamos miniresidências quando a vida nas casas é tóxica. O básico é a psiquiatria comunitária, de bairro, na qual envolvemos a sociedade o máximo possível. Queremos sair dos lugares psiquiátricos, preferimos os centros primários de saúde mental ao hospital; gostaríamos de ter acesso a bibliotecas, associações de bairro… para mostrar que nossos pacientes estão melhor do que parece. Instamos as famílias e os pacientes a serem donos do seu tratamento e fazemos sugestões. Na Espanha, estamos muito atrasados na participação ativa do usuário porque o modelo de psiquiatra foi o “você se cala e eu vou te dizer o que fazer”. Não mais, nosso trabalho é artesanal, cada história leva a nos adaptar à necessidade do paciente. E não tivemos pressão da administração, por quê? Porque demonstramos que somos eficazes. Tenho a obrigação de cumprir objetivos de gerenciamento clínico e quem nos supervisiona vê que por paciente e por ano reduzimos a oitenta por cento as internações, diminuímos o consumo de medicamentos outros oitenta por cento, as licenças médicas de trabalho são mínimas, constata-se que não houve agressões, que não há recaídas. No final, sai mais barato e é mais eficiente.
“Nos alerta o enorme aumento da psiquiatria cosmética, promovida pela indústria, pela impaciência, mais por seu efeito de droga da felicidade”
– A psicose sempre se manteve como a doença mental por excelência, oscila sempre entre 1 e 2 por cento. Mas foram aumentando os transtornos de personalidade e hoje em dia ocupam uma faixa entre 4 e 5 por cento. Penso que tem a ver com o fato de criarmos nossos filhos de maneira insegura, com muito mais permissividade para o consumo de tóxicos e em situações muito caóticas que são pouco eficientes para que as crianças sejam autônomas. Há uma mudança muito abrupta da superproteção a de repente pedir a uma criança que seja legal, porque “é o que você me deve considerando o que fiz por você”. E aí os jovens não aguentam.
– Eu costumo desenhar um copo para as famílias para explicar os fatores que influenciam na doença mental: na base está o biológico, essa porcentagem que vem de uma herança genética; depois, a criação, se for feita de forma segura reduz a probabilidade de uma herança biológica e é um fator de resistência à adversidade; depois, a adolescência, quando a personalidade é forjada; mais acima, o consumo de tóxicos, que altera a bioquímica do cérebro e a maneira com que nos relacionamos com o mundo; por cima disso, os aspectos sociais, a pobreza, por exemplo, que é um fator de risco para a psicose, e depois, o trauma. A capacidade de superar um trauma está intimamente relacionada ao apego que tivemos. Se você perde seu pai, mas tem relações seguras que permitem dissolver o trauma, vai viver isso melhor. Finalmente, existe a forma como lidamos com o estresse diário. Um menino ou menina que não tiver bem resolvidos vários desses fatores, que estão inter-relacionados, pode desabar com um fracasso amoroso.
“Queremos sair dos lugares psiquiátricos, preferimos os centros primários de saúde mental ao hospital; gostaríamos de ter acesso a bibliotecas, associações de bairro… para mostrar que nossos pacientes estão melhor do que parece”
– Os países pobres têm menos incidência de doença mental e convivem com ela de uma forma mais adaptativa, no entanto, os pobres ou os imigrantes de um país desenvolvido estão sujeitos a exigências cotidianas muito fortes que os deixam, sem dúvida, mais vulneráveis. Na doença mental tudo conta.
A conversa acaba sendo curta, porque, inevitavelmente, ouvindo o doutor Figuera acreditamos vislumbrar muitas chaves da relação que tivemos com nossos pais ou que temos hoje com nossos filhos.
Imagem de capa: Shutterstock/Rawpixel.com
TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS