Experimente fazer companhia para si mesmo – o outro lado da solidão

Solidão é uma palavra que pode soar como algo ruim, ficar sozinho muitas vezes pode trazer alguns sentimentos negativos como angústia e medo. O outro lado da solidão é que, ficar sozinho por alguns períodos pode ser uma oportunidade para se conhecer melhor e diminuir a dependência emocional de outras pessoas.

A companhia de amigos, companheiros, família, pode parecer, para a maioria das pessoas, como algo mais agradável. Afinal, através das relações com outras pessoas podemos receber apoio, carinho e conversar, trazendo bem estar; além disso, somos seres sociais e é instintivo querermos nos relacionar e procurar nos identificarmos com um grupo e fazer parte dele.

Culturalmente temos a ideia de que a felicidade e satisfação só podem ser encontradas na companhia de alguém ou quando consumimos coisas. Apreciar momentos a sós dificilmente é colocado como algo que possa trazer satisfação. Inclusive, existe um movimento de luta para não ficar sozinho e pessoas que preferem o isolamento são vistas com estranhamento dentro desse padrão cultural.

Mesmo que a princípio possa parecer que não, é possível ter momentos divertidos, alegres e produtivos na companhia de você mesmo! Esse movimento, de fato, exige certa dose de coragem para transpassar o medo da solidão.

Aproveitar momentos em que se está sozinho ou inclusive criar oportunidades para ficar só, é uma excelente maneira de entrar em contato com os próprios sentimentos. Dessa forma é possível observar, aprender e cuidar de si da mesma forma que faríamos com uma pessoa com quem temos uma relação de afeto. Ter um olhar analítico e sem julgamentos para entender os próprios sentimentos é um começo para mudar atitudes perante a vida.

Questões que sempre nos atravessam e que impulsivamente procuramos a resposta com outras pessoas podem ser respondidas quando paramos para nos escutar. Quando depositamos em outras pessoas a responsabilidade de nossas próprias questões passamos a ter alguém ocupando o lugar que originalmente deveria ser o nosso. Além disso, quanto mais gerarmos as próprias respostas para nossos dilemas pessoais, maior será o nosso autoconhecimento e isso poderá aumentar a autoestima e diminuir a dependência de comandos externos ditando o que se deve fazer.

Como afirma Sallie Nichols, apesar de ser um caminho a se percorrer na contramão de nossa cultura, parece ser a forma de encontrar quem se é.

Parece-nos cada vez mais difícil aceitar o caminho solitário para a auto-compreensão (…) Para descobrir quem somos precisamos, finalmente, recolher as partes de nós mesmos que projetamos sem perceber em outros, aprendendo a encontrar, bem no fundo de nossas próprias psiques, os potenciais e deficiências que anteriormente só víamos nos outros. Tal reconhecimento será facilitado se pudermos retirar-nos da sociedade por breves períodos e aprender a receber com agrado a solidão.” (Nichols, 2001)

Permanecer sozinho para se conhecer e refletir sobre o caminho que estamos trilhando em nossa vida pode sim ser algo saudável, “pode devolver-nos ao mundo com renovada energia para a ação e um sentido mais aguçado de nossa própria identidade e de nosso papel especial em relação ao mundo” (Nichols, 2001). 

As demandas do mundo exterior (trabalhar, eventos sociais de família e amigos, por exemplo) podem tomar muito tempo e parecerem mais urgentes que as demandas internas, porém, as questões internas são tão importantes quanto às externas e caso não sejam olhadas, podem se transformar em agressividade, frustração, raiva e prejudicar a saúde mental. Além disso, podemos facilmente projetar todos esses sentimentos em outras pessoas, por esse motivo, para nos relacionarmos com o outro de maneira saudável também é importante olharmos nossas questões pessoais.

Estar bem consigo mesmo evita que se deposite em outra pessoa esperanças de uma vida melhor ou projeções negativas, afasta o sentimento de ansiedade de encontrar no outro o que quer que seja.

Por fim, Celia Brandão nos aponta a importância de se estar sozinho para nos conectar com nosso potencial e nos distanciar da ideia de que precisamos sempre do outro.

“Para Jung estar em contato com a própria alma é estar saudável. Quando nos dissociamos de nossos sentimentos mais ocultos  caímos na neurose. Estar sozinho é uma circunstância  necessária para encontrarmos o sentido de nossas vivências e nos conectarmos com nosso potencial simbólico.  O mergulho no inconsciente é necessário para o desapego dos “vícios” da consciência e da crença de  que não podemos sobreviver sem nossos objetos de amor e  de apego. A companheira de toda existência do sujeito é sua alma. Se dela nos dissociamos a solidão experimentada é profunda. Nos projetamos em nossos objetos de apego e mergulhamos na melancolia da ausência dos entes queridos. O melancólico perdeu sua alma. Melancolia não é tristeza é a impossibilidade de se separar do outro como referência da própria identidade”. (Celia Brandão)

A essência de quem somos não pertence a ninguém além de nós mesmos e podemos senti-la quando reservamos um momento para ficarmos sozinhos.

Bibliografia

NICHOLS, S.- Jung e o Tarô – Uma jornada arquetípica. São Paulo: Cultrix, 2001.






Camila Figueiredo é psicóloga (CRP 05/45804) especialista em psicologia junguiana pela UNESA - curso coordenado pelo Instituto Junguiano do Rio de Janeiro (IJRJ). Atua como psicóloga clínica com experiência em psicoterapia individual a crianças, adolescentes e adultos. Trabalha também como psicóloga escolar no Instituto Sri Sathya Sai de Educação e é sócia do Espaço Almar, lugar onde se faz a troca de conteúdos relacionados à psicologia como cursos, workshops, palestras e exposições no Rio de Janeiro.