A sociologia foi criada com objetivo de servir aos administradores de pessoas; deveria, então, se tornar uma arma para a disciplina, para evitar greves e conluios de operários.
No entanto, a partir dos anos 90 ela perde esta clientela e se desata do mundo corporativo. Um desastre para alguns sociólogos, mas uma bênção para Zygmunt Bauman, que viu a oportunidade da sociologia trilhar seu próprio caminho. Em entrevista por Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, Bauman discute sua profissão, a organização do trabalho, as redes sociais na modernidade líquida, o momento atual da Europa com refugiados e o milagre brasileiro.
O autor, com 35 livros publicados no Brasil e vendagem por volta de 600 mil exemplares, veio ao país para uma palestra no evento Educação 360º. O foco de sua análise são as mudanças que se passaram da modernidade sólida (ou simplesmente modernidade, para o senso comum) para a modernidade líquida (ou pós-modernidade, também no senso comum). A primeira observação se dá sobre a relação dos funcionários com o patrão.
Após os constantes ataques aos sindicatos, a união de trabalhadores para negociação com os patrões se esgotou e uma nova forma de relação se dá entre os trabalhadores. Estamos em um “estado permanente de mútua suspeita e competição. Todos nós estamos em competição potencial uns com os outros”, diz Bauman.
As empresas consideram, e isso é parte da nova filosofia de administração, que as demissões periódicas, a econômica periódica, a reestruturação periódica, em que alguns casos algumas pessoas são demitidas são elementos necessários da boa administração. Por quê? Porque coloca os membros remanescentes da equipe olhando de forma suspeita para seus colegas, não se unem para enfrentar os patrões. Pelo contrário, tentam provar para os seus patrões que quando chegar na próxima rodada de demissões, que o outro deve ser demitido e não eu.
A vida em sociedade fica mais difícil e as pessoas são obrigadas a encontrarem refúgio em locais controláveis. A internet é o exemplo perfeito em que as relações são fechadas numa zona de conforto que ecoa a mesma voz do usuário eternamente. O indivíduo se torna autoridade sobre tudo, “porque é muito simples: é só você parar de responder a algo, parar de visitar os sites que você acha ofensivos. Você os desliga. Você não pode desligar quando você está na rua e encontra pedestres que você não gosta. Você precisa conviver com eles”, diz o sociólogo.
O problema da insegurança generalizada pela competição potencial presente é resolvido pelas redes sociais. Ironicamente, Bauman comenta.
Felizmente nós temos Mark Zuckerberg com o Facebook, nós temos o Google, nós temos outras coisas que nos suprem com tranquilizantes para tratar doenças que sofremos como solidão e falta de conhecimento. O problema de poder adquirir conhecimento completo, de qualquer coisa, é atenuado por esses serviços tranquilizantes.
É claro que o Facebook é um modelo mais geral. O autor assume que, na academia, um artigo pode ser resumido em 200 notas de rodapé bem feitas, já que a intenção do conhecimento profundo do todo é deixada de lado.
O autor pontua que o Google, mesmo sendo a maior biblioteca do mundo, é só uma biblioteca de citações, de trechos. A fragmentação do conhecimento está no próprio resultado da busca, que direciona o usuário para milhares de possibilidades que nunca abordarão a totalidade do problema.
Oferecer milhares de resultados já põe em dúvida o caminho a ser seguido. Se a falta do conhecimento correto era o problema da modernidade sólida, a modernidade líquida precisa confrontar o excesso de informação.
O que eu aprendi com o Google é que eu nunca saberei o que eu deveria saber, tudo está ao alcance dos meus dedos, mas isso não significa que sou mais sábio. Me sinto humilhado ao redor dos outros. Não só por não ser mais sábio do que eu sou, mas também pela impossibilidade de adquirir a sabedoria que nos permite realmente responder a pergunta que está na nossa frente
Por fim, o milagre brasileiro é destacado por Bauman como um processo em andamento, mas que encontrou suas deficiências. Assim como a Europa, em que a utopia da União Europeia se tornou a distopia do fechamento de fronteiras pela Hungria, o Brasil precisará repensar sua situação.
Veja abaixo a entrevista na íntegra.
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