Por Alexandre A. Loch
Volta e meia o assunto vem à tona: o comer saudável patológico. Recentemente foi uma apresentadora de programas culinários, Rita Lobo, que deu um “chega pra lá” em um seguidor do Twitter e sugeriu que o mesmo buscasse tratamento, trazendo à pauta a questão da ortorexia, a obsessão pela alimentação saudável.
Em 2014 o assunto teve também outra onda de repercussão nos Estados Unidos, quando Jordan Younger, autora do blog “The Blonde Vegan”, admitiu sofrer do mal. Na época confessou que sua ânsia descontrolada pela comida saudável gerou um quadro de desnutrição com problemas graves à sua saúde, chocando seus mais de 70.000 seguidores.
Segundo alguns autores, a ortorexia nervosa seria um distúrbio envolvendo necessariamente dois critérios: foco exagerado em comida saudável e uma disfunção decorrente disso. No primeiro observaríamos comportamentos compulsivos e a preocupação exagerada com relação a determinadas práticas dietéticas.
Tais práticas se tornariam cada vez mais rígidas ao longo do tempo, e a violação destas geraria vergonha, ansiedade, culpa, e um enorme medo de adoecer.
Como prejuízos clínicos surgiriam desnutrição, perda excessiva de peso e prejuízos nas esferas sociais (trabalho, escola, relacionamento interpessoal).
Fato é que, apesar das amplas discussões que aconteceram nos últimos anos, esse comportamento não atingiu status de diagnóstico médico. Ou seja, apesar do esforço classificatório do DSM-V (Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders, o manual de psiquiatria elaborado pela Academia Americana de Psiquiatria), a ortorexia não entrou no manual como um novo diagnóstico a ser feito.
Se por um lado as neurociências procuram cada vez mais diagnosticar e desvendar o funcionamento dos distúrbios mentais, conscientizando a população sobre as doenças psíquicas, algumas vezes vemos este tiro sair pela culatra. É quando observamos a hiperclassificação dos nossos comportamentos, incorrendo em certa taxonomia reificante e patologizante do ser humano.
Nestas ondas hiperclassificatórias, todo mundo se acha bipolar, ou todo mundo acha que tem déficit de atenção, ou mesmo autismo. Assim como, em um novo modismo, todo mundo pode começar a achar que tem ortorexia, mesmo este não sendo um diagnóstico formal, validado.
É algo que ocorre frequentemente com o recém-chegado residente de psiquiatria, por exemplo. No começo, ao estudar pela primeira vez as patologias psíquicas, sempre fica com aquela pulga atrás da orelha: “será que tenho isso?”, ou “nossa, estes critérios diagnósticos batem exatamente comigo!”.
Às vezes acertam, mas na maior parte das vezes o autodiagnóstico está errado. Em escala maior, é o que acontece com a população geral nos modismos: auto-diagnóstico errado. Uma faca de dois gumes: se por um lado aumenta a conscientização acerca de um problema, por outro gera estresse desnecessário ao fazer as pessoas vestirem a camisa de uma “doença” que não têm.
A ortorexia na verdade é um comportamento obsessivo, como muitos advogam na comunidade científica. É a adoção de códigos, de regras rígidas para tentar dar conta de um vazio. Não é uma doença por si só.
E no mundo em que estamos, onde o consumo, a velocidade, a superficialidade das coisas, são excessivos, as possibilidades de subjetivação, de construção de identidade do indivíduo são cada vez mais escassas. Com isso os vazios são cada vez mais frequentes.
E em decorrência disso, os comportamentos obsessivos são, outrossim, cada vez mais frequentes. São os vícios comportamentais. Seria errado, portanto, dar um nome diferente a coisas que só se modificam em sua manifestação, e não em seu cerne.
Assim, não devemos olhar para a ortorexia, e sim para as obsessões e para a adoção de comportamentos compulsivos.
Como a questão é muitas vezes de medida, devemos estar atentos, mas também na medida certa. Devemos procurar ajuda quando observamos disfunção, sofrimento, angústia.
Mas também não podemos sair por aí classificando a torto e a direito as pessoas. Muito menos postar no Twitter, sem critério algum, algo semelhante a “você está doente!”, ou “vá procurar tratamento!”.
Ref.: Dunn & Bratman, 2016. On ortorexia nervosa: A review of the literature and proposed diagnostic criteria. Eating Behaviors 21:11-17.
Imagem de capa: Shutterstock/Nataliya Arzamasova
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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