Por Ciências da Saúde – URL Curta: jornal.usp.br/?p=227651
– Editorias:Levantamento realizado com 2.511 crianças mostra que 80% daquelas com transtornos mentais (ansiedade, fobias, déficit de atenção, hiperatividade, esquizofrenia, etc.) não recebem nenhum tipo de tratamento médico ou psicológico. A pesquisa envolveu crianças com idades entre seis e doze anos, oriundas de escolas públicas de duas metrópoles brasileiras, São Paulo e Porto Alegre. As pardas são as mais afetadas: 87,8% dos casos.
O estudo, realizado pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi tema de um artigo publicado na Psychiatric Services, tendo como primeiro autor o psicólogo Daniel Fatori, pesquisador do IPq.
As consequências de uma doença não diagnosticada nem tratada no tempo certo durante a infância são as sequelas na vida adulta: agravamento dos sintomas e o problema se tornar crônico, explica Fatori. Como exemplo, cita um quadro de surto psicótico. Se o paciente não tem acompanhamento adequado, “cada vez que o episódio acontece, as conexões neurais vão sendo afetadas, o que aumentaria as chances de outra ocorrência”, relata.
Das 2.511 crianças matriculadas em escolas públicas, 652 foram diagnosticadas com pelo menos um tipo de transtorno mental, aponta o estudo. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas dos psicólogos com os pais biológicos das crianças, que, neste caso, era um componente importante porque o problema poderia estar ligado ao fator genético. Em São Paulo, o porcentual de crianças que não receberam tratamento foi maior do que em Porto Alegre, 86,4% contra 78,2%.
Em um contexto mundial, 13% das crianças e adolescentes sofrem de transtornos mentais e quase metade não recebe acompanhamento médico. A pesquisa que gerou o artigo Use of Mental Health Services by Children With Mental Disorders in Two Major Cities in Brazilfoi feita entre os anos de 2010 e 2011, porém, as crianças vão continuar sendo monitoradas pelos pesquisadores para verificar a trajetória dos problemas de saúde mental. Mesmo tendo sido feita em São Paulo e Porto Alegre, a realidade de não atendimento médico pode ser replicada para todo o Brasil, relata Fatori.
A pesquisa também trouxe outros dados como raça, idade e gênero. As crianças mestiças têm maior tendência de não ter acesso ao tratamento médico, 87,8% contra 77,4% das brancas e 86% das negras. As maiores de dez anos são as mais afetadas, 83,6%. Com relação a gênero, o porcentual foi equilibrado, 80,2% (meninos) contra 82,1% (meninas). Sobre a questão das crianças mestiças terem menos acesso ao serviço de saúde, Fatori explica que este não foi o enfoque da pesquisa, mas lembra que em um país com profundas desigualdades raciais como o Brasil, é importante levar em conta o papel da raça como barreira para uso de serviços de saúde.
Considerando as crianças que tiveram acesso aos recursos médicos, para 5,2% delas foram prescritos medicamentos, 47,6%, terapias e 44,7%, medicação e terapia. A duração do tratamento em média foi de 25 meses para quem usou medicamentos e 22 meses para quem fez uso da psicoterapia. Os remédios mais comumente receitados foram antidepressivos (38,7%), benzodiazepínicos (3,9%), estimulantes (36,1%), anticonvulsivantes (30%) e antipsicóticos (28,5%).
Segundo Fatori, as causas principais que retardam ou impedem a procura de tratamento para as crianças são a falta de informação e o estigma sobre doenças mentais. “Os pais não querem que os filhos sejam vistos como loucos e desajustados e, às vezes, imaginam também que vão tomar medicamentos controlados por toda a vida. A falta de conhecimento sobre o assunto, por exemplo, poderia levar uma depressão infantil ser avaliada pelos pais como introspecção e quietude da criança”, relata.
Entre outras causas, o psicólogo cita a escassez de recursos humanos para atendimento e a melhoria da integração dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) – da Atenção Básica de Saúde (ABS) e dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Porém, avalia que algumas medidas simples contribuiriam para o acolhimento destas crianças e de seus familiares. Como exemplo, indicaria a atuação de agentes comunitários: “Eles poderiam ser treinados para fazer uma primeira avaliação da criança e o posterior encaminhamento aos serviços de saúde”, conclui.
Daniel Fatori, o primeiro autor do artigo Use of Mental Health Services by Children With Mental Disorders in Two Major Cities in Brazil teve a orientação de Guilherme Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Neurodesenvolvimento e Saúde Mental da USP.
Mais informações: e-mail daniel.fatori@gmail.com, com Daniel Fatori
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