Por Dra Ieda Laurindo
Considerada a segunda doença mais frequente na reumatologia, a fibromialgia está presente em cerca de 2% a 8% da população. Pode surgir em qualquer idade e ocorre em diferentes países, culturas e grupos étnicos. Não existem dados sugerindo que seja mais comum em países e culturas mais industrializadas.
Talvez seja a doença que traga mais sofrimentos para o paciente. Dor generalizada é a queixa principal, frequentemente acompanhada por cansaço, problemas de memória e alterações do sono. Nenhum destes sintomas tem uma “expressão visível” aos colegas de trabalho e familiares. Não existe inchaço ou deformidades articulares que possam ser “vistas”, os exames laboratoriais são normais. O paciente sofre e não há nada “mensurável” ou demonstrável em correspondência a este sofrimento. O diagnóstico é demorado, geralmente só ocorre após passagem por muitos médicos e realização dos mais diferentes exames, sempre normais.
A fibromialgia pode ser definida com um estado de dor crônica, ou seja, existe o relato de uma dor ou outra “desde sempre”. Dor é a manifestação central da doença, é o que define a doença. Muitos pacientes referem ter apresentado uma dor ou outra durante toda a vida, por exemplo, dor de cabeça, dores e desconforto associados à menstruação e ovulação, dor na articulação tempo-mandibular (“dor ao mastigar” como a queixa mais comum), fadiga crônica, alterações gastrointestinais funcionais (como cólicas e hábito intestinal irregular, alternando períodos de obstipação e diarreia), endometriose, dores nas costas e pescoço, etc.
Atualmente classificamos a fibromialgia como uma dor ou estado de dor de origem central, significando que o paciente desde jovem sofre com dor em diferentes pares do corpo em diferentes momentos da vida. Ou seja, existe um estímulo ou estímulos normais da vida diária que, no sistema nervoso central do paciente com fibromialgia, são amplificados e passam a ser percebidos como estímulos dolorosos. Podemos imaginar que nestes pacientes o limiar de dor ou o sensor que determine quando um estímulo passa a ser doloroso está regulado em um nível mais baixo; eles apresentam um interruptor, um “on-off” para dor mais baixo ou mais sensível que os demais. Pacientes com fibromialgia percebem como dor um estímulo de “toque” ou de “pressão”, por exemplo, que seriam meramente desconfortáveis em outra pessoa.
E isto não pode ser controlado pelo paciente sem ajuda, sem tratamento adequado. É fundamental para o paciente e para os que lhe estão próximos, a compreensão de que não se trata de vontade, de querer ou não, o paciente sofre e precisa de tratamento.
Diante deste estado de dor crônica, de “dolorimento” constante, pesquisas evoluíram para estudos funcionais do cérebro, demonstrando, por exemplo, padrões de ativação em áreas cerebrais de processamento de dor diante de um estímulo de pressão leve ou calor moderado nos pacientes com fibromialgia. Estes e outros estudos demonstraram uma base biológica para a fibromialgia e outras síndromes de amplificação da dor.
Compreendendo melhor a doença, entendemos e explicamos melhor os diferentes sintomas. Com isso, conseguimos um melhor tratamento.
A sensibilidade à dor é decorrente de componentes genéticos (vários genes) e ambientais, sendo diferente em cada pessoa (algo como ter ou não ter cócegas com um estímulo). Depende do balanço ou atividade de diferentes mediadores do sistema nervoso, explicando porque determinados medicamentos para a dor que agem diretamente no sistema central podem ajudar na melhora de diversos componentes da fibromialgia como dor, sono, humor, fadiga em um indivíduo e serem totalmente sem efeito em outro paciente.
Fatores do meio ambiente podem desencadear a doença, como infecções, traumas, estresse, ou piorar seus sintomas, como inatividade física e má qualidade do sono.
Embora o tratamento da fibromialgia deva ser individualizado, não há dúvida da importância de atividade física regular, do exercício para a melhora dos sintomas. Deve ser iniciado de forma gradual, respeitando-se os limites do paciente, mas é um elemento fundamental do tratamento (ainda que cause alguma dor/desconforto nos primeiros dias), associado ou não ao tratamento medicamentoso.
Todos os pacientes precisam ser educados a respeito da natureza da fibromialgia, do fato de que não é uma doença progressiva, de que seu tratamento depende da participação ativa do paciente “descobrindo” em parceria com o médico a melhor maneira de reduzir o estresse, de melhorar a qualidade do sono e de praticar exercícios. O tratamento medicamentoso também deve ser amplamente discutido e as decisões compartilhadas.
A fibromialgia pode, portanto, ser considerada um diagnóstico ou um conjunto de sintomas caracterizado por um mecanismo de amplificação da dor de origem central com fadiga, alterações de memória, do sono e do humor.
O dia 12 de maio é o Dia Mundial da Fibromialgia, e tem com objetivo despertar a atenção para esta doença de fisiopatologia complexa, diagnóstico e tratamento às vezes tão difícil. É importante conscientizar e esclarecer os pacientes, seus familiares e também a classe médica.
Saiba mais
Referências
Daniel J. Clauw, Fibromyalgia – A Clinical Review
JAMA. 2014;311(15):1547-1555. doi:10.1001/jama.2014.3266.
Mergener, Michelle et al. Influência da interação entre qualidade ambiental e o SNP T102C do gene HTR2A sobre a suscetibilidade à fibromialgia. Rev. Bras. Reumatol., Dez 2011, vol.51, no.6, p.594-602. ISSN 0482-500
Ramiro, Fernanda de Souza et al. Investigação do estresse, ansiedade e depressão em mulheres com fibromialgia: um estudo comparativo. Rev. Bras. Reumatol., Jan 2014, vol.54, no.1, p.27-32. ISSN 0482-5004
Valim, Valéria et al. Efeitos do exercício físico sobre os níveis séricos de serotonina e seu metabólito na fibromialgia: um estudo piloto randomizado. Rev. Bras. Reumatol., Dez 2013, vol.53, no.6, p.538-541. ISSN 0482-5004
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