Mesmo nascida na alma, a Fibromialgia é dolorosamente testemunhada no corpo. Não são raros os teóricos que a chamam de ‘doença da alma’. Isso porque a experiência da dor não é apenas física, mas também psíquica. Cabe ressaltar que, do ponto de vista da Psicologia Analítica, por ‘alma’ compreende-se a totalidade do próprio psiquismo, a ligar o consciente ao inconsciente. Exilada do discurso científico, desde o século XVII, devido o aparecimento do modelo newtoniano-cartesiano, a psique foi substituída por uma concepção mecânica e, consequentemente, reduzida às reações químicas ocorridas no cérebro (VASCONCELLOS, 2002, p. 46-48; CAPRA, 1998, p.99).
Há de se ter em conta que pessoas não são máquinas, tratamentos não são consertos e remédios não são arranjos para o bom desempenho das funções orgânicas. O problema de tudo isso está em conceber como válidas apenas as doenças constatadas a olho nu, submetidas a exames ou testadas em laboratório. Deixa-se de lado o reconhecimento de que a dor é uma “experiência interna, complexa […], sempre subjetiva e individual” (COSTA, 2011, p. 57-58). Algo fundamental para todos os profissionais de saúde, tanto médicos quanto não médicos. “Para que possa falar à alma do paciente, o médico deve compreender a linguagem da dor, do medo, da angústia” (COSTA, 2013, p. 23).
Possivelmente, aqui se encontra o sofrimento emocional de muitas pessoas acometidas pela Fibromialgia. Para além dos pontos hipersensíveis à dor, elas sofrem porque ‘o que dizem sentir’ não possui uma localização anatômica nem pode ser examinado estritamente pelo registro das atividades neurofisiológicas do cérebro. “Quando esse paciente é encaminhado para afastamento e é submetido a exames periciais no INSS, conta apenas com as suas queixas e história clínica para que seja determinado o diagnóstico e, quando for o caso, o nexo de causalidade com o trabalho” (ÁLVARES; LIMA, 2010, p. 809). Em vista disso, alguns recorrem ao âmbito judicial, enquanto última instância, para alcançarem os seus direitos previdenciários.
Tudo o que o paciente fibromiálgico tem em seu favor é o seu próprio relato, marcado por um terrível sofrimento, não raras vezes, sob a forma de depressão grave em 30% dos casos, depressão moderada em 34% deles, traços significativos de ansiedade em 70% e quadro de ansiedade alta em 88% (Cf. COSTA, 2011, p. 56). Como se vê é um adoecimento que, ao mesmo tempo, gera dor física e dor psíquica. Dia após dia a Fibromialgia vai rompendo com a unidade pessoal dos pacientes, estilhaçando uma existência que necessitaria ser integrada.
Trata-se de um conflito psíquico, sob a forma de síndrome crônica, com dores agudas e difusas por toda a musculatura, mas sem causa orgânica exclusiva. “Geralmente, a primeira consulta ao médico se dá vários meses ou anos após o início dos sintomas” (HOEFLER; DIAS, 2010, p. 1). Os teóricos a explicam em decorrência da exposição continuada ao estresse, de traumas psíquicos não elaborados e até da disposição do sistema nervoso central à dor. Independente disso, nos consultórios psicológicos, não nos deparamos com a causa, mas com o sentido da própria doença, às vezes, não percebido devido às crises exasperadas e à avalanche de analgésicos.
Além das sensações físicas dolorosas e reais, relatadas pelos pacientes, sobretudo, por mulheres, há os sintomas de cansaço intenso e exaustão (MONSMANN, et al., 2006, 173), sensibilidade generalizada na pele, sono interrompido por diversas vezes durante a noite, acompanhado da fadiga ao despertar pela manhã (LIMA, 2008, p.147). É um dormir que não repara nem repousa. Em decorrência dessa gama de fatores, aparecem também os lapsos na memória, a dificuldade de concentração e a irritabilidade constante, associada ao “sofrimento adicional imposto a esses pacientes pela demora diagnóstica […]. Levando-se em conta que sintomas depressivos e ansiosos estão frequentemente presentes […]” (MARTINEZ, 1997, p. 102).
Não é raro observar nos sintomas a linguagem enferma da alma humana. Logo, todo tratamento precisa resgatar as potencialidades que não foram comprometidas pela vulnerabilidade do adoecimento fibromiálgico. Sabe-se que “fora dos livros de anatomia e fisiologia não existe neste mundo um único ser humano são” (DAHLKE, 1992, p. 20). Nossa mentalidade instantânea só pensa em acabar com os sintomas. Uma onerosa ilusão. Já que não se pode eliminá-los, então, é preciso transformá-los. Se você ou algum conhecido têm passado pela sintomática acima: procure um reumatologista. Depois, vá de encontro ao psicólogo e ao fisioterapeuta. Não precisa ser diagnosticado com fibromialgia para buscar o acompanhamento psicológico. O tratamento multiprofissional traz excelentes resultados, principalmente, a tão sonhada qualidade de vida.
Paulo Crespolini – Psicólogo – CRP 06/132391
Graduado em Filosofia e pesquisador em Psicologia Analítica.
Textos profissionais: facebook.com/conflitopsiquico
REFERÊNCIAS
ÁLVARES, T. T.; LIMA, M. E. A. Fibromialgia: interfaces com a LER/DORT e considerações sobre sua etiologia ocupacional. Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p. 803-812, mai., 2010.
CAPRA, F. Sabedoria incomum. 13ª ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p.99.
COSTA, A. C. et al. Saúde do trabalhador e fibromialgia: relação entre dor e atividade física. In: Cinergis. Santa Cruz do Sul, v. 12, n. 1, p. 55-60, jan./jun., 2011.
COSTA, J. B. Fibromialgia: histeria da atualidade? Rio de Janeiro: UVA, 2013. 103 p.
DAHLKE, R. A doença como linguagem da alma: os sintomas como oportunidade de desenvolvimento. São Paulo: Cultrix, 1992, p. 20.
HOEFLER, R.; DIAS, C. D. Fibromialgia: doença obscura e tratamentos indefinidos. In: Boletim Farmacoterapêutica. Brasília, ano XV, n. 1, p. 1-8, jan./fev., 2010.
LIMA, C. P., et al. Fibromialgia: uma abordagem psicológica. In: Aletheia 28. Canoas, p.147, jul./dez., 2008.
MARTINEZ, J. E. Fibromialgia: o que é, como diagnosticar e como acompanhar? In: Acta Fisiátrica. São Paulo, v. 4, n. 2, p. 99-102, 1997.
MONSMANN, A., et al. Atuação fisioterapêutica na qualidade de vida do paciente fibromiálgico. In: Scientia Medica. Porto Alegre, v. 16, n. 4, p. 173, out./dez., 2006.
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